Processo vaticano, Secretaria de Estado: 177 milh?es de indeniza??o por danos morais
Salvatore Cernuzio ¨C Pope
"Desperdício", "saque", "operações sem escrúpulos", "destruição econômica", "especulação". Em "50 mil artigos na imprensa e na web" e em "milhares de interações", esses foram os termos usados para descrever o caso da Sloane Avenue, a transação do prédio de Londres no centro do processo que está em andamento há mais de dois anos pela administração dos fundos da Santa Sé. Julgamentos e comentários que "causaram sérios danos" à imagem da Secretaria de Estado, que agora está pedindo 177 milhões de euros de indenização por danos morais e à reputação aos dez réus, incluindo o cardeal Giovanni Angelo Becciu.
Abusos e enganos por parte dos mercadores do templo
Foi a advogada da parte autora da ação, Paola Severino, esta quinta-feira, 28 de setembro, na sexagésima nona audiência na Sala dos Museus Vaticanos, que quantificou os danos causados pelo escândalo envolvendo "uma das instituições primárias da Santa Sé", vítima de "abusos e enganos" por parte dos "mercadores do Templo" a quem as portas foram abertas por representantes da própria Secretaria de Estado, agora obrigada a apoiar uma "campanha de reputação destinada a reabilitar a honra lesada pelos crimes cometidos". "Foi escrito que a Primeira Seção se transformou em uma central de investimentos... Foi afirmado que esse caso é comparável ao pior escândalo de corrupção que levou ao suicídio de Roberto Calvi", disse o ex-ministro da Justiça italiano. "Digo isso não porque os jornalistas substituem os juízes, mas porque eles dão uma ideia da extensão do prejuízo sofrido."
Avaliação dos danos
Para "avaliar o esforço pelos danos causados pelos réus", a Secretaria de Estado contou com uma "empresa especializada", a Volocom srl, que calculou um valor que varia entre 98 e 177 milhões (138 milhões, a mediação correta). "Um dos maiores valores já calculados a título de dano à imagem", ressaltou Severino ao final de uma longa intervenção na sala de audiências, que partiu da reconstrução eficaz e pontual - "tudo com base nos autos" - das "condutas graves" e da arquitetura financeira montada antes das negociações londrinas. Começando, portanto, com a proposta de investir em poços de petróleo em Angola, apresentada em 2014 por Becciu a pedido do empresário Antonio Mosquito, um antigo conhecido seu. Um investimento que nunca foi realizado, mas que representou uma mudança de rumo em relação às operações financeiras anteriores da Secretaria de Estado, que eram mais prudentes, conservadoras e caracterizadas por um perfil de baixo risco. Acima de tudo, a operação cristaliza "o momento da entrada dos mercadores do templo, amplamente acompanhados e consentidos por Sua Eminência Becciu", disse Severino.
Reconstruir os fatos
"O passado é o prólogo", para citar Shakespeare, portanto, começar pela reconstrução da história ajuda a demonstrar, de acordo com a advogada, como as operações que se seguiram à proposta de Angola foram "o cavalo de Troia que permitiu que Raffaele Mincione e Gianluigi Torzi (os dois administradores acusados, ndr) obtivessem por muito tempo o controle incondicional e incontestado dos ativos da Secretaria de Estado". Tudo isso com a "contribuição ativa" de outros representantes da instituição que, ao invés, deveriam ter protegido seus interesses: Fabrizio Tirabassi, um funcionário do Escritório administrativo, e Enrico Crasso, desde os anos 90 um consultor financeiro que talvez tenha visto no negócio de Londres "a oportunidade de assumir um papel de liderança".
Apurar a verdade, o objetivo do julgamento
"Esta parte civil se considera fortemente prejudicada", reiterou Severino: "O objetivo do julgamento é apurar a verdade, não a vingança, não o acerto de contas, não os interesses pessoais. Isso reafirma a força da Igreja diante da falácia dos homens. Ter desejado esse julgamento é um fato simbólico".
Da proposta do acordo de Angola em diante
Depois de várias audiências (esta sexta-feira, 29 de setembro, a 70ª com os advogados da Apsa e da Asif), os fatos agora são conhecidos. Severino listou-os cronologicamente: a proposta do negócio da Falcon Oil em Angola, a diligência prévia confiada a Mincione com um parecer negativo ("Primeiro se coleta tudo, se cria os meios para administrar e, depois de mais de um ano, diz 'não, o investimento é muito arriscado'"), a proposta de compra de uma propriedade em uma rua de prestígio da capital britânica com um preço "superestimado" entre 101 e 56 milhões de libras, com danos para a instituição que tinha 45%. Além disso, o investimento na "forma peculiar e onerosa" do Credit Lombard, a compra de uma ação do prédio por meio do Athena Capital Fund, dirigido pelo próprio Mincione, outros "investimentos destinados a satisfazer os interesses dos gestores e não do subscritor, agravados por perdas substanciais" e assim por diante.
Operações "fracassadas
Operações que deram origem a um clima de suspeita no Vaticano, com a Secretaria para a Economia e o Escritório do Auditor pressionando para obter esclarecimentos sobre as operações "falidas" de Mincione, realizadas, além disso, "em uma situação de constante conflito de interesses". O corretor, no entanto, continuou "a operar com absoluta autonomia", até que "depois do verão de 2018 ficou claro que era necessário mudar de estratégia porque - para usar as próprias palavras de Mincione - os jogos tinham acabado".
"Jogou-se com o dinheiro da Secretaria de Estado"
Sim, porque estamos falando de "jogos" ou, pelo menos, é assim que Severino e suas duas assistentes de escritório, as advogadas Daniela Sticchi e Elisa Scaroina, que falaram à tarde, os definiram. "Jogou-se muitas vezes com o dinheiro da Secretaria de Estado: em 2013, em 2014, foi repetido em 2018...". Este é o ano em que a "segunda fase" da história começa: a transição do fundo Gof de Mincione para o Gutt de Torzi. Em novembro de 2018, de fato, ocorre a conhecida reunião em Londres, na qual é assinado o Acordo-Quadro, em que Torzi se compromete a comprar as ações de Mincione em nome da Secretaria de Estado, "sujeito a um ajuste" de 40 milhões de libras. E também é assinado o Acordo de Compra de Ações, pelo qual a Secretaria de Estado compra 30 mil ações sem direito a voto de Torzi pelo preço simbólico de um euro, "enquanto Torzi continua sendo proprietário de apenas mil ações com direito a voto". Essas ações lhe dão o direito de vender ou decidir sobre qualquer destino.
Os acordos assinados em Londres
Tirabassi e Crasso estão presentes em Londres. Para Severino, a reunião foi uma "armadilha" porque os dois estavam "convencidos de que estavam participando de uma reunião para identificar uma estratégia de saída com relação a uma gestão financeira indesejada". Em vez disso, eles se depararam com um prato pronto para formalizar "acordos ilícitos". A Secretaria de Estado passa das mãos de Mincione para as mãos "igualmente hábeis e interessadas" de Torzi, que, em um primeiro gesto, manda Tirabassi embora da diretoria.
A intervenção de Peña Parra
"Quem encontra um amigo encontra um tesouro, neste caso o tesouro da Secretaria de Estado", ironizou Scaroina. "Torzi e Mincione realizam parcialmente seus objetivos comuns", disse Severino. "Nesse mecanismo bem azeitado" surgiu uma "pedra" que emperrou o mecanismo: o advento do novo Substituto, o arcebispo Edgar Peña Parra, que foi imediatamente alertado para o fato de que, com a assinatura de contratos em Londres, a Secretaria de Estado "havia de fato adquirido uma caixa vazia". Peña Parra, lembrou Severino, entendeu que "era preciso encontrar uma saída para a situação, preservando o investimento na medida do possível". Ele recorreu ao Ior e Asif e tentou "recuperar o que poderia ser recuperado". Começa o que o próprio substituto descreveu repetidamente como "uma verdadeira Via-Sacra". Com o empréstimo oneroso da Chayne Capital, entre aluguéis não pagos ou de favor, a Santa Sé perde somas cada vez maiores: "O substituto não dormia à noite", ressaltou Scaroina.
Extorsão
A última estação da Via-Sacra, ao final de uma negociação tortuosa, é o pagamento - após o parecer do renomado escritório de advocacia Mishcon De Reya - de 15 milhões de euros a Torzi, que "tinha vantagem" para obter o controle total do edifício: 10 milhões para entregar as mil ações e 5 milhões como compensação pelos seis meses de administração. Torzi vendeu o edifício, cujo valor, nesse meio tempo, havia aumentado de 230 milhões de libras para 275 milhões de libras, de uma forma "completamente injustificada". Mas o corretor transmite "motivos totalmente diferentes": é o "ponto final" do que a promotoria descreve como extorsão. "Toda a negociação foi uma demonstração do poder e da força que eles tinham enquanto a Secretaria de Estado estava impotente", disse Severino.
As solicitações da ação civil
A advogada continuou falando de "várias corrupções", "castelos de fraudes", desvio de recursos e outros "delitos graves", mas o caso de Londres é o que "teve a maior repercussão na mídia" em 130 países do mundo. Por isso, foi o que causou profundas "lesões" à Secretaria de Estado. Daí, o pedido de indenização por danos à reputação no valor de 177,818 milhões de euros, necessários para uma "campanha de restauração", e depois o pedido do pagamento de uma quantia provisória a ser feito após uma eventual condenação em primeira instância no valor de 98 milhões 473 mil euros (o valor mais baixo na faixa estabelecida pelo relatório do perito).
O pedido de indenização do Ior
Além dessas solicitações, esta quinta-feira o advogado do Ior, Roberto Lipari, apresentou um pedido de indenização pelos fundos que teriam sido desviados pelos réus no caso em julgamento e que teriam afetado os 700 milhões de euros conferidos ao longo de dezesseis anos pelo Instituto para as necessidades da Santa Sé e reservados pela Secretaria de Estado. O pedido de restituição foi fixado em 206 milhões 493 mil 665 euros, além de danos morais, para os quais Lipari solicitou ao Tribunal uma "liquidação equitativa", e danos à reputação, estabelecidos por um relatório de especialistas em 987 mil 494 euros.
Esta sexta-feira, o advogado da parte civil da Apsa, Giovanni Maria Flick, apresenta seu pedido de indenização por danos patrimoniais à Administração do Patrimônio da Sé Apostólica, desde dezembro de 2020 proprietária dos fundos e imóveis da Santa Sé por vontade do Papa.
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