O PontifÃcio Conselho para a Cultura
Alessandro De Carolis - Cidade do Vaticano
Este é um Dicastério-ponte que liga duas margens: a do cristianismo e a da laicidade, onde a cultura, entendida no sentido mais amplo, é o caminho que liga as duas margens, o lugar, mas também o “pátio†do encontro. Próximo dos seus 40 anos de vida, - além dos mais de 17 anos de "gestação" como Secretariado para os Não-Crentes, - o Pontifício Conselho para a Cultura estabeleceu, ao longo dos anos, uma densa rede de contatos e colaborações com Organismos internacionais, mantendo uma presença constante em grandes eventos - Expo, Bienais, Feiras do Livro – e até mesmo promovendo-os, como o Pátio dos Gentios. A sua missão serve-se do orçamento total de 21 milhões, concedidos, este ano, para cerca de trinta instituições do Vaticano. Trata-se também de uma missão - explica seu Presidente, Cardeal Gianfranco Ravasi - que se difere entre as mais tradicionais dos outros Dicastérios.
O Pontifício Conselho que o senhor preside - na esteira do Secretariado para os Não-Crentes, instituído por Paulo VI, em 1965, para reunir a herança do Concílio Vaticano II - dá vida a um diálogo aberto e criativo com o diversificado mundo da cultura contemporânea. Quais são seus estilos e objetivos?
O Secretariado para os Não-Crentes completava a série de organismos de diálogo vaticanos, com os quais Paulo VI queria, idealmente, abraçar toda a humanidade: as Igrejas e as Comunidades cristãs, os fiéis de outras religiões e, por fim, todas as pessoas de boa vontade, que dizem não pertencer a uma religião particular. No entanto, no contexto da Guerra Fria, o diálogo com os Não- Crentes foi, muitas vezes, fortemente condicionado pela presença de regimes, onde prevalecia uma concepção materialista. Logo, o Secretariado foi obrigado a se orientar para a cultura, como âmbito de diálogo com os não crentes. João Paulo II, eleito em 1978, trouxe consigo o interesse pela antropologia e a cultura. Por isso, fundou o Pontifício Conselho para a Cultura, em 1982. Depois da queda do Muro de Berlim, o Secretariado para os não crentes foi absorvido pelo Pontifício Conselho para a Cultura, cujo objetivo era propor a mensagem do Evangelho à cultura e às culturas e promover a inculturação do Evangelho nas sociedades do nosso tempo, inclusive as secularizadas, de modo que a mensagem cristã, expressa de forma qualificada, pudesse ser compreensível e significativa. O estilo sempre foi o do diálogo, representado pela imagem de uma ponte ideal, que interliga as duas margens, tanto para fazer ouvir a voz da Igreja e da cristandade nos ambientes da cultura, quanto para fazer chegar ao coração da Igreja a voz da contemporaneidade em sua multiplicidade variegada.
O encontro entre o Evangelho e as culturas favorece relações de amizade e colaboração com representantes da ciência, literatura, de todas as artes e esporte, acolhidos como companheiros de viagem e autênticos pesquisadores do que é verdadeiro, bom e belo. Qual o sentido dessas experiências, em uma época fortemente marcada pelo secularismo e a indiferença religiosa?
“Nas últimas décadas, o Conselho conseguiu tecer uma rede de contatos, principalmente com instituições "leigas" e não católicas, que nos permitem a realização de muitas iniciativas com diferentes perfis. Isso é possível porque a nossa presença não se coloca como uma realidade vinda do alto ou separada. Pelo contrário, é uma espécie de contiguidade, com identidade própria, que caminha lado a lado com os homens e mulheres contemporâneos, compartilhando seus interrogativos e expectativas, alegrias e esperanças, sofrimentos e angústias. Trata-se de uma presença discreta, mas incisiva. Pensemos, por exemplo, no significado do pavilhão da Santa Sé em uma Expo, como a de Milão, em 2015 ou a da horticultura em Pequim, em 2019, ou a atual de Dubai. Os pavilhões da Santa Sé sempre foram um dos mais visitados, apesar das suas pequenas dimensões e por não serem distribuídos folders ou produtos típicos. A mesma coisa pode ser dita dos Pavilhões da Santa Sé na Bienal de Veneza, tanto na Arte como na Arquitetura, com um resultado extraordinariamente eficaz, até em nível popular, como aconteceu com as dez capelas de arquitetos famosos de diferentes nações, estilos e crenças, na ilha de São Jorge em Veneza. As pesquisas realizadas na área da tecnologia, ciência e cultura digital também são de grande impacto. Em ambientes altamente secularizados também é possível abrir uma janela para o transcendente, mediante a arte, ciência, reflexão. Este enfoque não substitui a evangelização direta, mas prepara um terreno fértil para o diálogo e o confronto, com serenidade, sem rigidez ou controversas pré-concebidas e radicaisâ€.
A elaboração cultural e a administração econômica parecem duas esferas aparentemente distantes ou até irreconciliáveis. Quais os critérios para dirigir as atividades do Dicastério e como o “balanço patrimonial†e o “balanço de missão†podem ser realizados pari passu?
Ao contrário de outros Dicastérios da Santa Sé, que têm funções estritamente pastorais, administrativas e legislativas, cujas atividades são orientadas ao âmbito eclesial interno, o Conselho é um daqueles organismos que se projetam para o externo, ad extra. A sua atividade desenvolve-se em múltiplas iniciativas, cuja maioria é realizada em colaboração com outros órgãos e instituições, vez por outra de matriz "leiga". Logo, a criatividade expressa pelo nosso Dicastério é acompanhada pela busca de parceiros e patrocinadores, também em âmbito econômico-financeiro, de modo rigoroso, transparente e sóbrio. Graças a essas parcerias, o Dicastério pode realizar muitas iniciativas, na maioria dos casos, sem onerar a administração da Santa Sé. Neste sentido, é muito importante o compromisso com a cultura digital e suas aplicações, como algumas questões científicas, genética, neurociência e inteligência artificial, mediante conferências internacionais, cujo apoio organizacional e econômico é, quase sempre, dado por instituições externas, que colaboram com o Dicastério.
O "Pátio dos Gentios", iniciativa do Pontifício Conselho para favorecer o encontro e o diálogo entre os crentes e os não crentes, celebra o seu décimo aniversário. Quais os resultados alcançados até hoje e quais as perspectivas futuras em relação aos grandes desafios da sociedade contemporânea?
A iniciativa do Pátio dos Gentios partiu de Bento XVI durante um famoso discurso à Cúria Romana, por ocasião do Natal de 2009. Esta intuição de Bento XVI foi acolhida como uma orientação para o nosso Dicastério, que, como disse, já tinha a tarefa de dialogar com os não crentes, dando-lhe um renovado impulso. Desde então, o “Pátio†transformou-se em uma Fundação, que mantém vivo o seu espírito, por meio de inúmeras iniciativas de diálogo. Dezenas e dezenas de "pátios", realizados ou em programação, são entrelaçados por diálogos, acontecimentos e obras sobre grandes temas existenciais ou culturais: da economia à política, da diplomacia à ciência, das prisões à justiça, da moda ao jornalismo e assim por diante. Alguns eventos são de alto nível, sobretudo no campo científico e filosófico; outros são mais populares e se realizam em muitas capitais de vários continentes. Esta estrutura do Dicastério é a que mais realiza, de modo absoluto, o maior número de contatos com um horizonte “distanteâ€, através de uma incessante criatividade e multíplices compromissos. A nossa estrutura serve-se também de um Conselho Científico, composto de personalidades de alto relevo, nos diversos campos da ciência e da tecnologia, que elabora uma produção impressionante de eventos e textos de análise e pesquisa sociocultural.
As celebrações do 700º aniversário da morte de Dante Alighieri são uma ocasião importante para redescobrir a universalidade de uma mensagem, que ainda desafia o mundo da cultura, também não católica. Afinal, a figura de Dante é realmente atual e o que ele ainda tem a dizer aos homens do nosso tempo?
A figura de Dante é universal; é o emblema supremo do entrelaçamento entre fé e arte, entre teologia, poesia e história, no espírito da via pulchritudinis. A beleza, de fato, é a terceira categoria cultural principal, além do verdadeiro e do bem. O Dicastério tem um ‘Comitê Dantesco’, que organizou uma série de eventos ligados ao VII Centenário de morte do Poeta e à Carta Apostólica Candor lucis aeternae: serão relevantes, por exemplo, um percurso, com leituras de textos de Dante por famosos atores, nas catacumbas de São Calisto, e um Congresso internacional sobre a escatologia da Divina Comédia, além de várias intervenções nas celebrações oficiais de Dante.
Seu Dicastério conta com a colaboração de um Conselho Feminino, composto por altas personalidades - não só católicas - mas também de um Conselho Juvenil. Quais "intercâmbios" estão sendo feitos por estas duas ativas realidades?
O Conselho Feminino, instituído por primeiro, nasceu pela constatação de que no nosso Dicastério, mais também, em geral, na Cúria Romana, não há muitas vozes femininas qualificadas, que possam oferecer seu ponto de vista sobre as questões concernentes ao nosso compromisso. Não se trata, porém, de uma estrutura que se dedica a questões femininas, mas que busca um ponto de vista feminino sobre todo a nossa obra. O Conselho Juvenil, mais recente, começou com uma premissa semelhante: não se trata de uma comissão de peritos, para ditar diretrizes ou fazer análises sobre a geração jovem. Pelo contrário, é um convite dirigido a um grupo de jovens, de várias proveniências, crentes ou não, para oferecer seu ponto de vista, embora ainda imperfeito ou em formação, mas criativo e original, sobre as grandes questões existenciais, que constituem o núcleo mais íntimo de toda experiência humana: o mistério da vida e da morte, no sentido de existência, beleza, trabalho, amor e amizade e assim por diante. Trata-se também de um meio para compreender, pessoalmente, as culturas juvenis e suas sensibilidades, por exemplo, no campo da música. Nem sempre é fácil dirigir estes organismos, mas é um risco positivo, se quisermos, realmente, obter uma avaliação e confirmação, externa e livre, sobre nossas atividades.
A cultura abrange também o esporte, cuja linguagem, hoje, talvez, esteja entre as mais universais e compartilhadas. No âmbito do Pontifício Conselho, está se desenvolvendo também a ‘Athletica Vaticana’, nascida, recentemente, com a finalidade de promover uma autêntica cultura esportiva como "ponte" de paz e colaboração entre os homens. O senhor poderia fazer uma avaliação desta experiência e falar das suas perspectivas futuras?
O esporte é um dos fenômenos mais característicos da nossa cultura. Os maiores eventos esportivos podem ser comparados a grandes rituais ou quase liturgias, em torno das quais as multidões se aglomeram para experimentar uma espécie de gratuidade coral festiva. O esporte também é fonte de modelos épicos e inspiradores para a sociedade. Por isso, era preciso uma abordagem, não só pastoral, mas também cultural e ética do fenômeno esportivo, que se traduziu em numerosas iniciativas e se serviu de relações com instituições esportivas internacionais. Logo, a Athletica Vaticana nasceu sob os auspícios do nosso Dicastério, embora seja, hoje, uma realidade independente. Trata-se do primeiro clube desportivo estritamente vaticano, não para ganhar medalhas e troféus esportivos, mas para apresentar, concreta e simplesmente, alguns valores e estilos de vida desta minúscula realidade que é o Vaticano, que, através da voz do Papa, adquire um significado universal. Esta pequena realidade foi acolhida com extraordinária simpatia, sinal da necessidade de novas formas de praticar esporte, com maior atenção aos valores e à dimensão educativa, cultural e espiritual, diante da dimensão econômica e lucrativa, combatendo também as degenerações, que se aninham no mundo do esporte.
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