Contos espontâneos de um renascimento a partir do trabalho da terra
Giada Aquilino – Pope
Uma horta que nasceu da ideia de um detento do cárcere de Ragusa, ao sul da Itália, Bruno, que depois de receber de presente sementes de "tenerezze", a abobrinha longa típica da Sicília chamada “tinniruma†em dialeto, traz à mente os ensinamentos de seu pai agricultor e pede para plantá-las nos terrenos da prisão. Essas sementes foram doadas a ele, com a autorização das autoridades penitenciárias, pela Associação "", cujo nome, com um acento a mais, pretende indicar o ecletismo da cômicoterapia que os assistentes sociais realizam desde 2007 em hospitais, oncologia e pediatria, com deficientes, idosos e em missões humanitárias, realizando projetos educacionais também em escolas e centros recreativos.
"Desde abril do ano passado, com a pandemia, iniciamos um projeto em Ragusa para fazer máscaras para a comunidade para serem doadas a hospitais e centros para deficientes, envolvendo também a prisão local", conta ao Pope Fabio Ferrito, assistente social especializado em artes expressivas e performáticas, além e presidente da Associação "Ci Ridiamo Sù". Com a ajuda do colega Alessandro Vitrano e outros colaboradores, "presenteamos uma máquina de costura aos 180 detentos da penitenciária, juntamente com material útil para a produção". Cerca de mil máscaras foram produzidas e, para agradecer aos detentos pelo empenho, demos a eles sementes de ‘tinniruma’, um sinal de delicadeza como a que eles tiveram na produção das máscaras".
“Libere Tenerezze - Laudato si’â€
O resto veio por si: com a ajuda de Bruno, em alguns terrenos da prisão que não tinham sido utilizados até então, "as sementes foram plantadas como um jogo e nasceu uma horta destas ‘tenerezze’, destas abobrinhasâ€, explica Ferrito: “estamos falando de quase 100 plantas. Depois, de acordo com a diretora do instituto penitenciário masculino, Giovanna Maltese, sugerimos plantar mais vegetação, incluindo árvores e, com a ajuda de patrocinadores, conseguimos chegar a 1500 plantas. A partir daí, entendemos que uma horta poderia ser criada e o projeto começou, tomou o nome de 'Libere Tenerezze', dando mais tarde à horta o nome da encíclica do Papa Francisco 2015".
O objetivo, acrescenta o presidente da "Ci Ridiamo Sù", continua sendo o de dar aos detentos a possibilidade de "se expressar, de poder sair da sensação de isolamento, da frustração, das tensões pessoais e coletivas. Nós o definimos de ‘horta humorística’, porque a nossa conotação é a de sermos operadores palhaços com o objetivo de fomentar novos modos relacionais baseados no intercâmbio, no confronto, na abertura à comunidade, dando também a essas pessoas a oportunidade de adquirir habilidades profissionais": lá na prisão, mais do que em qualquer outro lugar, não esquecemos que "o trabalho é uma necessidade, faz parte do sentido da vida nesta terra, um modo de amadurecimento, de desenvolvimento humano e de realização pessoal", como evidencia o Pontífice em Laudato si" (128).
Durante a pandemia, "toda a atividade do projeto" também parou, observa a assistente social. "Os contatos externos dos detentos, especialmente com suas famílias, foram cancelados, o único momento de agregação foi a missa dominical", celebrada pelo capelão, Padre Carmelo Mollica.
Legumes, frutas e música quântica
O projeto da horta evoluiu com o tempo, assumindo uma conotação muito particular: "com a ajuda de um agrônomo, Alessandro Scrofani, previmos o uso de probióticos e técnicas agrícolas biodinâmicas, visando uma horta que garanta a qualidade dos produtos e o respeito à terra. Na Laudato si’â€, aponta Ferrito, “refletimos sobre nós mesmos: a nossa é uma horta de ciclo fechado porque utiliza restos de cozinha, resíduos orgânicos do solo, não são utilizados produtos químicos ou fungicidas ou antibióticos, mas tudo é feito através de um recipiente de compostagem a fim de evitar a dispersão de minerais agressivos no solo, que podem ser fontes de poluição das águas subterrâneas. Também utilizamos macerados de urtiga, alho, fertilizantes orgânicos, esterco, que permitem estabilizar o cultivo, evitando a agressão de bactérias ou fungos.
Em pouco mais de um ano, nas três parcelas de terra concedidas pelas autoridades da prisão, são cultivados vegetais sazonais, desde tomates até saladas, berinjelas e funcho. No maior dos três, em 2.500 metros quadrados, "uma experiência foi iniciada, com leguminosas, alcachofras, plantas tropicais e subtropicais, tais como manga, mamão, abacate, assim como kiwi e groselhaâ€. Motivo de orgulho para a associação e para os prisioneiros é também a criação de uma estufa "para morangos, com cultivo hidropônico, com uso de música quântica: observou-se que certas frequências têm uma influência positiva na saúde das plantas, facilitando a germinação, o crescimento, maior resistência a agentes patógenos. É uma iniciativa muito fascinante também para os jovens, pois lhes envia uma mensagem de equilíbrio entre o homem e a natureza. E entre outras coisas estão adquirindo um nível muito alto de competência que também pode ser usado mais tarde, para um momento de requalificação pessoal", com o objetivo de oferecer-lhes "uma vida digna através do trabalho" (128).
A relação com o outro
No mundo da agricultura não falta trabalho, mas também há uma necessidade de conhecimento profundo e uma incomum capacidade de inovação. Os colaboradores da "Ci Ridiamo Sù" trabalham lado a lado com os detentos - nem todos, é claro, aqueles que receberam autorização específica: a Bruno se juntou mais recentemente Antonino - sem reservas porque, como lembram, citando a Laudato si', "qualquer forma de trabalho pressupõe uma ideia da relação que o ser humano pode ou deve estabelecer com o outro" (125).
“Fazemos tudo juntos: com eles", explica Ferrito, "planejamos a horta, escolhemos as plantas para plantar, fazemos sistemas de irrigação, trabalhamos a terra, fertilizamos, semeamos e fazemos as colheitas". São homens que "apreciam trabalhar juntos, o fato de olharmos para eles sem filtros, brincamos sinceramente com eles": e quando "surge um sorriso", talvez sob o sol, esmagado pelo cansaço de um dia no campo, "surge a parte humana, verdadeira e natural de cada um". São pessoas que, reflete o presidente da associação, “não veem seus filhos há muito tempo, há sentenças muito longas. Assim, aqueles que, como Bruno, deixaram os filhos quando tinham 2 anos de idade, agora descobrem que eles têm 12 ou 13 anos. Uma coisa que me impressiona, como palhaço, é a natureza poética deste homem que consegue manter uma relação constante e contínua com seus quatro filhos, mesmo que os veja muito pouco. Ouso dizer mais do que um pai que vê seu filho 24 horas por dia. Ele lhes escreve uma carta todos os dias, as crianças confiam nele e lhe pedem conselhos como se ele estivesse em casa todos os dias. E estas são histórias espontâneas que vêm do trabalho diário", feito de trabalho duro, compromisso e, acima de tudo, confiança. A confiança que os detentos encontraram no cárcere de Ragusa, uma prisão, como diz Ferrito, "com uma equipe completamente feminina, com a diretora Maltese, a comandante da Polícia Penitenciária Chiara Morales, Rosetta Noto e Maria Iurato da Área de Tratamento".
Uma oportunidade para o futuro
A diretora Giovanna Maltese ficou impressionada com o projeto da horta "Libere Tenerezze" - Laudato si' no período de lockdown da pandemia, porque os detentos puderam assim ter uma "continuidade de contato com a terra e seus valores", uma oportunidade, diz ela, "de escapar da ociosidade" e ter "a concretude do resultado, cada vez que uma muda era bem sucedida", produzindo frutos. O projeto foi incluído no planejamento trienal da Superintendência Regional de Administração Penitenciária (Prap) da Sicília 2021-2023.
Rosetta Noto, chefe do que um dia foi chamado de Área Educativa do cárcere de Ragusa, ou seja, o setor que trata da recuperação e reintegração social dos detentos, espera "que continue e se torne um projeto estrutural para o presídio, para que outros detentos possam ter esta oportunidade no futuro". Transmitir o conhecimento da agricultura biodinâmica "é muito importante", enfatiza Noto, "especialmente para os detentos que não têm um bom nível de educação: é assim que lhes damos treinamento para que, ao saírem da prisão, possam mais facilmente encontrar emprego". O próprio Bruno, observa, tem "grandes esperanças no projeto, ele entende seu valor e espera, uma vez cumprida sua pena, com o profissionalismo que terá adquirido, ser capaz de encontrar um emprego" e uma nova saída profissional. Talvez, acrescenta a diretora Maltese, com uma inserção "em empresas ou empresas agrícolas" ou iniciar "a sua própria empresa, com as contribuições da lei 'Smuraglia'", que em 2000 introduziu uma facilidade em favor dos empregadores que dão trabalho a prisioneiros. É o sonho de Bruno, assim como de muitos do cárcere de Ragusa. Eles também têm outro sonho, que confiaram aos colaboradores da Associação "Ci Ridiamo Sù", o sonho, conta Fabio Ferrito, "de poder provar ou entregar o mais rápido possível, se possível, uma caixa de seus produtos ao Papa Francisco".
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