I Prega??o da Quaresma 2022 - texto integral
Fr. Raniero Cantalamessa, OFMCap.
A LITURGIA DA PALAVRA
Primeira Pregação, Quaresma de 2022
Entre os vários males que a pandemia da Covid tem causando à humanidade, houve ao menos um efeito positivo do ponto de vista da fé. Ela nos fez tomar consciência da necessidade que temos da Eucaristia e do vazio que cria a sua falta. Durante o período mais agudo da pandemia em 2020, fiquei fortemente impressionado ¨C e comigo, penso que muitos outros ¨C com o que significava assistir pela televisão toda manhã à Santa Missa celebrada pelo Papa Francisco em Santa Marta.
Algumas igrejas locais e nacionais decidiram dedicar o ano corrente a uma catequese especial sobre a Eucaristia, em vista de um desejado renascimento eucarístico na Igreja católica. Parece-me uma decisão oportuna e um exemplo a ser seguido. Por isso, pensei em dar uma pequena colaboração ao projeto, dedicando as reflexões desta Quaresma a uma revisitação do mistério eucarístico.
A Eucaristia está no centro de todo tempo litúrgico, da Quaresma, não menos que nos demais tempos. É o que celebramos cada dia, a Páscoa diária. Cada pequeno progresso na sua compreensão se traduz em um progresso na via espiritual da pessoa e da comunidade eclesial. Contudo, ela é também, infelizmente, a coisa mais exposta, pela sua repetitividade, a cair na rotina, a se tornar coisa habitual. São João Paulo II, na Carta Ecclesia de Eucharistia de abril de 2003, diz que os cristãos devem redescobrir e manter sempre vivo ¡°o estupor eucarístico¡±. Assim, a este fim, gostariam de servir as nossas reflexões: a reencontrar o estupor eucarístico.
Falar da Eucaristia em tempo de pandemia e agora, por acréscimo, com cenas de guerra diante dos olhos, não é um alienarmo-nos da realidade dramática em que vivemos, mas um convite a olhá-la de um ponto de vista superior e menos contingente. A Eucaristia é a presença na história do evento que inverteu para sempre os papéis entre vencedores e vítimas. Na cruz, Cristo fez da vítima o verdadeiro vencedor: ¡°Victor quia victima¡±, assim define Santo Agostinho: vencedor justamente porque vítima. A Eucaristia nos oferece a verdadeira chave de leitura da história. Nos assegura que Jesus está conosco, não apenas intencionalmente, mas realmente neste nosso mundo que parece escapar de nossas mãos a qualquer momento. Ele nos repete: "Tenha coragem: eu venci o mundo!" (Jo 16:33).
A Eucaristia na história da salvação
Que posto ocupa a Eucaristia na história da salvação? A resposta é: não ocupa um lugar, mas a ocupa inteiramente! A Eucaristia é coextensiva à história da salvação. Ela, porém, está presente em três modos diversos, nos três diversos tempos, ou fases, da salvação: está presente no Antigo Testamento como figura; está presente no Novo Testamento como evento e está presente no tempo da Igreja como sacramento. A figura antecipa e prepara o evento, o sacramento ¡°prolonga¡± e atualiza o evento.
No Antigo Testamento, dizia eu, a Eucaristia está presente ¡°em figura¡±. Uma destas figuras era o maná, uma outra era o sacrifício de Melquisedec, uma outra ainda era o sacrifício de Isaac. Na sequência Lauda Sion Salvatorem, composta por Santo Tomás de Aquino para a festa de Corpus Christi, canta-se: ¡°As figuras o simbolizam: é Isaac que se imola, o cordeiro que se destina à Páscoa, o maná dado a nossos pais¡±: In figúris præsignátur, / cum Isaac immolátur: /agnus paschæ deputátur: /datur manna pátribus. Enquanto figuras da Eucaristia, Santo Tomás chama estes ritos de ¡°os sacramentos da antiga Lei¡±[1].
Com a vinda de Cristo e o seu mistério de morte e ressurreição, a Eucaristia não está mais presente como figura, mas como evento, como realidade. Nós o chamamos ¡°evento¡± porque é algo historicamente acontecido, um fato único no tempo e no espaço, ocorrido apenas uma vez (semel) e irrepetível: Cristo, ¡°na plenitude dos tempos, uma vez por todas, se manifestou para destruir o pecado pelo sacrifício de si mesmo¡± (Hb 9,26).
Enfim, no tempo da Igreja, a Eucaristia, eu dizia, está presente como sacramento, isto é, no sinal do pão e do vinho, instituído por Cristo. É importante que compreendamos bem a diferença entre o evento e o sacramento: na prática, a diferença entre a história e a liturgia. Deixemo-nos ajudar por Santo Agostinho.
Nós ¨C afirma o santo doutor ¨C sabemos e cremos com fé certíssima que Cristo morreu uma só vez por nós, ele, justo pelos pecadores, ele, Senhor pelos servos. Sabemos perfeitamente que isso aconteceu uma só vez; e, contudo, o sacramento periodicamente o renova, como se se repetisse várias vezes o que a história proclama ter acontecido uma só vez. E, ainda assim, evento e sacramento não contrastam entre si, quase como se o sacramento fosse enganoso e apenas o evento fosse real. De fato, do que a história afirma ter acontecido na realidade, uma só vez, o sacramento renova (renovat) frequentemente a celebração disso no coração dos fiéis. A história desvela o que aconteceu uma vez e como aconteceu, a liturgia faz com que o passado não seja esquecido; não no sentido de que o faz acontecer de novo (non faciendo), mas no sentido de que o celebra (sed celebrando)[2].
Precisar o nexo que existe entre o sacrifício único da cruz e a Missa é algo bem delicado e tem sido sempre um dos pontos de maior discordância entre católicos e protestantes. Agostinho usa, como vimos, dois verbos: renovar e celebrar, que são justíssimos, com a condição, porém, de serem compreendidos um à luz do outro: a Missa renova o evento da cruz celebrando-o (não reiterando-o!) e o celebra renovando-o (não apenas recordando-o!). A palavra, na qual se realiza hoje o maior consentimento ecumênico, é talvez o verbo (usado também por Paulo VI, na Encíclica Mysterium fidei) representar, compreendido no sentido forte de re-apresentar, isto é, tornar novamente presente[3]. Neste sentido, dizemos que a Eucaristia ¡°representa¡± a cruz.
Segundo a história, houve, portanto, uma só Eucaristia, aquela realizada por Jesus com a sua vida e a sua morte; segundo a liturgia, ao contrário, ou seja, graças ao sacramento, há tantas Eucaristias quantas são celebradas e serão celebradas até o fim do mundo. O evento se realizou uma só vez (semel), o sacramento se realiza ¡°cada vez¡± (quotiescumque). Graças aos sacramento da Eucaristia, nós nos tornamos, misteriosamente, contemporâneos do evento; o evento se faz presente a nós e nós ao evento.
As nossas reflexões quaresmais terão por objeto a Eucaristia em seu estágio presente, isto é, como sacramento. Na Igreja antiga existia uma catequese especial, chamada mistagógica, que era reservada ao bispo e era ministrada depois, não antes, do batismo. O seu objetivo era revelar aos neófitos o significado dos ritos celebrados e as profundezas dos mistérios da fé: batismo, crisma ou unção, e, particularmente, a Eucaristia. O que nos propomos fazer é justamente uma pequena catequese mistagógica sobre a Eucaristia. Para permanecer o mais ancorados possível na natureza sacramental e ritual dela, seguiremos de perto o desenvolvimento da Missa em suas três partes ¨C liturgia da palavra, liturgia eucarística e comunhão ¨C, acrescentando no fim uma reflexão sobre o culto eucarístico fora da Missa.
Liturgia da palavra
Nos primeiríssimos dias da Igreja, a liturgia da Palavra era separada da liturgia eucarística. Os discípulos, referem os Atos dos Apóstolos, ¡°dia após dia, unânimes, frequentavam o templo¡±; aí escutavam a leitura da Bíblia, recitavam os salmos e as orações, junto com os outros judeus; faziam o que se faz na liturgia da Palavra; depois se reuniam à parte, em suas casas, para ¡°partir o pão¡±, isto é, para celebrar a Eucaristia (cf. At 2,46).
Bem cedo, contudo, esta praxe se tornou impossível, seja pela hostilidade da parte das autoridades hebraicas em relação a eles, seja porque as Escrituras tinham então adquirido para eles um sentido novo, orientado todo a Cristo. foi assim que também a escuta da Escritura se transferiu do templo e da sinagoga aos lugares de culto cristãos, assumindo pouco a pouco a fisionomia da atual liturgia da Palavra que precede a oração eucarística. Na descrição da celebração eucarística feita por São Justino no II século, não apenas a liturgia da Palavra é parte integrante dela, mas às leituras do Antigo Testamento se juntaram aquelas que o santo chama ¡°as memórias dos apóstolos¡±, isto é, os Evangelhos e as Cartas, na prática o Novo Testamento[4].
Escutadas na liturgia, as leituras bíblicas assumem um sentido novo e mais forte do que quando lidas em outros contextos. Não têm tanto a finalidade de conhecer melhor a Bíblia, como quando é lida em casa ou em uma escola bíblica, quanto a de reconhecer aquele que se faz presente no partir o pão, de iluminar a cada vez um aspecto particular do mistério que está por se receber. Isto aparece, de modo quase programático, no episódio dos dois discípulos de Emaús. Foi escutando a explicação das Escrituras que o coração dos discípulos começou a se abrir, de modo que foram depois capazes de reconhece-lo ¡°ao partir o pão¡± (Lc 24,1ss.). A de Jesus ressuscitado foi a primeira ¡°liturgia da palavra¡± na história da Igreja!
Segunda característica: na Missa, as palavras e os episódios da Bíblia não são apenas narrados, mas revividos; a memória se torna realidade e presença. O que acontece ¡°naquele tempo¡±, acontece ¡°neste tempo¡±, ¡°hoje¡± (hodie), como ama expressar-se a liturgia. Nós não somos apenas ouvintes da palavra, mas interlocutores e atores nela. É a nós, ali presentes, que é dirigida a palavra; somos chamados a assumir o lugar dos personagens evocados.
Alguns exemplos ajudarão a entender. Uma vez se lê, na primeira leitura, o episódio de Deus que fala a Moisés da sarça ardente: nós estamos, na Missa, diante da verdadeira sarça ardente... Uma outra vez, fala-se de Isaías que recebe nos lábios a brasa ardente que o purifica para a missão: nós estamos prestes a receber nos lábios a verdadeira brasa ardente, o fogo que Jesus veio trazer sobre a terra... Ezequiel é enviado para comer o rolo dos oráculos proféticos: nós nos aproximamos para comer aquele que é a própria palavra feita carne e feita pão.
A coisa se torna ainda mais clara se, do Antigo Testamento, passamos ao Novo, da primeira leitura ao trecho evangélico. A mulher que sofria de hemorragia está certa de ser curada se conseguir tocar a barra do manto de Jesus: o que dizer de nós, que estamos prestes a tocar bem mais do que a barra do seu manto? Uma vez, escutava no Evangelho o episódio de Zaqueu e fui tocado pela ¡°atualidade¡±. Eu era Zaqueu; eram dirigidas a mim as palavras: ¡°Hoje eu devo ficar na tua casa¡±; era de mim que se podia dizer: ¡°Ele foi hospedar-se na casa de um pecador!¡±, e era a mim, após tê-lo recebido na comunhão, que Jesus dizia: ¡°Hoje a salvação entrou nesta casa¡± (cf. Lc 19,9).
Assim também de cada episódio evangélico. Como não se identificar na Missa com o paralítico ao qual Jesus diz: ¡°Os teus pecados estão perdoados¡± e ¡°Levanta-te e anda¡± (cf. Mc 2,5.11); com Simeão, que segura nos braços o Menino Jesus (cf. Lc 2, 27-28); com Tomé, que toca as suas feridas (Jo 20,27-28)? No segundo domingo do Tempo Comum do corrente ciclo litúrgico, há o trecho evangélico em que Jesus diz ao homem da mão paralisada: ¡°¡®Estende a mão¡¯. Ele a estendeu e a mão ficou curada¡± (Mc 3,5). Nós não temos a mão paralisada; porém, temos todos, quem mais e quem menos, a alma paralisada, o coração ressecado. É a quem escuta que Jesus diz naquele momento: ¡°Estende a tua mão! Estende o teu coração diante de mi, com a fé e a prontidão daquele homem¡±.
A Escritura proclamada durante a liturgia produz efeitos que estão acima de toda explicação humana, à maneira dos sacramentos que produzem o que significam. Os textos divinamente inspirados também têm um poder de cura. Após a leitura do trecho evangélico na Missa, a liturgia convida o ministro a beijar o livro dizendo: ¡°Pelas palavras do santo Evangelho sejam perdoados os nossos pecados¡± (Per evangelica dicta deleantur nostra delicta).
Ao longo da história da Igreja, eventos de época aconteceram como resultado da escuta das leituras bíblicas durante a Missa. Um jovem ouviu um dia o trecho evangélico em que Jesus diz a um jovem rico: ¡°Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois vem, e segue-me¡± (cf. Mt 19,21). Entendeu que aquela palavra era dirigida a ele pessoalmente, por isso, foi para casa, vendeu tudo o que tinha e se retirou no deserto. Seu nome era Antão, o iniciador do monaquismo. Muitos séculos depois, em Assis, um outro jovem, há pouco convertido, entrou em uma igreja com um amigo. No Evangelho do dia, Jesus dizia aos seus discípulos: ¡°Não leveis nada pelo caminho: nem cajado, nem sacola, nem pão, nem dinheiro, nem duas túnicas¡± (Lc 9,3). O jovem se voltou ao seu amigo e disse: ¡°Ouviste isso? É isso que o Senhor que façamos também nós¡±. E iniciou daí a ordem franciscana.
A liturgia da Palavra é a melhor fonte que temos para fazer cada vez, da Missa, uma celebração nova e atraente, evitando assim o grande perigo de uma repetição monótona que, especialmente os jovens, acham entediante. Para que isto se realize, devemos investir mais tempo e oração na preparação da homilia. Os fiéis deveriam poder entender que a palavra de Deus toca as situações reais da vida e é a única a ter respostas às questões mais sérias da existência.
Há dois modos de preparar uma homilia. Alguém pode se sentar à escrivaninha e escolher o tema em base às próprias experiências e conhecimentos; assim, uma vez preparado o texto, pôr-se de joelhos e pedir a Deus para que infunda o Espírito nas próprias palavras. É algo bom, mas não é um modo profético. Para sermos proféticos, é preciso seguir a via inversa: antes, pôr-se de joelhos e perguntar a Deus qual é a palavra que ele quer fazer ressoar para seu povo
Deus, de fato, tem uma sua palavra para cada ocasião e não deixa de revelá-la ao seu ministro que a pedir humildemente e com insistência. No início, não se tratará mais do que um pequeno movimento do coração, uma luz que se acende na mente, uma palavra da Escritura que chama a atenção e que lança luz sobre uma situação vivida. Trata-se, aparentemente, de uma pequena semente, mas contém o que o povo precisa escutar naquele momento.
Depois disso, alguém pode se sentar à escrivaninha, abrir os próprios livros, consultar anotações, reunir e organizar os próprios pensamentos, consultar os Padres da Igreja, os mestres, às vezes, os poetas; mas agora, não é mais a palavra de Deus que está à serviço da sua cultura, mas a sua cultura a serviço da palavra de Deus. Só assim a Palavra manifesta o seu poder intrínseco.
A obra do Espírito Santo
Mas é preciso acrescentar uma cosa: toda a atenção dada à palavra de Deus, por si só, não basta. Sobre ela deve descer ¡°a força do alto¡±. Na Eucaristia, a ação do Espírito Santo não é limitada apenas ao momento da consagração, à epiclese que se recita antes dela A sua presença é igualmente indispensável para a liturgia da palavra, e veremos, a seu tempo, para a comunhão.
O Espírito Santo continua, na Igreja, a ação do Ressuscitado que, após a Páscoa, ¡°abria a inteligência dos discípulos para entenderem as Escrituras¡± (cf. Lc 24,45). A escritura, afirma a Dei Verbum, do Concílio Vaticano II, ¡°deve ser lida e interpretada com o mesmo espírito com que foi escrita¡±[5]. Na liturgia da palavra, a ação do Espírito Santo é exercida mediante a unção espiritual presente em quem fala e em quem escuta.
¡°O Espírito do Senhor está sobre mim,
porque ele me consagrou com a unção
para anunciar a Boa-nova aos pobres¡± (Lc 4,18).
Jesus indicou assim de onde tira força a palavra anunciada. Seria um erro confiar-se apenas na unção sacramental que recebemos uma vez por todas na ordenação sacerdotal ou episcopal. Ela nos habilita a cumprir certas ações sagradas, como governar, pregar e ministrar os sacramentos. Ela nos dá, por assim dizer, a autorização para fazer certas coisas, não necessariamente algo da autoridade que as multidões percebiam quando Jesus falava; assegura a sucessão apostólica, não necessariamente o sucesso apostólico!
Mas se a unção é dada pela presença do Espírito e é seu dom, o que podemos fazer para tê-la? Primeiramente, devemos partir de uma certeza: ¡°Nós recebemos a unção do Santo¡±, assegura-nos São João (1Jo 2,20). Ou seja, graças ao batismo e à crisma ¨C e, para alguns, à ordenação presbiteral ou episcopal ¨C, nós já possuímos a unção. Na verdade, segundo a doutrina católica, ela imprimiu em nossa alma um caráter indelével, como uma marca ou um selo: ¡°É Deus ¨C escreve o Apóstolo ¨C que nos confirma juntamente convosco, em Cristo, como também é Deus que nos ungiu, nos marcou com seu selo e deu-nos, em nossos corações, a garantia Espírito¡± (2Cor 1,21-22).
Esta unção, porém, é como um unguento perfumado fechado em um vaso: permanece inerte e não libera nenhum perfume se não se quebrar e não se abrir o vaso. Assim acontece com o caso de alabastro quebrado pela mulher do evangelho, cujo perfume encheu a casa inteira (Mc 14,3). Aí está onde se insere a nossa parte em relação à unção. Ela não depende de nós, mas depende de nós remover os obstáculos que impedem sua irradiação. Não é difícil entender o que significa para nós quebrar o vaso de alabastro. O vaso é a nossa humanidade, o nosso eu, às vezes, o nosso árido intelectualismo. Quebrá-lo, significa pôr-se em estado de submissão a Deus e de resistência ao mundo.
Felizmente, nem tudo é confiado ao esforço ascético. Muito mais, nesse caso, a fé, a oração, a humilde súplica. Pedir, assim, a unção antes de nos dirigirmos a uma pregação ou a uma ação importante a serviço do Reino. Enquanto nos preparamos à leitura do evangelho e à homilia, a liturgia nos faz pedir ao Senhor para purificar o nosso coração e os nossos lábios para poder anunciar dignamente o evangelho. Por que não dizer, vez ou outra (ou ao menos pensar para si mesmo): ¡°Ó Deus todo-poderoso, ungi-me o coração e os lábios, para que eu anuncie com a doçura e a força do Espírito a vossa palavra¡±?
A unção não é necessária apenas aos pregadores para proclamar eficazmente a palavra, também o é aos ouvintes para acolhê-la. O evangelista João escrevia à sua comunidade: ¡°Vós já recebestes a unção do Santo e todos tendes conhecimento... a unção que recebestes da parte de Jesus permanece convosco e não tendes necessidade de que alguém vos ensine¡± (1Jo 2,20.27). Não significa que todo ensinamento seja inútil. Por que, então, João escreve a sua carta e nós lhes pregamos?, comenta Agostinho, e responde: ¡°É o mestre interior quem realmente instrui, é Cristo e a sua inspiração a instruir. Quando falta a sua inspiração e a sua unção, as palavras externas fazem apenas um inútil ruído¡±[6].
Esperamos que também hoje Cristo nos tenha instruído com sua inspiração interior e o meu falar não tenha sido ¡°um inútil ruído¡±.
Tradução de fr. Ricardo Farias, ofmcap
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[1] Tomás de Aquino, S.Th., III, q.60, a. 2,2.
[2] Cf. Agostinho, Sermo 112 (PL 38, 643).
[3] Paulo VI, Mysterium fidei (AAS 57, 1965, p. 753ss).
[4] Justino, I Apologia, 67,3-4
[5] Dei Verbum, 12.
[6] Cf. Agostinho, Comentário à Primeira Epístola de João, 3,13.
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