Devoção mariana na Igreja Ortodoxa
Jackson Erpen - Cidade do Vaticano
A fé na Igreja Ortodoxa é expressa principalmente por meio de hinos sagrados - verdadeiros poemas marianos - e na iconografia sagrada. Nossa Senhora é chamada com o termo “Theotokos”, ou seja, Aquela que gera Deus, nome que lhe foi conferido em 22 de junho de 431 durante o Concílio de Éfeso, reunido para discutir a teoria do patriarca de Constantinopla Nestório, que afirmava que Maria não poderia ser chamada com o título de Mãe de Deus, mas apenas com o de Mãe de Cristo (Christotokos). Maria é, portanto, frequentemente representada com algumas letras gregas (MP ΘY) acima de sua cabeça: elas são a redução de Μήτηρ Θεοῦ (Méter Theou), ou seja, Mãe de Deus. Esta importante função de Maria é confirmada pelo fato de que a maior parte da iconografia a retrata segurando o Menino Jesus nos braços.
No programa de hoje deste nosso espaço, Pe. Gerson Schmidt* dá prosseguimento a sua série de reflexões sobre Nossa Senhora, falando sobre "devoção mariana na Igreja Ortodoxa":
"A MÃE DO REDENTOR tem um lugar bem preciso no plano da salvação, porque, «ao chegar a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido duma mulher, nascido sob a Lei, a fim de resgatar os que estavam sujeitos à Lei e para que nós recebêssemos a adopção de filhos (Gal 4, 4s). Com estas palavras do Apóstolo São Paulo, que são referidas pelo Concílio Vaticano II no início da sua exposição sobre a Bem-aventurada Virgem Maria, o Papa João Paulo II começa sua Carta Encíclica, Redemptoris Mater, de 1987, referendando a LG (Cf. Const. dogm. sobre a Igreja , 52; Carta Encíclica Redemptoris Mater, 1).
A iconografia, sobretudo ortodoxa, sempre representou Maria apontando para Cristo e como guia para àquele que é o Verdadeiro Caminho, Verdade por excelência e Vida em abundância (cf. Jo 10,10), vida plena e eterna. Papa São João Paulo II, na sua escreve sobre a devoção Mariana na Igreja Ortodoxa e nas antigas Igrejas Orientais (números 31-34). Escreveu assim João Paulo II, no número 31, dessa Encíclica sobre a Mãe do Redentor: “Desejo realçar, por outro lado, quanto a Igreja católica, a Igreja ortodoxa e as antigas Igrejas orientais se sentem profundamente unidas no amor e louvor à Theotókos. Não só «os dogmas fundamentais da fé cristã acerca da Trindade e do Verbo de Deus, que assumiu a carne da Virgem Maria, foram definidos nos Concílios ecumênicos celebrados no Oriente», (Conc. Ecum. Vat. II, Decreto sobre o Ecumenismo Unitatis redintegratio, 14), mas também no seu culto litúrgico «os Orientais exaltam com hinos esplêndidos Maria sempre Virgem ... e Santíssima Mãe de Deus»(, 15).
E continua assim a encíclica do Papa João Paulo II: “Os irmãos destas Igrejas passaram por vicissitudes complexas; mas a sua história foi sempre animada por um vivo desejo de empenhamento cristão e de irradiação apostólica, embora muitas vezes marcada por perseguições, mesmo cruentas. É uma história de fidelidade ao Senhor, uma autêntica «peregrinação da fé» através dos lugares e dos tempos, nos quais os cristãos orientais sempre se voltaram com ilimitada confiança para a Mãe do Senhor, a celebraram com louvores e a invocaram constantemente com orações. Nos momentos difíceis da sua existência cristã atribulada, «eles refugiaram-se sob a sua proteção», (cf. Lumen Gentium, 66) conscientes de encontrarem nela um poderoso auxílio. As Igrejas que professam a doutrina de Éfeso, proclamam a Virgem Maria «verdadeira Mãe de Deus» - que na Teologia chamamos de Theotókos - por isso mesmo que «Nosso Senhor Jesus Cristo, nascido do Pai antes de todos os séculos segundo a divindade, nos últimos tempos, por nós e para nossa salvação, foi gerado pela Virgem Maria Mãe de Deus segundo a humanidade»[1].
“Os Padres gregos e a tradição bizantina, contemplando a Virgem Santíssima à luz do Verbo feito homem, procuraram penetrar na profundidade daquele vínculo que une Maria, enquanto Mãe de Deus, a Cristo e à Igreja: ela é uma presença permanente em toda a amplidão do mistério salvífico”. As tradições coptas e etiópicas foram introduzidas nessa contemplação do mistério de Maria por São Cirilo de Alexandria; e, por sua vez, celebraram-na com uma abundante florescência poética”. Alguns hinários representam essa exaltação da devoção Mariana. O Weddâsê Mâryâm (Louvores de Maria), que está em continuação com o Saltério etiópico e contém hinos e orações a Maria Santíssima para cada dia da semana. Também o Matshafa Kidâna Mehrat (Livro do Pacto de Misericórdia) ressalta a importância atribuída a Maria na hinologia e na liturgia etiópicas.
O gênio poético de Santo Efrém, o Sírio, denominado «a cítara do Espirito Santo», cantou infatigavelmente a Virgem Maria, deixando um rasto ainda visível em toda a tradição da Igreja siríaca[2]. E continua assim o Papa João Paulo II, na sua encíclica: “No seu panegírico da Theotókos, São Gregório de Narek, uma das mais fúlgidas glórias da Armênia, com vigoroso entusiasmo artístico, riqueza de criação poética, aprofundou os diversos aspectos do mistério da encarnação; e cada um destes aspectos é para ele ocasião de cantar e exaltar a dignidade extraordinária e a beleza esplendorosa da Virgem Maria, Mãe do Verbo Encarnado[3]. Não é para admirar, pois, que Maria tenha um lugar privilegiado no culto das antigas Igrejas orientais, com uma abundância admirável de festas e de hinos”.
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[1] Conc. Ecum. de Calcedónia, Definitio fidei: Conciliorum Oecumenicorum Decreta, Bologna 1973 (3), 86 (DS 301).
[2] Cf. S. Efrém, Hymn. de Nativitate: Scriptores Syri, 82: CSCO, 186.
[3] Cf.. S. Gregório De Narek, Le livre des prières: S. Ch. 78, 160-163; 428-432.
*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
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