Koch: "O primado do Papa é serviço e é exercido de forma sinodal"
Andrea Tornielli
“O primado deve ser exercido de forma sinodal, e a sinodalidade exige o primado”. Com esta afirmação o cardeal Kurt Koch, prefeito do Dicastério para a Promoção da Unidade dos Cristãos, sintetiza um dos pontos-chave do divulgado nesta quinta-feira, 13 de junho. Um texto que sintetiza os desenvolvimentos do diálogo ecumênico sobre o tema do primado e da sinodalidade.
Eminência, poderias nos explicar antes de tudo do que se trata este documento, como nasceu e qual a sua finalidade?
Este documento, intitulado O Bispo de Roma, é um texto de estudo que oferece uma síntese dos recentes desenvolvimentos ecumênicos sobre o tema do primado e da sinodalidade. A sua gênese remonta ao convite dirigido a todos os cristãos por São João Paulo II na a encontrar, "evidentemente juntos", as formas pelas quais o ministério do Bispo de Roma "possa realizar um serviço de amor reconhecido por uns e por outros". Este convite foi reiterado diversas vezes pelo Papa Bento XVI e pelo Papa Francisco. O documento resume cerca de trinta respostas a este convite e cerca de cinquenta textos de diálogos ecumênicos sobre o tema. Em 2020, o Dicastério para a Promoção da Unidade dos Cristãos viu o 25º aniversário da Encíclica Ut unum sint como uma oportunidade para fazer um balanço da discussão. A convocação de um Sínodo sobre a sinodalidade confirmou a relevância deste projeto, como uma contribuição para a dimensão ecumênica do processo sinodal.
Qual metodologia foi usada para criar este documento?
O documento é o resultado de um verdadeiro trabalho ecumênico e sinodal. A sua realização envolveu não somente os oficiais, mas também os membros e consultores do Dicastério que o discutiram em duas assembleias plenárias. Foram consultados muitos especialistas católicos e numerosos estudiosos de diversas tradições cristãs, tanto orientais como ocidentais, em colaboração com o Instituto de Estudos Ecumênicos do Angelicum. Por fim, o texto foi enviado a vários Dicastérios da Cúria Romana e à Secretaria Geral do Sínodo. Ao todo, foram levadas em consideração mais de cinquenta opiniões e contribuições. O nosso documento também leva em conta as últimas intervenções no âmbito do processo sinodal.
Na Encíclica Ut Unum sint (1995) João Paulo II disse estar disponível para discutir as formas de exercício do primado do Bispo de Roma. Que caminho foi trilhado nessas três décadas?
A questão do primado foi intensamente discutida em quase todos os contextos ecumênicos nas últimas décadas. O nosso documento marca os progressos e destaca o fato de que os diálogos teológicos e as respostas à encíclica testemunham um novo e positivo espírito ecumênico na discussão. Este novo clima é indicativo das boas relações estabelecidas entre as comunhões cristãs, daquela «fraternidade redescoberta» de que fala Ut unum sint. Pode-se afirmar que com os diálogos ecumênicos revelou-se o contexto apropriado para discutir este tema delicado. Numa época em que os resultados do esforço ecumênico são muitas vezes considerados escassos ou insignificantes, os êxitos dos diálogos teológicos demonstram o valor da sua metodologia, isto é, de uma reflexão feita “evidentemente em conjunto”.
Lendo o documento, o que primeiro chama a atenção é o crescimento de um consenso que foi encontrado nos diversos diálogos ecumênicos sobre a necessidade do primado. Isto significa que para as outras Igrejas cristãs o papel do Bispo de Roma não é mais percebido apenas como um obstáculo à unidade?
Em 1967, Paulo VI afirmava que “o Papa [...] é sem dúvida o maior obstáculo ao caminho do ecumenismo”. Contudo, cinquenta anos depois, a leitura dos documentos do diálogo e das respostas à Ut unum sint atesta que a questão do primado para toda a Igreja, e em particular do ministério do Bispo de Roma, já não é vista apenas como um problema, mas antes como uma oportunidade para uma reflexão comum sobre a natureza da Igreja e a sua missão no mundo. Além disso, no nosso mundo globalizado, há sem dúvida um sentimento crescente da necessidade de um ministério de unidade a nível universal. A questão que se coloca é a de se concordar a modalidade do exercício deste ministério, definido por João Paulo II como um “serviço de amor”.
Nos dois milênios de história da Igreja, como mudou a forma de exercer o primado? E que desenvolvimento poderia haver para tornar este exercício aceitável também para as outras Igrejas que hoje não estão em plena comunhão com Roma?
Sem sobra de dúvida a modalidade de exercício do ministério petrino evoluiu ao longo do tempo, segundo as circunstâncias históricas e os novos desafios. Contudo, para muitos diálogos teológicos, os princípios e modelos de comunhão honrados no primeiro milênio permanecem paradigmáticos para uma futura restauração da plena comunhão. Alguns critérios do primeiro milênio foram identificados como pontos de referência e fontes de inspiração para o exercício de um ministério de unidade reconhecido a nível universal. Embora o primeiro milênio seja decisivo, muitos diálogos reconhecem que não deveria ser idealizado nem simplesmente recriado, uma vez que os desenvolvimentos do segundo milênio não podem ser ignorados e também porque um primado a nível universal deveria responder aos desafios contemporâneos. Em todo caso, um renovado exercício de primado deve, em última análise, ser modelado no serviço, na diakonia. Autoridade e serviço estão intimamente relacionados.
Seria possível hipotizar para o futuro uma forma partilhada de exercício do primado petrino para toda a cristandade, que seja separado da jurisdição do Papa sobre a Igreja latina?
Na verdade, alguns diálogos ecumênicos sugerem uma distinção mais clara entre as diversas responsabilidades do Bispo de Roma, em particular entre aquele que poderia ser definido de o ministério patriarcal do Papa dentro da Igreja Ocidental ou Latina, e o seu serviço primacial de unidade em comunhão de todos os Igrejas, quer do Ocidente como do Oriente. Além disso, sublinham a necessidade de distinguir o papel patriarcal e primacial do Bispo de Roma da sua função como chefe de Estado. A ênfase no exercício do ministério do Papa na sua Igreja particular, a Diocese de Roma, que o Papa Francisco destacou particularmente, ajuda a realçar o seu ministério episcopal que partilha com os seus irmãos bispos.
Este documento é publicado enquanto a Igreja Católica vive um caminho sinodal centrado precisamente no tema da sinodalidade. Que conexão existe entre sinodalidade e primado?
A maior parte das respostas e dos documentos de diálogo concordam claramente com a interdependência recíproca entre primado e sinodalidade em todos os níveis da Igreja: local, regional e mesmo a nível universal. Consequentemente, o primado deve ser exercido de forma sinodal, e a sinodalidade requer o primado. Sobre todos estes aspectos, o nosso Dicastério também organizou conferências intituladas Listening to the East e Listening to the West, colocando-se à escuta das diferentes tradições cristãs em mérito à sinodalidade e ao primado, como uma contribuição para o processo sinodal.
Um passo decisivo em relação ao primado foi a dogmatização da infalibilidade do Bispo de Roma quando fala ex cathedra e o seu poder jurisdicional sobre a Igreja. O senhor poderia nos dizer se, e como, é possível uma nova leitura e compreensão do Concílio Vaticano I à luz do Vaticano II e dos passos dados no caminho ecumênico?
Certamente, alguns diálogos esforçaram-se em interpretar o Concílio Vaticano I à luz do seu contexto histórico, do seu objetivo e da sua recepção. Dado que as suas definições dogmáticas foram profundamente condicionadas pelas circunstâncias históricas, sugerem que a Igreja Católica busque novas expressões e vocábulos fiéis à intenção original, integrando-as em uma eclesiologia de comunhão e adaptando-as ao contexto cultural e ecumênico atual. Falamos, portanto, de uma “re-recepção”, ou mesmo de “reformulação”, dos ensinamentos do Vaticano I.
Quais serão os próximos passos para continuar a reflexão comum das Igrejas sobre o primado?
Este estudo conclui com uma breve proposta da Assembleia Plenária do Dicastério, intitulada “Rumo a um exercício do Primado no século XXI”, que identifica as sugestões mais significativas propostas pelas várias respostas e pelos diálogos para um renovado exercício do ministério de a unidade do Bispo de Roma. O nosso dicastério gostaria de partilhar esta proposta, juntamente com o documento de estudo, com as diversas comunhões cristãs, pedindo as suas reflexões sobre o assunto. Esperamos assim continuar o debate “evidentemente juntos”, para um exercício do ministério de unidade do Bispo de Roma “reconhecido por uns e por outros”.
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