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Amets Arzallus e Ibrahima Balde, coutores de 'Hermanito' (foto: Susa Argitaletxea) Amets Arzallus e Ibrahima Balde, coutores de 'Hermanito' (foto: Susa Argitaletxea) 

"Hermanito", o livro frequentemente citado por Francisco

“Hermanito, leia-o e verás o drama dos migrantes”. No avião que o trazia da JMJ de Lisboa no domingo, 6 de agosto de 2023, François citou novamente este livro publicado em 2021 por Amets Arzallus, que narra a odisséia de três anos de Ibrahima Balde entre seu país, a Guiné, e a Espanha.

Jean Charles Putzolu – Cidade do Vaticano

Regularmente citado pelo Papa Francisco desde 2001, "Hermanito" é um livro que conta a odisséia de um menino guineense que deixou sua casa há mais de oito anos. Ibrahima Balde é o mais velho da família. Desde a morte do pai, sente sobre os ombros o peso das responsabilidades familiares em relação ao irmão mais novo, em particular, que partiu antes para a Líbia com a intenção de cruzar o Mediterrâneo e chegar à Europa. Para cumprir a missão que seu pai lhe confiou, de fazer todo o possível para garantir a educação de seu irmão mais novo, Ibrahima parte por sua vez, não para emigrar, mas para encontrar seu irmão mais novo antes que se aventure na travessia do mar.

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Sua jornada em direção ao norte o leva a atravessar o Mali, a Argélia, até chegar à Líbia, sem no entando encontrar o menor vestígio de seu irmão. Ibrahima decide então continuar a viagem para Espanha, onde chega em 2018, três anos depois de ter saído da Guiné. Ele então lamenta por seu irmão e é tomado por um sentimento de culpa ligado ao fracasso de sua busca.

Na Espanha, quatro anos na clandestinidade

 

Ibrahima agora trabalha em uma oficina em Madri. Ele é mecânico e tem contrato. Há 4 anos seu pedido de asilo é negado. Ele então vive na ilegalidade e é apoiado e ajudado, entre outros, por Amets Arzallus. Além de seu trabalho como jornalista no País Basco, ele ajuda migrantes de forma voluntária. Amets o ajuda a construir seu caso. Para tal, os dois decidem anotar todas as etapas da odisseia de Ibrahima para facilitar a narração da viagem perante as autoridades espanholas. Em vão, pois o primeiro pedido de asilo fracassa. À força da perseverança, as autoridades espanholas finalmente lhe concederam uma autorização de residência de um ano que expirará em abril de 2024.

 

A história de Ibrahima, publicada primeiro em basco, depois em espanhol e traduzida para várias línguas desde então, infelizmente se assemelha à de tantos outros migrantes.

Amets e Ibrahima agora moram a 400 km de distância e são amigos muito próximos. Eles ligam um para o outro várias vezes por semana. Esta história mudou a vida de Amets: "Penso que todas as pessoas gostariam de viver e planejar a sua vida na sua terra natal, onde vive a sua família", diz o jornalista basco, "mas conhecendo o infortúnio e a situação econômica ou social em países como a Guiné, percebemos que muitas pessoas são forçadas a planejar seu futuro em outro lugar, tentando ir para a Europa".

Ibrahima tem esse particular, especifica Amets Arzallus. Quando se conheceram em Madrid, o jovem guineense sublinhou de imediato que o seu objetivo não era vir para a Europa. “Esse ponto de partida mudou um pouco os estereótipos e o arquétipo do migrante que eu tinha em mente”.

O nascimento do livro

 

Realmente não sei como saímos das anotações para a ideia do livro”, admite Amets. “Passamos meses lá”, acrescenta. Inicialmente, as notas recolhidas para constituir o arquivo do pedido de asilo de Ibrahima exigiram uma manhã de diálogo. “Ibrahima não sabia ler nem escrever quando chegou a Espanha”, teve de ser ajudado, mas tinha uma capacidade incrível de colocar em palavras o que tinha vivido em quase três anos de errância desde a sua partida da Guiné.  "Quando pedimos a um migrante que nos conte sobre os países que atravessou durante dois ou três anos, onde viveu muitas atrocidades, muita violência, não é fácil, é preciso gastar tempo”.

Amets e Ibrahima marcam vários encontros para, aos poucos, reconstruir o quebra-cabeça dos quilômetros percorridos. “Criou-se uma relação”, continua o basco. “Ficamos amigos e descobri uma história que não esperava”. Amets nunca havia escrito um livro antes de "Hermanito"; sua atividade de jornalista até então o limitara a escrever artigos e reportagens. Mas a ideia de que as anotações sobre a odisseia de Ibrahima fossem acabar nas mãos de um policial na delegacia sob uma pilha de pedidos de asilo era insuportável para ele. “Ibrahima confiou em mim, escrevi um livrinho em basco, minha língua materna e língua de trabalho”.

 

Consciências adormecidas

 

Todos os dias, no rádio, nos jornais, ouvimos e lemos tragédias”, suspira Amtes Arzallus, que continua: “Acho que fomos educados a ter um certo distanciamento dessas notícias desumanas e difíceis de digerir." O jornalista e agora escritor sente-se como que anestesiado e quase desumanizado, forçado a manter-se afastado da realidade. “Eu penso que tem que se aproximar um pouco”, diz ele, “tem-se que tentar ser mais humano e reaprender a sentir a dor” dos outros.

A conversa continua e traça as notícias dramáticas dos migrantes nas costas de Lampedusa, nas Ilhas Canárias: "quantos dramas, quantas tragédias, quantos naufrágios?"

Amets lança uma crítica contundente à política migratória ocidental e à europeia em particular: “Há uma responsabilidade direta […] Esta política migratória, demasiado violenta e desumana, é contada deixando as coisas a uma certa distância, para não perturbar demasiado a consciência das pessoas. Temos que parar de olhar a realidade como se fosse ficção, porque é uma realidade dura, pura e dura, muito violenta. Temos que conseguir mudar o mundo, não é mais possível".

"Hermanito" e o Papa

 

De ouvir e ler que o Papa Francisco cita regularmente este livro “foi uma grande surpresa. Não poderíamos esperar, nem sei como o Papa conseguiu o livro. Mal pude acreditar. Fiquei surpreso”.

Quando o Papa retoma “Hermanito” para falar da tragédia dos migrantes, da Tunísia, da Líbia, ou mesmo da política externa da Europa que tende a querer frear a migração, “não sou mais eu quem disse. O fato de ser o Papa tem uma ressonância completamente diferente, e as coisas são entendidas de maneira diferente”. “Em todo o caso, agradeço”, conclui Amets, feliz por constatar que o pequeno trabalho talvez possa contribuir para “despertar consciências”.

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16 agosto 2023, 14:22