A esponsalidade de Cristo no Evangelho de São João
Jackson Erpen - Cidade do Vaticano
Mais do que simbólica, a Igreja como "esposa de Cristo" apresentada na Constituição Dogmática Lumen Gentiun é uma imagem teológica. E é a esta imagem que padre Gerson Schmidt* tem dedicado os últimos programas deste nosso espaço, buscando nas Escrituras as referências que a constituem e a alicerçam. No programa passado, o sacerdote incardinado na Arquidiocese de Porto Alegre nos apresentou sua segunda reflexão sobre a "Esponsalidade em Cristo nos Sinóticos", emquamto no programa de hoje passa a falar sobre a "Esponsalidade de Cristo em São João [1]":
"Estamos aprofundando o tema da esponsalidade de Cristo com a Igreja, tendo como pano de fundo a imagem da Lumen Gentium da Igreja como “esposa de Cristo”. O Evangelho teológico de João é permeado da simbologia esponsal. No início do Evangelho joanino, percebemos nas palavras de João Batista o reconhecimento mais explícito dessa imagem esponsal e nupcial: “Quem tem a esposa é o esposo; mas o amigo do esposo, que está presente e o ouve, é tomado de alegria à voz do esposo. Essa é a minha alegria e ela é completa!” (Jo 3, 29). O Batista cede lugar a Jesus, o Esposo legítimo[2].
A alegria de João Batista consiste em trazer a noiva à presença do noivo. A esposa é a figura do povo, segundo imagens usadas pelos profetas, no Antigo Testamento. Jesus, consagrado como o Messias, leva para si a esposa e, por isso, é necessário reconhecê-lo como Esposo. “O ponto central dessa narrativa é que o amigo do noivo não serve de rival, e que, apesar de estar numa posição exaltada, não pode ser comparado, em dignidade, com o próprio noivo”[3].
João Batista fala de um modo simbólico, como às vezes falaram os profetas. Toda missão de João Batista parece ser consciente de que o seu serviço no meio do povo é dirigido para o Esposo que há de vir. Ele apresenta-se como amigo do Esposo. Ao se apequenar “é necessário que ele cresça e eu diminua” (Jo 3, 30), ele reconhece que se deve a Jesus o direito de ser reconhecido e acolhido como Esposo. “O Batista alegra-se porque vê que já está a começar a atuação do Messias, e reconhece a infinita distância que há entre a sua condição e a de Cristo. Por isso a sua alegria é completa quando Jesus Cristo vai convocando os homens e estes vão atrás dele”.
O episódio do banquete de núpcias em Caná da Galiléia, descrito apenas por João, para o qual Jesus foi convidado, juntamente com os discípulos (cf. Jo 2, 1-11) também é muito simbólico. É interessante observar que o acontecimento se dá em uma festa de casamento e devemos levar em consideração a imagem do Antigo Testamento de Israel como esposa de Yahweh. Nesse contexto, Jesus realiza seu primeiro milagre, para atestar que Ele é o divino esposo[4].
Em seu primeiro milagre, que comprova sua messianidade, Jesus nos dá a compreender, mesmo indiretamente, que o Esposo anunciado pelos profetas estava presente no meio do seu povo, Israel. Ao manifestar o primeiro milagre de transformar a água em vinho, a pedido de sua mãe, significa que, em Maria, se dá o início da figura da Igreja-Esposa da Nova Aliança. Conforme comentários catequéticos de João Paulo II, ao lado de Cristo, começa a delinear-se a figura da Esposa da Nova Aliança, a Igreja, presente em Maria e nos discípulos presentes no banquete nupcial[5].
O Papa Francisco também assim comenta sobre esse episódio do Evangelho: “O Evangelho do dia narra o primeiro milagre de Jesus, seu primeiro ‘sinal’ – como diz o Evangelista João – que ocorreu nas bodas de Caná, na Galileia. E não foi por acaso que tenha se realizado num matrimônio – explicou o Papa – porque naquela cerimônia, Deus se casou com a humanidade: esta é a Boa Notícia, mesmo se aqueles que o convidaram ainda não sabiam que o Filho de Deus estava sentado à sua mesa e que o verdadeiro esposo era Ele. “De fato, todo o mistério do sinal de Caná se baseia na presença deste divino esposo que começa a revelar-se. Jesus se manifesta como esposo do povo de Deus, anunciado pelos profetas, e nos revela a profundidade da relação que nos une a Ele”, explicou Papa Francisco[6].
É somente João que descreve Maria presente ao pé da cruz e que descreve o diálogo de Jesus com sua mãe e o discípulo amado, que leva Maria depois para a primeira comunidade cristã. “A doação de Jesus Cristo à sua esposa no sacrifício da cruz, na ressurreição e na vinda do Espírito Santo não foi um ato acontecido uma única vez, um ato transitório. Tal doação jamais termina, visto que seu amor, que doa, jamais se cansa. Ele vive sempre para sua esposa; ele cuida carinhosamente dela como seu próprio eu; ele a alimenta com a força da sua palavra. Mas principalmente pela sua própria carne e sangue na eucaristia. Dando-lhe seu corpo e seu sangue, torna-se realmente um corpo com ela. A união entre Cristo e a Igreja supera em muito a união conjugal em intimidade, força e duração. A união entre homem e mulher é uma imagem da união entre Cristo e a Igreja”[7].
*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
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[1] Tema embasado em artigo da Revista Teocomunicação, Porto Alegre, v. 38, n. 160, p. 235-251, maio/ago. 2008, de autoria de Edson Pereira e Manoel Augusto Santos.
[2] M. MAGNOLFI et alii, op cit., p. 139-140.
[3] R. CHAMPLIN. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo. São Paulo: Millennium, 1980, vol. II, p. 317.
[4] Cf. R. BROWN et alii. Comentario Biblico San Jerónimo. Madrid: Ediciones Cristandad, 1971, Tomo III, p. 433.
[5] JOÃO PAULO II. A Igreja: 51 catequeses do Papa sobre a Igreja. São Paulo: Cléofas, 2001, p. 77-78.
[6] PAPA FRANCISCO, Ângelus,20/01/2019.
[7] SCHMAUS, Michael. A fé na Igreja, Vol. IV, Petrópolis, 1983, p.62-63.
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