Fr. Cantalamessa: "Que temos nós com isso, mulher", a kenosis da Mãe de Deus
Cidade do Vaticano
Na segunda Pregação da Quaresma, nesta sexta-feira, 20 de março de 2020, Fr. Raniero Cantalamessa OFMCap. propôs o tema: "Que temos nós com isso, mulher" - a kenosis da Mãe de Deus. A pregação não teve a presença física de membros da Cúria e do Papa Francisco, mas foi transmitida uma gravação. Eis o texto na íntegra:
"Nas meditações desta Quaresma, continuamos nossa jornada nos passos da Mãe de Deus iniciados no último Advento. Será também uma maneira de nos colocarmos sob a proteção da Virgem em um período tão severo devido à disseminação da infecção pelo vírus Corona.
É preciso reconhecer que o Novo Testamento não fala muito de Maria, pelo menos não com tanta frequência quanto se esperaria, considerando o desenvolvimento que teve na Igreja a devoção à Mãe de Deus. Todavia, se prestarmos a devida atenção, perceberemos uma coisa: Maria não está ausente de nenhum dos três momentos constitutivos do mistério da salvação. De fato, existem três momentos bem claros que, juntos, formam o grande mistério da Redenção, a saber: a Encarnação do Verbo, o Mistério Pascal e o Pentecostes.
Pois bem, refletindo, percebemos que Maria não está ausente de nenhum desses três momentos fundamentais. Certamente não está ausente da Encarnação, que aconteceu exatamente nela. Maria não está ausente do Mistério Pascal, porque está escrito que “junto da cruz de Jesus estava Maria sua mãe” (cf. Jo 19,25). Finalmente, não está ausente do Pentecostes, porque está escrito que o Espírito Santo desceu sobre os apóstolos que, “unânimes, perseveravam na oração com Maria, a mãe de Jesus” (cf. At 1,14).
Essas três presenças de Maria nos momentos-chave da nossa salvação não podem ser um simples acaso. Asseguram-lhe um lugar único ao lado de Jesus na obra da redenção. Entre todas as criaturas, Maria foi a única a ser testemunha e partícipe de todos esses três acontecimentos.
Nesta segunda parte da nossa caminhada, queremos seguir Maria no Mistério Pascal, deixando-nos guiar por ela à compreensão profunda da Páscoa e à participação nos sofrimentos de Cristo. Maria toma-nos pela mão e dá-nos a coragem para segui-la nesta estrada, dizendo-nos como uma mãe a seus filhos: Vamos nós também para morrermos com ele! (Jo 11,16). No Evangelho, é Tomé quem pronuncia estas palavras, mas é Maria quem as põe em prática.
Sofrendo, aprendeu a obedecer
Na vida de Jesus, o Mistério Pascal não começa com a prisão no horto, nem dura só uma semana santa. Toda a sua vida, desde que João Batista o saudou como o Cordeiro de Deus, é uma preparação para sua Páscoa. Conforme o Evangelho de Lucas, toda a vida pública de Jesus foi uma lenta e incessante “subida para Jerusalém”, onde consumaria seu êxodo (cf. Lc 9,31).
Paralelamente a este caminho do novo Adão, segue o caminho da nova Eva. Também para Maria, o Mistério Pascal começou muito tempo antes. Já as palavras de Simeão, sobre o sinal de contradição e sobre a espada que lhe traspassaria a alma, continham um presságio que Maria guardava no coração junto com todas as outras palavras. O “passo” que queremos dar nesta meditação consiste exatamente em seguir Maria durante a vida pública de Jesus, vendo como ela se torna para nós tipo e modelo.
Na caminhada em busca da santidade, o que normalmente acontece depois que uma alma foi preenchida pela graça, depois que generosamente respondeu com o seu “sim” de fé, e corajosamente se dedicou às boas obras e às virtudes? Vem o tempo da purificação e do despojamento. Chega a noite da fé. De fato, veremos que Maria, neste período da sua vida, exatamente nisto serve-nos de guia e modelo: de como nos devemos comportar quando na vida chega “o tempo da poda”.
São João Paulo II, na sua encíclica “Redemptoris Mater”, escrita para o Ano Mariano, com razão aplica à vida de Nossa Senhora a grande categoria da kenose, com a qual São Paulo explicou a vicissitude terrestre de Jesus: Cristo Jesus, que era de condição divina, não reivindicou o direito de ser equiparado a Deus, mas despojou-se (ekénosen) a si mesmo... (F1 2,6-7). Mediante essa sua fé – escreve o Papa – Maria está perfeitamente unida a Cristo no seu despojamento... Aos pés da cruz, Maria participa mediante a fé no mistério desconcertante desse despojamento”[1]. Este despojamento consumou-se junto à cruz, mas começou bem antes. Também em Nazaré, e sobretudo durante a vida pública de Jesus, ela avançava na peregrinação da fé. Não é difícil, porém, perceber naquele início um particular aperto do coração e uma espécie de noite da fé”[2].
Tudo isso torna as vicissitudes de Maria extraordinariamente significativas para nós; devolve Maria à Igreja e à humanidade. É preciso constatar com alegria um grande progresso havido na Igreja católica no tocante à devoção a Nossa Senhora; quem viveu antes e depois do Concílio Vaticano II facilmente pode dar-se conta disso. Antes, a categoria fundamental com a qual se explicava a grandeza de Nossa Senhora era a do “privilégio” ou da isenção.
Pensava-se que Maria tivesse sido isenta não só do pecado original e da corrupção (que são privilégios definidos pela Igreja com os dogmas da Imaculada e da Assunção); nessa linha, ia-se muito além, até achar que Maria teria sido isentada das dores do parto, do cansaço, da dúvida, da tentação, da ignorância e finalmente, o mais grave, também da morte. De fato, para alguns, Maria teria sido levada ao céu sem precisar passar pela morte.
Tudo isso – pensava-se – é consequência do pecado, e Maria não tinha pecado. Dessa maneira, passava despercebido que, em vez de “associar” Maria a Jesus, chegava-se a dissociá-la completamente dele que, mesmo sem ter pecado, para nosso proveito quis experimentar tudo isso, cansaço, dor, angústia, tentações e morte. Toda essa mentalidade refletia-se na iconografia de Nossa Senhora, isto é, na maneira como era representada em estátuas, pinturas e imagens: uma criatura geralmente desencarnada e idealizada, de uma beleza frequentemente só humana, que qualquer mulher desejaria possuir; em suma, uma Nossa Senhora que parece ter tocado a terra apenas de leve, com a ponta dos pés.
Agora, seguindo o Concílio Vaticano II, a categoria fundamental com a qual procuramos compreender a santidade única de Maria já não é a do privilégio, mas a da fé. Maria caminhou, ou melhor, “progrediu” na fé[3]. Isso não diminui, mas aumenta sem medida a grandeza de Maria. De fato, a grandeza espiritual de uma criatura perante Deus, nesta vida, não é medida tanto por aquilo que Deus lhe dá, quanto por aquilo que Deus lhe pede. E veremos que Deus pediu muito a Maria, mais do que a qualquer outra criatura, mais do que ao próprio Abraão.
No Novo Testamento, encontramos palavras fortes sobre Jesus. Uma delas diz que “nós não temos um Sumo Sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; pelo contrário, ele mesmo foi provado em tudo, à nossa semelhança, exceto no pecado” (Hb 4,15); uma outra diz que, apesar de Filho de Deus, aprendeu a obedecer, sofrendo (Hb 5,8). Se Maria seguiu o Filho na kenose, estas palavras, com as devidas proporções, aplicam-se também a ela e constituem, aliás, a verdadeira chave de compreensão da sua vida. Maria, apesar de ser a mãe, sofrendo aprendeu a obedecer.
Por acaso Jesus não era suficientemente obediente na infância, ou não sabia o que é a obediência, de modo que precisasse aprender a conhecê-la “pelo sofrimento”? Não; aqui, “aprender” significa “conhecer”, que na Bíblia geralmente tem o sentido concreto de experimentar, saborear. Jesus exerceu a obediência, avançou nela através do sofrimento. Precisava de uma obediência sempre maior para vencer resistências e provações sempre maiores, até a prova suprema da morte. Também Maria aprendeu a fé e a obediência; nelas, avançou através dos sofrimentos, tanto que podemos dizer dela, com toda a confiança: não temos uma mãe que não possa compadecer-se das nossas fraquezas, do nosso cansaço, das nossas tentações; pelo contrário, ela mesma foi provada em tudo, à nossa semelhança, exceto no pecado.
Maria durante a vida pública de Jesus
Há, nos Evangelhos, referências a Nossa Senhora que, no passado, no clima dominado pela ideia de privilégio, criavam certo embaraço entre os fiéis, e que agora, pelo contrário, aparecem-nos como marcos nesse caminho de fé de Maria. Passagens que, por isso mesmo, não precisamos pôr de lado apressadamente, ou suavizar com explicações convenientes. Consideremos brevemente esses textos.
Comecemos com o episódio da perda de Jesus no Templo ( cf. Lc 2,41). Este foi o início do mistério pascal de despojamento para a Mãe. De fato, o que precisou ela ouvir depois de tê-lo encontrado novamente? “Por que me procuráveis? Não sabeis que devo estar na casa de meu Pai?”. “Por que me procuráveis?” Essas palavras colocavam entre ela e Jesus uma outra vontade, infinitamente mais importante, que punha em segundo lugar qualquer outro relacionamento, também o relacionamento filial com ela.
Continuemos, porém. Encontramos uma menção de Maria em Caná da Galileia, exatamente no momento em que Jesus está começando seu ministério público. Conhecemos os fatos. Qual a resposta que Maria ouviu de Jesus ao seu discreto pedido de intervenção? “Que temos nós com isso, mulher?” (Jo 2,4). De qualquer maneira que se expliquem essas palavras, elas soam duras, mortificantes; parecem novamente colocar uma distância entre Jesus e sua Mãe.
Todos os três Sinóticos referem-nos este outro episódio acontecido durante a vida pública de Jesus. Um dia, enquanto Jesus estava pregando, chegaram sua Mãe e alguns parentes para falar-lhe. Talvez a mãe estivesse preocupada com a saúde dele, o que é muito natural para uma mãe, pois logo antes está escrito que Jesus, por causa da multidão, não podia nem comer (cf. Mc 3,20). Percebemos um detalhe: Maria, a Mãe, precisa até mendigar o direito de ver o Filho e de falar-lhe. Ela não abre caminho no meio da multidão aproveitando o fato de ser a mãe. Pelo contrário, ficou esperando fora, enquanto outros foram até Jesus para informá-lo: “Lá fora está tua mãe que te quer falar”. Mas, aqui também, o mais importante é a palavra de Jesus que continua sempre na mesma linha: Quem é minha mãe, e quem são meus irmãos? (Mc 3,33).
Já conhecemos a resposta. Procuremos nos colocar no lugar de Maria, e entenderemos a humilhação e o sofrimento que aquelas palavras lhe causaram. Sabemos hoje que, naquelas palavras, está mais um elogio do que uma repreensão para a mãe; mas ela não sabia, pelo menos naquele momento. Naquele momento, havia só a amargura de uma recusa. O Evangelho não diz se depois Jesus saiu para falar-lhe; provavelmente, Maria teve que ir embora, sem ter visto o filho e sem ter falado com ele.
Um outro dia – narra São Lucas – uma mulher, no meio da multidão, teve uma exclamação de entusiasmo para com Jesus: “Feliz – ela disse – o ventre que te trouxe e os seios que te amamentaram!”. Era um desses cumprimentos que, por si sós, bastam para fazer a felicidade de uma mãe. Maria, porém, se estava presente ou se foi informada, não pôde saborear tranquilamente essas palavras, porque Jesus logo se apressou a corrigir: “Muito mais felizes são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática (Lc 11, 27-28).
Ainda um último detalhe nesta linha. São Lucas, num determinado ponto do seu Evangelho, fala de um grupo de piedosas mulheres – cujo nome também refere – que tinham sido beneficiadas por ele e que o “serviam com os seus bens” (cf. Lc 8,2-3), e que cuidavam das necessidades materiais dele e dos apóstolos, preparando uma refeição, lavando ou consertando uma roupa, etc. O que isso tem a ver com Maria? É que, entre essas mulheres, não aparece a mãe, e todos sabem o quanto uma mãe gostaria de prestar esses pequenos serviços ao filho, especialmente se consagrado ao Senhor. Aí temos o sacrifício total do coração.
O que significa tudo isso? Uma série de fatos e de palavras tão detalhados e coerentes não pode ser um acaso. Também Maria teve que experimentar a sua kenose. A kenose de Jesus consistiu no despojar-se de seus legítimos direitos e de suas prerrogativas divinas, assumindo a condição de servo e manifestando-se exteriormente como simples homem. A kenose de Maria consistiu em deixar-se despojar de seus legítimos direitos como mãe do Messias, parecendo diante de todos uma mulher como as outras. A condição de Filho não poupou Cristo de qualquer humilhação; da mesma forma, a qualidade de Mãe de Deus não poupou a Maria qualquer humilhação. Jesus dizia que a Palavra é o instrumento com que Deus poda e limpa os ramos: “Vós estais limpos, devido à Palavra” (Jo 15,3). E tais foram as palavras que ele dirigiu à sua Mãe. Por acaso, não seria essa Palavra a espada que, conforme Simeão, um dia lhe traspassaria a alma?
A maternidade divina de Maria era também, e antes de tudo, uma maternidade humana; tinha um aspecto também “carnal”, no sentido positivo deste termo. Aquele Filho era o seu filho, era a sua única riqueza, o seu único apoio na vida. Mas ela precisou renunciar a tudo o que havia de humanamente exaltante na sua vocação. O Filho mesmo colocou-a numa situação tal que ela não podia aproveitar-se de nenhuma vantagem terrena da sua situação de mãe. Seguia Jesus como se não fosse sua mãe. Desde que começou seu ministério e deixou Nazaré, Jesus não teve onde reclinar a cabeça, e Maria não teve onde reclinar seu coração.
À sua pobreza material, que já era muito grande, Maria precisou acrescentar também a pobreza espiritual, no seu grau mais alto. Pobreza de espírito que consiste em deixar-se despojar de todos os privilégios, em não poder apoiar-se em nada, nem do passado nem, do futuro, nem nas revelações, nem nas promessas, como se tudo isso não lhe pertencesse e nunca tivesse acontecido. É uma espécie de noite escura da memória. Essa consiste no esquecer-se, ou melhor, na impossibilidade de, mesmo querendo, lembrar do passado, lançados unicamente na direção de Deus, vivendo de pura esperança. Essa é a verdadeira e radical pobreza de espírito, que é rica só de Deus e, mesmo isso, só na esperança.
Com sua mãe, Jesus comportou-se como um diretor espiritual lúcido e exigente que, tendo entrevisto uma alma extraordinária, não a faz perder tempo nem contemporizar com sentimentos e consolações naturais; pelo contrário, se ele mesmo for santo, arrasta-a numa corrida sem tréguas para o despojamento total, para chegar à união com Deus. Ensinou a Maria a renúncia a si mesma. A seus seguidores, de todos os séculos, Jesus os dirige mediante o seu Evangelho; sua mãe, porém, dirigiu-a de viva voz, pessoalmente.
Por uma das mãos, Jesus deixava-se conduzir pelo Pai, através do Espírito, para onde o Pai o queria: ao deserto para ser tentado, ao monte para ser transfigurado, ao Getsêmani para suar sangue... Eu sempre faço – ele dizia – o que é do seu agrado (Jo 8,29). Com a outra mão, Jesus conduz sua mãe na mesma corrida para fazer a vontade do Pai.
Maria discípula de Cristo
Como reagiu Maria a este tratamento que o Filho e o próprio Deus lhe deram? Tentemos ler novamente os textos mencionados. Constataremos o seguinte: jamais encontramos em Maria nem o menor sinal de oposição, de discussão ou de auto-justificação; jamais uma tentativa de mudar a decisão de Jesus! Docilidade absoluta.
Transparece aqui a singular santidade pessoal da Mãe de Deus, a mais alta maravilha da graça. Para verificá-lo, basta fazer algumas comparações. Por exemplo, com São Pedro. Quando Jesus deu a entender a Pedro que em Jerusalém o esperavam recusa, paixão e morte, Pedro “protestou” e disse: De jeito nenhum, Senhor, isso não pode acontecer, não deve acontecer! (cf. Mt 16,22). Estava preocupado com Jesus, mas também consigo mesmo. Maria, não.
Maria ficava calada. Sua resposta para tudo era o silêncio. Não um silêncio de recuo e de tristeza, porque também existe um silêncio que dentro, onde só Deus escuta, é estrondo de homem velho. O de Maria era um silêncio bom. Percebe-se isso em Caná da Galileia: em vez de mostrar-se ofendida, percebeu pela fé, e talvez pelo olhar de Jesus, que podia fazê-lo e disse aos servos: “Fazei o que ele vos disser” (Jo 2,5). Depois daquela dura palavra de Jesus reencontrado no templo, está escrito que Maria não entendia; mas também está escrito que ela se calava e “guardava todas estas coisas no seu coração” (Lc 2,51).
O fato de Maria calar-se não significa que para ela tudo seja fácil, que não precise superar lutas, fadigas e trevas. Ela estava isenta do pecado, não da luta nem da “fadiga do crer”. Se Jesus precisou lutar e suar sangue para levar sua vontade humana a aderir plenamente à vontade do Pai, o que há de surpreendente se também Maria precisou “agonizar”? Uma coisa, todavia, é certa: por nada no mundo Maria teria querido voltar atrás. Quando perguntamos a algumas almas, conduzidas por Deus por caminhos semelhantes, se querem que rezemos para que tudo acabe e volte a ser como antes, apesar de transtornadas e às vezes à beira de um aparente desespero, logo se apressam a responder: não!
Depois de ter contemplado, no Advento, Maria como a mãe de Cristo, vamos contemplá-la agora como a discípula de Cristo. A propósito da palavra de Jesus: “Quem é minha mãe?... Aquele que fizer a vontade de Deus, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Mc 3,33-35), Santo Agostinho comenta:
Por acaso não fez a vontade do Pai a Virgem Maria, que pela fé acreditou, pela fé concebeu, que foi escolhida para que dela nascesse a salvação para os homens, que foi criada por Cristo, antes que Cristo fosse criado no seu seio? Santa Maria fez a vontade do Pai e a cumpriu inteiramente; e, por isso, para Maria, é mais importante o ter ela sido discípula de Cristo, do que ter sido a Mãe de Cristo. Tem mais valor, é prerrogativa mais feliz ter sido discípula do que Mãe de Cristo. Maria era feliz porque, antes de dar à luz o Filho, trouxe no ventre o Mestre... Por isso mesmo, pois, também Maria foi feliz porque escutou a Palavra de Deus e a pôs em prática[4].
Corporalmente, Maria é apenas mãe de Cristo, mas, espiritualmente, é sua irmã e sua mãe”[5].
Devemos, então, pensar que a vida de Maria foi uma vida de contínua aflição e de tristeza? Muito pelo contrário. Por analogia com o que aconteceu aos santos, devemos afirmar que, neste caminho de despojamento, Maria descobria, dia a dia, uma alegria de tipo novo, diferente das alegrias maternas de Belém ou de Nazaré, quando apertava Jesus em seus braços. A alegria de não fazer sua própria vontade. A alegria de crer. A alegria de dar a Deus o que de mais precioso existe para ele, uma vez que, também em se tratando de Deus, há mais alegria em dar que em receber. A alegria de descobrir um Deus, cujos caminhos são inacessíveis e cujos pensamentos não são os nossos, mas que se dá a conhecer pelo que é: Deus, o Santo.
Uma grande mística, Santa Ângela de Folinho, que tinha feito experiências análogas, fala de uma alegria especial, no limite das possibilidades humanas de compreensão, que ela chama de “alegria da incompreensibilidade” (gaudium incomprehensibilitalis). Alegria que consiste em entender que não se pode entender, e que um Deus compreendido já não seria Deus. Esta incompreensibilidade, em vez de tristeza, gera alegria, porque mostra que Deus é ainda mais rico e maior do que consegues entender, e que ele é o “teu” Deus! Esta é a alegria que os Santos têm no céu e que a Virgem Santa, de acordo com Santa Ângela, teve já, em alguns momentos, nesta vida,[6].
De nossa meditação sobre Maria na vida pública de Jesus, relatamos uma certeza consoladora: Temos uma Mãe capaz de compadecer-se das nossas fraquezas, tendo ela mesma sido provada em tudo à nossa semelhança, exceto no pecado. Agora que está glorificada no céu perto do Filho, Maria pode estender sua mão materna para nós pequeninos, levando-nos consigo e dizendo, com bem mais razão que o Apóstolo: “Sede meus imitadores, como também eu o sou de Cristo” (1Cor 11,1).
Vamos, portanto, recorrer a ela neste momento de grande provação, com a antiga e bela oração do Sub tuum praesidium:
À Vossa Proteção recorremos
Santa Mãe de Deus
Não desprezeis as nossas súplicas
Em nossas necessidades
Mas livrai-nos sempre de todos os perigos
Virgem gloriosa e bendita.
______________________
[1] S. João Paulo II, Enc. Redemptoris Mater, 18 (AAS, 79, 1987, p. 382ss.)
[2] Ib. 17.
[3] Lumen gentium, 58.
[4] Sto. Agostinho, Sermão 72 A, 7 (Miscellanea Agostiniana, I, p. 162).
[5] Sto. Agostinho, Sobre a santa Virgindade, 5-6 (PL 40, 399).
[6] O livro da B. Angela da Foligno, Istr. III (Ed. Quaracchi, Grottaferrata, 1985, p. 468).
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