Diário da Crise do Pe. Lombardi: “Dar a vida”
FEDERICO LOMBARDI
Na dor e nas tragédias desses meses, há um fato importante que se impõe à nossa atenção e que mesmo acrescentando dor em cima de dor, é uma fonte de admiração e - no final - de conforto. É a multidão de pessoas que carrega sobre si as consequências da pandemia, até a morte, porque se dedica com generosidade e com todas a forças a serviço dos outros, tanto no corpo quanto no espírito. É justo fazer-lhes uma homenagem comum de gratidão, que certamente não é apenas retórica, mas muito sincera, da parte de todos. Médicos, enfermeiros, sacerdotes, voluntários... Nas áreas mais afetadas, o seu número é muito alto, não apenas daqueles que adoecem, mas também daqueles que morrem.
Em tempos de grande sofrimento, há quem entende ser chamado por vocação profissional, religiosa ou pessoal a expor sua vida para os outros. Se não se retira do risco, não é por irresponsabilidade e inconsequência, mas por um senso de dever animado pelo amor que é mais forte que o medo.
Em 11 de setembro de 2001, cerca de 3 mil pessoas morreram no terrível ataque às Torres Gêmeas. Desse número, 343 eram bombeiros envolvidos nas operações de resgate. O heroísmo deles foi uma das forças mais eficazes para incentivar os nova-iorquinos na reconstrução moral e física depois da destruição. E se os bombeiros foram as pessoas mais expostas e mais visíveis, a eles devem ser acrescentados os muitos médicos, enfermeiros, voluntários de todos os tipos que imediatamente foram em socorro com total generosidade, sem perder um minuto sequer pensando em si mesmos. Um grande exemplo. Mas poderia continuar sem parar. Quantas vezes durante terremotos, inundações ou outras catástrofes, vimos movimentos maravilhosos de solidariedade espontânea e desinteressada, sem calcular esforços e riscos...
Então, quando há muito sofrimento... vemos que também há muito amor. Um amor que - se possível - está pronto para dedicar-se sem cálculo, a ponto de dar a vida. Muitas vezes nos surpreendemos. Vemos pessoas que consideramos “normais” manifestar uma grandeza humana e espiritual que não conhecíamos, não suspeitávamos. Talvez elas mesmas ainda não tivessem tido a oportunidade de entender o quanto poderiam dar, até que a dor do outro, como um desafio, lhes mostrasse como poderiam ser chamadas...
Há algo muito grande e misterioso nessa relação entre dor e amor. Parece quase que a dor seja o terreno em que o amor pode crescer além de nossas previsões e de nossas expectativas, alcançar o ápice em que o raciocínio e a palavra cessam, e um fogo intenso arde no coração. Já vimos isso muitas vezes na dedicação de casais e pessoas que se amam diante das doenças mais dolorosas. Então, o amor se torna tão intenso e tão grande que consegue transformar uma história de sofrimento atroz numa história de amor cada vez maior. O sofrimento e a morte recebem um sentido elevado e inesperado.
“Não existe amor maior do que dar a vida”, diz Jesus, e ele nos convida a entender a sua Paixão sob essa luz e a entrar também no caminho desse amor. “Não existe amor maior do que dar a vida”, é algo que todos podem entender quase facilmente, se não se tornaram completamente áridos pelo egoísmo.
Pandemia, tempo de grande sofrimento, tempo ocasião de grande amor. O vírus é contagioso. Mas o amor também pode ser contagioso. Muitos dos filhos dos bombeiros de Nova York que morreram no dia 11 de setembro, crescendo, quiseram se tornar bombeiros, para imitar seus pais num serviço em que estão prontos para dar a vida pelos outros. O exemplo de médicos, enfermeiros e enfermeiras, sacerdotes, de quem se colocou a serviço dos doentes, dispostos a dar a vida, é uma das lições mais importantes que este tempo deve nos deixar. É a alma preciosa de todas as outras lições que tentaremos aprender. Sem essa, as outras valerão pouco.
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