Mistério Pascal e mistério do Natal
Jackson Erpen - Cidade do Vaticano
No rito romano o tempo do Natal tem início com as Vésperas do dia 24 de dezembro, vigília de Natal, e termina no domingo do Batismo do Senhor, celebrado no primeiro domingo depois da Epifania, entre 7 e 13 de janeiro (no Brasil, neste ano de 2024, é celebrado nesta segunda-feira, 8 janeiro). Tem, portanto, uma duração que varia de 14 a 20 dias, período no qual são celebradas várias festas e solenidades além do Natal, como a festa da Sagrada Família, no primeiro domingo depois do Natal; a Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus, em 1º de janeiro; a Solenidade da Epifania, 6 de janeiro. A cor litúrgica desta época é o branco ou dourado, com exceção das festas dos mártires, como Santo Estêvão e os Santos Inocentes.
Quando ainda era mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias, o atual bispo de Tortona, dom Guido Marini, dos bispos italianos, que "a repetitividade do ato litúrgico, em sua objetividade, é uma graça muito especial porque nos recorda da fidelidade de Deus à sua promessa de amor e nos permite, ao longo do tempo, uma adesão cada vez maior à vida divina que é doada”. Neste contexto, padre Gerson Schmidt* nos propõe no programa de hoje a reflexão "Mistério Pascal e mistério do Natal":
"O bispo auxiliar da Arquidiocese do Rio de Janeiro, Prof. Dr. dom Antônio Catelan realizou a 5ª conferência sobre “LITURGIA, CELEBRAÇÃO DO MISTÉRIO PASCAL E ANTÍDOTO CONTRA O VENENO DA MUNDANIDADE ESPIRITUAL” no recente congresso Internacional de Liturgia acontecido em Porto alegre-RS. O liturgista concluiu sua conferência, lembrando uma analogia de Santo Agostinho que todos éramos trigos espalhados, reunidos pelo querigma, amassados pela catequese, umedecidos pela água batismal e assados pelo fogo do Espírito Santo pelo Sacramento da Crisma.
Papa Francisco disse que “na Igreja é possível encontrar certas formas de espiritualidade que não conseguiram integrar adequadamente o momento litúrgico. Muitos fiéis, embora participassem assiduamente nos ritos, especialmente na Missa dominical, hauriam alimento para a sua fé e a sua vida espiritual sobretudo de outras fontes, de tipo devocional. Nas últimas décadas, houve muito progresso. A , do Concílio Vaticano II, representa o centro deste longo trajeto”. Um dos conferencistas lembrou as palavras do Papa Francisco na realizada na Biblioteca do Palácio Apostólico: “Um cristianismo sem liturgia é um cristianismo sem Cristo, totalmente sem Cristo”.
Num epitáfio comemorativo de Santo Inácio de Loyola diz-se: «Non coerceri a maximo, sed contineri a minimo, divinum est» NT. É divino ter ideais que não sejam limitados por nada do que existe, mas ideais que, ao mesmo tempo, se contenham e sejam vividos nas coisas mais pequenas da vida. Em suma, não vale a pena assustar-se com as coisas grandes, importa antes andar em frente e reparar sempre nas coisas mais pequenas.
É por esta razão que salvaguardar o espírito do presépio se torna uma imersão salutar na presença de Deus, que se manifesta nas pequenas coisas, por vezes banais e repetitivas, do quotidiano. O Papa diz: “Estou certo de que o primeiro presépio, que realizou uma grande obra de evangelização, pode ocasionar ainda hoje espanto e maravilha. Assim, o que São Francisco realizou com a simplicidade daquele gesto permanece nos nossos dias uma forma genuína da beleza da nossa fé” (Papa Francisco, "O meu Presépio", 27 de setembro de 2023).
Frei Luis Carlos Zusin, na conferência em Porto Alegre sobre a Liturgia, acima já apontada, lembra a quando diz que somente no mistério de Cristo o mistério do homem se encontra. E é nessa corporeidade de Cristo que a salvação se revela, não no mundo dos anjos, das nuvens, dos espaços siderais, mas na humanidade quando Cristo assume um corpo, se faz homem, indigente, e vem habitar entre nós. O verbo habitar, do hebraico “shachan” significa residir, criar moradia, fazer tenda, habitar. Provêm da palavra também “shikan” que significa também alojar-se ou se instalar. Essas duas palavras provêm da mesma raiz da palavra “shekinah”, mais conhecida, que traduzida, significa a descida da glória de Deus, “divina presença” ou em “quem Iahweh habita”, vem a ele se manifestar.
Na encarnação do Verbo divino houve a shekinah de Deus, repetida sempre na Eucaristia, quando “Deus habita no abrigo do Altíssimo” e parafraseando o Salmo “na glória desvelado da Santíssimo Sacramento”. Por isso, em Greccio, a manjedoura que servia de manjar para os animais, há 800 anos atrás, se tornou também o altar da Eucaristia, unindo encarnação com a consagração e Celebração Eucarística. Ritos e símbolos nos inventam, não podemos inventar arbitrariamente. A linguagem é a casa em que o ser humano habita. Susin aponta que o Símbolo e o Rito são intrínsecos à nossa condição humana. As manifestações e saudações constantes dos anjos, na narrativa bíblica, estão dentro da delicadeza da linguagem que homem poderia entender, dentro da condição humana perceptível, ou seja, condescendentes à corporeidade do ser humano, por isso aparecerem de modo visível, mesmo sendo invisíveis.
Se é assim a condição dos anjos invisíveis para se manifestar de maneira perceptível e em linguagem que o homem possa entender, quão profundo é o mistério do Natal!! Não se trata de um anjo a nos visitar. Não se trata de uma manifestação pontual de Deus do anjo que vem com uma missão de anunciar e ir em embora. É muito mais. É muito mais. O natal é um acontecimento novo, onde o Deus generoso faz carne e vem habitar entre nós, que não somos anjos, mas pobres pecadores, necessitados da sua salvação."
*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
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