Cardeal Salazar: maior escândalo dos abusos é esconder a verdade
Raimundo de Lima - Cidade do Vaticano
Os trabalhos do Encontro sobre a “Proteção dos menores na Igreja”, realizado na Sala Nova do Sínodo, no Vaticano, foram retomados, após as atividades da manhã, às 16h locais desta quinta-feira (21/02), primeiro dia do encontro, com a terceira exposição, a qual teve como tema “A Igreja num momento de crise. Responsabilidade do Bispo. Enfrentar os conflitos e as tensões e agir com decisão”, cuja intervenção foi feita pelo arcebispo de Bogotá (Colômbia), cardeal Rubén Salazar Gómez.
Vale ressaltar que o tema principal do primeiro dia deste encontro, que prosseguirá até o próximo domingo (24/02), é o da responsabilidade dos bispos em sua função pastoral, espiritual e jurídica.
Em sua ampla e articulada exposição, o cardeal colombiano partiu de uma introdução/contextualização, para depois tratar da responsabilidade do bispo como pastor; como membro do colégio episcopal sob a suprema autoridade da Igreja; em relação a seus sacerdotes e pessoas consagradas; para com o povo santo fiel de Deus, encerrando com uma breve conclusão.
Clericalismo e convite à conversão
Focando a atenção no tema do dia, o cardeal Salazar foi direto ao ponto buscando responder a pergunta sobre “qual é a responsabilidade do bispo diante da crise que estamos vivendo na Igreja”, afirmando que para compreender essa responsabilidade e assumi-la, é indispensável buscar classificar, o quanto possível, a natureza da crise.
“Uma breve análise daquilo que aconteceu nos permite notar que não se trata somente de desvios ou patologias sexuais naqueles que cometem abusos – observou –, mas que há uma raiz mais profunda que é o desvirtuamento do significado do ministério transformado em meio para impor a força, para violar a consciência e os corpos dos mais frágeis. Isto tem um nome: clericalismo.”
O purpurado disse ainda que analisando o modo em que em geral se respondeu a essa crise, “descobrimos ter havido uma compreensão errônea do modo de exercer o ministério, que levou a cometer erros graves de autoridade que agigantaram a gravidade da crise. Isso tem um nome: clericalismo”, reiterou.
Retomando palavras do Papa Francisco na carta ao povo de Deus de agosto do ano passado, destacou que “isso se manifesta claramente numa maneira anômala de intender a autoridade na Igreja – muito comum em numerosas comunidades em que se verificaram comportamentos de abuso sexual, de poder e de consciência – que é o clericalismo... Dizer não ao abuso, é dizer energicamente não a toda e qualquer forma de clericalismo”.
O cardeal Salazar disse que se torna necessário desmascarar o clericalismo de fundo e realizar uma mudança de mentalidade que, expressa em termos mais precisos, se chama conversão.
“A nossa responsabilidade se expressa fundamentalmente numa meticulosa coerência entre as nossas palavras e as nossas ações. É necessária uma profunda revisão da mentalidade que está por trás das palavras a fim de que as nossas palavras e as nossas ações sejam as que correspondem à vontade de Deus neste momento da Igreja.”
Conscientes da missão de tornar presente, com a potência da ação eclesial, a salvação trazida pelo Senhor, “devemos admitir que muitas vezes a Igreja – nas pessoas de seus bispos – não soube e ainda, por vezes, não sabe comportar-se como deve para enfrentar com rapidez e decisão a crise causada pelos abusos”, reconheceu o purpurado.
Reconhecer e enfrentar crise dos abusos sem minimizá-la
Buscando negar a dimensão das denúncias apresentadas, não ouvindo as vítimas, ignorando os danos causados naqueles que sofrem os abusos, transferindo os acusados a outros lugares onde eles continuam abusando ou buscando se chegar a um acordo monetário para comprar o silêncio: agindo desse modo, ponderou o cardeal, “manifestamos claramente uma mentalidade clerical que nos leva a colocar o mal compreendido bem da instituição eclesial acima da dor das vítimas e das exigências da justiça”.
“Devemos reconhecer esta crise profundamente, reconhecer que o dano não é feito externamente, mas que os primeiros inimigos estão dentro, entre os bispos, os sacerdotes e as pessoas consagradas que não fomos à altura da nossa vocação. Devemos reconhecer que o inimigo está dentro.”
“Reconhecer e enfrentar a crise – superando a nossa mentalidade clerical – significa também não minimizá-la afirmando que os abusos se verificam em larga escala em outras instituições”, disse o cardeal Salazar acrescentando que “não há nenhuma justificação possível para não denunciar, para não desmascarar, para não enfrentar com coragem e firmeza qualquer abuso que se apresente dentro da nossa Igreja”. O arcebispo de Bogotá foi taxativo ao afirmar que o maior escândalo no caso dos abusos é esconder a verdade.
O purpurado disse que foi feito muito para enfrentar a crise dos abusos. Todavia, observou, “se não fosse a preciosa insistência das vítimas e a pressão exercida pela mídia, talvez não teríamos decidido enfrentar esta crise vergonhosa como foi feito.
“O dano causado é tão profundo, tão profunda a dor infligida, as consequências dos abusos verificados na Igreja são tão grandes, que jamais poderemos dizer ter feito todo o possível e a nossa responsabilidade nos leva a trabalhar todos os dias a fim de que os abusos jamais voltem a se apresentar na Igreja e a fim de que aqueles que se apresentem recebam a punição e a reparação exigidas.”
Em suas considerações o purpurado disse ainda que na gestão da crise e no processo de conversão que deve ser tomado para poder enfrentá-la o bispo não está sozinho. “Seu ministério é um ministério colegial”, precisou. E nessa unidade devemos “agir sempre com os mesmos critérios e a ajudar-nos reciprocamente no processo de decisão. Nossa força depende, sem dúvida, da profunda unidade que caracteriza nosso ser e agir”, frisou.
Desejável um “Código de conduta” para os bispos
O cardeal Salazar recordou que “para ajudar-nos nessa tarefa os Papas nos iluminaram com suas palavras e os dicastérios da Cúria romana emanaram disposições que nos indicam o caminho que devemos percorrer”.
Após afirmar que os bispos já sabem como devem proceder nesses casos, o cardeal disse parecer desejável que seja oferecido aos bispos um “Código de conduta” que, em harmonia com o “diretório para os bispos”, mostre claramente qual deve ser a conduta do bispo no contexto desta crise.
“O Código de conduta”, precisou, esclarecerá e exigirá de nós a conduta que é própria do bispo. “Sua obrigatoriedade será uma garantia para todos nós de agir em uníssono e na direção justa, visto que nos permite ter uma determinação clara sobre nossa conduta e nos dá indicações concretas para as medidas corretivas que são necessárias.”
O cardeal concluiu recordando que a responsabilidade do bispo é muito ampla, cobre muitos campos, mas é sempre inevitável, fazendo votos de que “com a ajuda do Senhor e com a nossa docilidade à sua graça faremos de modo que esta crise leve a uma profunda renovação de toda a Igreja com bispos mais santos, mais conscientes da sua missão de pastores do rebanho; com sacerdotes e consagrados mais santos, mais conscientes de seu serviço exemplar para o povo de Deus; com um povo de Deus mais santo, mais consciente da sua corresponsabilidade na construção permanente de uma Igreja de comunhão e participação”.
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