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Dom Peña Parra: devemos recuperar a lógica da escuta

“A experiência da fé é sempre uma experiência de se fazer ao largo, ousar, abrir, e não fechar nem fechar-se. Uma Igreja que se abre, não significa uma Igreja que se rende à mentalidade do mundo, mas uma Igreja que retoma a sua vocação primordial de ser fermento, sal, luz”, disse esta sexta-feira (18/02) o substituto da Secretaria de Estado, dom Edgar Peña Parra, na cidade do Porto, em Portugal, ao proferir uma Conferência sobre “A Igreja e o futuro do mundo na pós-pandemia”

Raimundo de Lima - Pope

“O tempo que estamos vivendo é um tempo marcado pela pandemia do coronavírus, um tempo que, no dizer do Papa Francisco, ‘ha fatto saltare il tavolo – baralhou o jogo’, ou seja, pôs em questão os nossos programas, as nossas análises, as nossas prioridades, e fez-nos perceber que o modelo de Igreja e de anúncio a que estávamos habituados precisa de ser repensado justamente a partir daquilo que aconteceu. Por isso mesmo, devemos recuperar a lógica da escuta.”

Foi o que disse o substituto da Secretaria de Estado, dom Edgar Peña Parra, na cidade do Porto, em Portugal, na noite desta sexta-feira, 18 de fevereiro, ao proferir no Auditório da  “Casa de Vilar” uma conferência sobre “A Igreja e o futuro do mundo na pós-pandemia”.

O arcebispo venezuelano afirmou ainda no início de sua exposição que o processo sinodal, que o Papa Francisco tanto tem almejado e incentivado nos últimos meses e que verá a Igreja empenhada nos próximos anos, podemos defini-lo como uma ampla educação para nos pormos à escuta não só dos outros e da própria realidade, mas também e sobretudo de Deus, que nos fala precisamente através do irmão, da irmã e dos acontecimentos que vivemos. “A lógica da escuta é a lógica de quem renuncia aos preconceitos para deixar que a realidade, com as suas luzes e sombras, possa voltar a surpreender-nos”, enfatizou.

Contribuição que os cristãos devem prestar ao mundo ferido 

Lançando seu olhar para a realidade dos nossos dias, o substituto da Secretaria de Estado afirmou que a primeira grande contribuição que, nós cristãos, devemos prestar ao mundo ferido pela pandemia do coronavírus é a de não nos deixarmos levar por um pessimismo generalizado que vê o mal em toda a parte e olha para a realidade sem qualquer esperança.

“Só assim se consegue entender a insistência do Papa Francisco no tema do diálogo. Não se trata simplesmente duma lógica estratégica de convivência, nem apenas de chegar a um compromisso para se obter o fim do conflito. Só é possível dialogar, se se estiver convencido da presença de Deus em toda parte, da sua presença em toda a experiência autenticamente humana, embora nem sempre de forma palpável. É precisamente através do diálogo, da relação, da amizade que se consegue descobrir este bem escondido por todo o lado.”

Antes de ater-se sobre alguns desafios do Magistério do Papa Francisco, o arcebispo enfatizou ainda que “a experiência da fé é sempre uma experiência de se fazer ao largo, ousar, abrir, e não fechar nem fechar-se. Uma Igreja que se abre, não significa uma Igreja que se rende à mentalidade do mundo, mas uma Igreja que retoma a sua vocação primordial de ser fermento, sal, luz”.

Mas quais são os desafios que a Igreja deve levar a sério neste momento histórico? Quais são os desafios que o Magistério do Papa Francisco tem claramente indicado? – perguntou dom Peña Parra. “Gostaria de vos propor pelo menos três: as relações, a misericórdia e a oração. Haverá muitos mais desafios certamente, mas escolhi partilhar convosco estes três por julgar que os mesmos resumem de maneira significativa todo o Magistério do Papa Francisco”, frisou.

As relações

Ao longo destes anos, disse, o Papa Francisco tem-nos recordado como todo o método do Evangelho se encerra nas relações humanas. Tudo o que diz respeito à vida de Cristo parece impregnado de amizade. “Os Evangelhos aparecem permeados sobretudo de relacionamentos e relações, como se nos quisessem recordar que a boa nova do Evangelho é incompreensível sem as relações, e que o Evangelho não se reduz a uma ideia genial sobre o mundo, nem – pior ainda – a uma moral que atue como barreira aos excessos do homem e do mundo.”

Uma Igreja é digna deste nome, observou, quando sabe construir relações significativas. “Uma Igreja atua como sacramento universal de salvação, não quando fornece programas, análises, perspetivas ou propostas, mas quando sabe oferecer pessoas concretas.” A Igreja é “sacramento universal de salvação”, quando sabe oferecer relacionamentos e relações, acrescentou.

Dom Peña Parra observou que uma Igreja em saída não é uma Igreja vazia, mas uma Igreja aberta, uma Igreja onde se possa entrar e fazer uma experiência concreta do amor de Deus.

A condição justa para se poder encontrar Cristo é simplesmente possuir o desejo de procurar e achar um motivo pelo qual a nossa vida possa valer a pena. “Quem encontra Cristo, encontra esta salvação; e uma Igreja que é capaz de armar a sua tenda no meio dos homens, pode oferecer ao mundo esta salvação, porque oferece Cristo e oferece-O de dois modos: primeiro, com as relações, como ficou dito; segundo, com os Sacramentos e a Palavra de Deus.” “O terceiro aspeto deste primeiro desafio, encontramo-lo precisamente na experiência da proximidade. Constroem-se relações, quando se sabe viver a proximidade sobretudo com os últimos, com os mais esquecidos.”

A partir justamente da proximidade, ressaltou, entramos no segundo desafio que o Papa Francisco lançou no seu Magistério: o desafio da misericórdia.

Misericórdia

“Nos últimos anos, ouvimo-lo falar com muita frequência da misericórdia; mas também aqui, como já dissemos no tema das relações, o Papa Francisco limitou-se a trazer à luz algo que se encontra já de forma evidente em todo o Evangelho. Se é verdade que o Evangelho está permeado pela amizade, de igual forma o atravessa a experiência da misericórdia”, frisou.

“Que é a misericórdia? É a experiência de se saber amado na própria miséria. Deus salva o homem precisamente através dum tal amor, isto é, oferece a cada homem a experiência de saber-se amado não só na sua parte vencedora, mas também e sobretudo na sua parte mais frágil, mais débil. E é justamente a partir deste amor na nossa miséria que experimentamos a salvação.”

“A experiência da misericórdia é sempre revolucionária”, observou. Jesus passou a maior parte da sua vida pública à procura das pessoas que sentiam maior dificuldade, dos mais miseráveis, concretamente daqueles que experimentavam uma carência a nível físico, psíquico, espiritual, afetivo, social; e a tais pessoas anunciou a proximidade do Reino. “Por isso - prosseguiu - a experiência da misericórdia não se reduz à dimensão de se deixar amar e perdoar por Deus, mas requer ao mesmo tempo a componente de transformar a nossa ação pastoral e a nossa ação evangelizadora segundo os moldes da misericórdia.”

Várias vezes nos recordou o Papa Francisco que não tem sentido oferecer uma teologia e uma moral rígidas exprimindo simplesmente uma verdade insuportável para o homem. “Precisamos de ouvir uma teologia e uma moral que possam salvar a Verdade e, ao mesmo tempo, salvar o homem e a mulher a que ela se refere”, disse com veemência dom Peña Parra.

Por fim, o substituto da Secretaria de Estado partilhou com os presentes o terceiro e último desafio, o da oração.

Oração

“Não se trata simplesmente da oração entendida como rito; é oração vista como discernimento”, especificou. Entender a oração significa compreender que também ela, para ser cristã, deve exprimir uma relação, e a relação com Deus tem sempre como objetivo fazer-nos discernir a sua Vontade. “Penso que o Papa Francisco imprimiu ao seu pontificado uma forte identidade de jesuíta. E justamente o fundador dos jesuítas, Santo Inácio, tinha a peito sobretudo o grande tema do discernimento, da vida espiritual, da oração”, disse.

“É bom pensar que, enquanto muitas vezes nos afanamos por encontrar modalidades e respostas para os problemas do mundo, o Evangelho – e o Papa que lhe faz eco – diz-nos que, com muita frequência, as respostas objeto da nossa busca encontramo-las sobretudo na oração, na escuta orante da Palavra, na experiência da vida espiritual.”

O arcebispo venezuelano disse ainda que “a oração é o lugar da escuta, o lugar onde o Espírito nos faz tirar proveito das crises, das dúvidas e, por isso mesmo, nos conduz rumo àquela resposta que é o próprio Jesus e que continua a falar no coração, na consciência e no sentir da Igreja”.

O tempo atual, caraterizado também pelo caminho sinodal, é antes de mais nada um tempo de escuta de Deus que passa precisamente através da experiência da comunidade, disse por fim dom Peña Parra, lembrando o “que um cristão nunca deveria esquecer: o Evangelho só é credível, se for anunciado por pessoas que se amam e dão a vida umas pelas outras (Jo 13, 34)”.

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18 fevereiro 2022, 22:30