A eclesiologia Trinitária da Lumen Gentium
Jackson Erpen - Cidade do Vaticano
Em vista do Jubileu ordinário de 2025, o Dicastério para a Evangelização lançou uma coletânea de 34 pequenos livros sobre o Concílio Vaticano II, com o objetivo de suscitar interesse e para que o evento conciliar se torne atual na vida das pessoas. Coube ao Papa Francisco escrever a introdução, na qual destacou que o Concílio, nas suas 4 grandes Constituições, "marcou um novo desenvolvimento no ensinamento bimilenar da Igreja, permitindo que o futuro pudesse ser iluminado pela profundidade e intensidade deste magistério". "É hora - frisou Francisco - de redescobrir a beleza desse ensinamento, que ainda hoje provoca a fé dos cristãos e os chama a serem mais responsáveis e presentes na oferta da sua própria contribuição para o crescimento de toda a humanidade".
Entre as quatro grandes constituições, está a Constituição Dogmática Lumen Gentium (latim, "Luz dos Gentios), que trata da Igreja em particular no que diz respeito à autocompreensão que tem de si mesma, da sua missão espiritual e da sua organização.
No programa de hoje deste nosso espaço, Pe. Gerson Schmidt* retoma o estudo deste documento aprovado pelo Concílio Vaticano II em 19 de novembro de 1964 e promulgado pelo Papa Paulo VI em 21 de novembro do mesmo ano, falando sobre "A eclesiologia da Lumen Gentium":
"Dentro da Espiritualidade de uma Igreja vista como um Corpo Mítico, dentro de uma pastoral de conjunto, numa eclesiologia de comunhão, queria hoje lembrar novamente um tema já abordado tempos atrás, há mais de anos, nessa memória histórica. Trata-se da Eclesiologia da A eclesiologia da Lumen Gentium foi objeto de inúmeras reflexões e muitos comentários, sobretudo no período pós-conciliar, particularmente em 1985, por ocasião do Sínodo Extraordinário de Roma. Após 60 anos de sua promulgação, se renova essa reflexão e aplicação da eclesiologia da Lumen Gentium[1]. Baseando-me num artigo de do e teólogo Pe. Geraldo borges Harckmann[2], professor da PUC-RS, cito aqui três elementos eclesiológicos presentes nesse importante e rico documento.
O primeiro elemento é a dimensão trinitária. No início de um artigo sobre a Eclesiologia da Lumen Gentium, o então Cardeal Ratzinger conta um episódio interessante, capaz de iluminar a intenção do Vaticano II com essa Constituição Dogmática. O Cardeal Frings contava que o Bispo de Regensburg, Dom Michael Buchberger, organizador do Lexikon für Theologie und Kirche, quando os Bispos da Alemanha discutiam quais deveriam
ser os assuntos a serem abordados durante os trabalhos conciliares, pediu a palavra e disse que o Concílio, antes de tudo, deveria falar de Deus, porque esse era o tema que lhe parecia o mais importante. Os Bispos alemães se sentiram tocados por essa afirmação, e o Cardeal Frings manteve essa preocupação ao longo de todas as Sessões Plenárias do Vaticano II[3].
Uso esse episódio para abordar a eclesiologia da Lumen Gentium. Nessa Constituição Dogmática encontra-se uma nova consciência da Igreja, que supera a autossuficiência de uma Igreja que se entende como fim em si mesma, e se descobre como a Igreja de Deus, que deve ser sacramento de salvação para o mundo. O primeiro capítulo da Lumen Gentium, intitulado O mistério da Igreja, sinaliza uma Igreja trinitária, que se origina do mistério de Deus e deve testemunhá-lo ao mundo. O então teólogo e Cardeal Ratzinger, que se tornaria o falecido Papa Bento XVI, defendia a tese de que o Vaticano II queria claramente inserir o discurso sobre a Igreja no discurso sobre Deus e queria propor, com isso, uma eclesiologia propriamente teológica. Entretanto, a recepção do Concílio esqueceu essa característica qualificante em favor de simples afirmações eclesiológicas, fazendo retroceder o espírito do Vaticano II.
Como a Igreja é a Igreja de Deus, a Ekklesía tou Theou, pode-se afirmá-la como uma Igreja sacramento de salvação (cf. Lumen Gentium 1), porque nela está presente o mistério do desígnio salvífico de Deus para a humanidade, como sinal do amor incondicional de Deus pelas pessoas, por ele criadas como um gesto de benevolência de seu dom. Com isso, uma das características da eclesiologia do Vaticano II é a dimensão trinitária da Igreja, que está clara no primeiro capítulo da Lumen Gentium."
*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
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[1] A título de exemplo, podem citar-se alguns trabalhos: B. KLOPPENBURG, Concílio Vaticano II (5 vol.). Petrópolis: Vozes, 1996; G. PHILIPS, A Igreja no mundo de hoje. Concilium 6 (junho de 1965), p. 5-18; Y. CONGAR, Mon journal du Concile. Paris: Cerf, 2002; G. BARAÚNA, A Igreja do Vaticano II. Petrópolis: Vozes, 1965; A. ANTÓN, Ecclesiologia postconciliare: speranze, risultati e prospettive. In R. LATOURELLE (a cura), Vaticano II: Bilancio e prospettive venticinque anni dopo (1962-1987). Assisi: Cittadella Editrice, 1987, p. 361-388; M. A. DOS SANTOS (Org.), Concílio Vaticano II. 40 anos da Lumen Gentium (Coleção Teologia 27). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005.
[2] Hackmann, Pe. Geraldo Luiz. A IGREJA DA LUMEN GENTIUM E A IGREJA DA GAUDIUM ET SPES Borges FATEO – PUCRS.
[3] J. RATZINGER, L’ecclesiologia della Costituzione Lumen Gentium. In R. FISICHELLA (a cura), Il Concilio Vaticano II. Recezione e attualità alla luce del Giubileo. Cinisello Balsamo: San Paolo, 2000, p. 66. 663
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