Processo Vaticano, carta de Parolin: perseguir e punir todos os crimes
Salvatore Cernuzio – Pope
"Dando continuidade à posição já assumida pela Secretaria de Estado, confirmo a instância de perseguir e punir todos os crimes nos quais a Secretaria de Estado é considerada parte ofendida". Em uma carta, o cardeal secretário de Estado vaticano, Pietro Parolin, intervém pela primeira vez no processo pela gestão dos fundos da Santa Sé, que depois de dois anos e meio chega à reta final, com a sentença esperada para o final desta semana. Foi o promotor de Justiça adjunto, Gianluca Perone, que leu na Sala mu8ltifuncional dos Museus Vaticanos a "declaração" do secretário de Estado, datada de 6 de novembro, mas comunicada esta segunda-feira à Promotoria, em resposta a uma solicitação da mesma Promotoria acerca da falta de queixa por parte da Secretaria de Estado e a confirmação se havia vontade de prosseguir.
Ataques à Promotoria
A missiva de Parolin concluiu as mais de nove horas da 84ª audiência, dedicada às réplicas do promotor Alessandro Diddi e das quatro partes civis: Asif, Ior, Apsa, Secretaria de Estado e monsenhor Alberto Perlasca, ex-chefe do escritório administrativo. Uma audiência que foi acrescentada após a conclusão da audiência em 6 de dezembro, na qual Diddi, em uma manhã inteira, rebateu ponto por ponto os argumentos das defesas, que unanimemente afirmaram que a própria fase de discussões teria desmoronado o quadro acusatório, trazendo à tona não provas, mas "falsas acusações" e "preconceitos". Tudo "injúrias agressivas contra o Promotor de Justiça", disse Diddi: "É a demonstração de que em muitos casos as defesas não tinham outros argumentos senão nos atacar". "Há defensores, no entanto - acrescentou -, que nem sequer consideraram o requisitório escrito". Ele então citou chats, e-mails, partes de interrogatórios ou informativas: "Tudo completamente ignorado".
"A entrada" de Becciu na investigação
Em particular, a defesa de Becciu, apontou Diddi, "esqueceu como o cardeal entrou na investigação" na qual ele não estava inicialmente envolvido: "Foi Becciu que, quando não havia sequer um vestígio de sua pessoa, fez um grande esforço para entrar no processo defendendo a operação de Londres", ou seja, a negociação do edifício da Sloane Avenue que causou uma enorme perda econômica para a Santa Sé e que está no centro do processo judicial. De acordo com o promotor público vaticano, a partir de 2019 e no início de 2020, o ex-substituto da Secretaria de Estado teria iniciado uma verdadeira "campanha de imprensa contra a Promotoria, que teria se equivocado na investigação".
Respeito aos princípios do devido processo legal
Reagindo a outras observações da defesa, Diddi classificou como "heresia em nível jurídico" a acusação de que "em nível de direito internacional, a Cidade do Vaticano não implementou a CEDH" (a Convenção Europeia sobre Direitos Humanos) para os princípios do devido processo. "O contraditório foi totalmente respeitado, todas as defesas tiveram ampla voz, nunca houve o menor obstrucionismo... Esses são problemas falsos".
O memorial de Perlasca
Ainda, Diddi se deteve sobre o conhecido memorial depositado em 31 de agosto de 2020 por monsenhor Perlasca, do qual se originou a maioria das acusações contra Becciu e cuja gênese - como se viu - foi condicionada por uma "triangulação" entre Perlasca, sua amiga Genoveffa Ciferri e a relações-públicas Francesca Immaculate Chaouqui. "Alguém disse que o memorial era a 'pedra angular da investigação'. Não é... Além do fato de que, no caso Marogna (a gerente sarda que teria usado o dinheiro fornecido pela Santa Sé para a libertação de uma freira para despesas pessoais e por isso ré, ndr), Perlasca não deu nenhuma pista investigativa, mas sobre o prédio de Londres o monsenhor tem uma posição que não tem nenhuma relação com fraude, peculato, etc.". E Ciferri e Chaouqui? “A importância dessas testemunhas é zero", disse o promotor.
Os rescritos do Papa
Em seguida, em sua resposta, Diddi tocou no assunto dos rescritos do Papa, que havia surgido durante as investigações e que teria modificado as modalidades; um ponto criticado por todos os advogados das defesas porque, entre outras coisas, teria permitido que o promotor selecionasse à vontade os autos a serem entregues às defesas. "Entendo que, ao fazer as defesas, é preciso enfatizar os dados...", respondeu Diddi, mas os rescritos "tinham a função de regulamentar atividades que, de outra forma, não seriam regulamentadas". Portanto, foram "uma garantia para todos aqueles que se submeteram a esse tipo de atividade".
O "caso Sardenha" e o "caso Marogna"
Também foi dado espaço na intervenção de quatro horas para as outras acusações contra o cardeal Becciu, ou seja, o "caso Sardenha" (a defesa "não confrontou os resultados da investigação da Gdf de Oristano" sobre a Diocese de Ozieri e a cooperativa Spes) e o "caso Marogna" ("Se fosse verdade que Becciu foi enganado, por que não denunciou? Por que ele a encontra ainda em 2021? Por que a hospeda em sua casa?"). Mas, acima de tudo, Diddi destacou que "o Papa não autorizou o dinheiro para Marogna, porque não sabia nada sobre ela, mas para a empresa britânica Inkerman", encarregada da mediação para libertar a freira colombiana sequestrada na República de Mali. Em seguida, o promotor reiterou suas conclusões e solicitações.
A réplica das partes civis
As partes civis fizeram o mesmo esta segunda-feira sobre as indenizações. Em particular, o Ior concentrou-se na "restituição e no dano": "O dano sofrido pelo Ior é um dano autônomo, rigorosamente demonstrado", disse o advogado Roberto Lipari, que apontou o dedo para o ex-diretor da AIF na época, Tommaso Di Ruzza, que "conhecia bem os problemas relacionados ao caso de Londres", mas mesmo assim insistiu para que o negócio fosse adiante: "O Ior é vítima da deslealdade de Di Ruzza. Assim como da deslealdade de Renè Brüllhart, o ex-presidente "que pegava De Franssu (presidente do Ior) pelo braço e dizia: 'Por que você é tão teimoso? Dê a eles esse dinheiro que nós lhe daremos cobertura'".
Uma referência ao financiamento solicitado pela Secretaria de Estado para encerrar o que a advogada Paola Severino, parte civil da SdE, chamou de "caso doloroso" em que os primeiros a serem "enganados" foram o cardeal Parolin e o substituto dom Edgar Peña Parra. Severino também falou de uma "requalificação" das acusações e agradeceu ao Tribunal pela "amplitude do debate" que permitiu "colocar em prática algumas questões e esclarecer em que vestes e posições estavam os sujeitos desse caso doloroso". Ambos os pontos foram retomados pelo professor Giovanni Maria Flick, parte civil Apsa, que falou, por sua vez, de um "caso doloroso" no centro de um processo durante o qual "os direitos de todos foram defendidos".
Por sua vez, a advogada de parte civil Asif, Anita Titomanlio, enfatizou os princípios de autonomia e independência da Autoridade que ela representava, à luz dos quais os ex-chefes da então Aif não poderiam ter fornecido a cooperação solicitada pela Secretaria de Estado, tornando-se cúmplices de fato de crimes graves.
Esta terça-feira, 12 de dezembro, o pronunciamento dos advogados de defesa. Trata-se da última vez antes da sentença que concluirá o processo mais longo e polêmico que a Santa Sé já conheceu.
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