O caminho no deserto
Silvonei José – Cidade do Vaticano
Iniciamos na última quarta-feira, com o rito das cinzas, o período da Quaresma. Também neste ano o Papa Francisco nos propõe uma sua mensagem para nos ajudar a percorrer este itinerário de 40 dias que nos leva ao ápice do ano litúrgico e da nossa fé, a Páscoa de Nosso Senhor Jesus. Na sua mensagem cujo título foi inspirado na 2ª carta de São Paulo aos Coríntios, “Em nome de Cristo, suplicamo-vos: reconciliai-vos com Deus”, Francisco chama a atenção para um diálogo coração a coração, de amigo a amigo com Jesus. Fixar os braços abertos de Cristo crucificado e deixar-se salvar sempre de novo. “A Páscoa de Jesus – escreveu - não é um acontecimento do passado: pela força do Espírito Santo é sempre atual e permite-nos contemplar e tocar com fé a carne de Cristo em tantas pessoas que sofrem.”
Neste contexto o Papa nos convida à contemplação do Mistério pascal, recordando que a experiência da misericórdia só é possível “face a face” com o Senhor crucificado e ressuscitado e nos convida à oração, tão importante neste tempo quaresmal. Antes de ser um dever, a oração expressa a “necessidade de corresponder ao amor de Deus, que sempre nos precede e sustenta. Ainda o convite do Pontífice a não deixar passar em vão este tempo de graça, na presunçosa ilusão de sermos nós o dono dos tempos e modos da nossa conversão a Ele.
Devemos colocar o Mistério pascal no centro da nossa vida, acrescenta o Papa, e isso significa sentir compaixão pelas chagas de Cristo crucificado presentes nas inúmeras “vítimas inocentes das guerras, das prepotências contra a vida desde a do nascituro até à do idoso, das variadas formas de violência, dos desastres ambientais, da iníqua distribuição dos bens da terra, do tráfico de seres humanos em todas as suas formas e da sede desenfreada de lucro, que é uma forma de idolatria”.
E já na quarta-feira última, Quarta-feira de Cinzas, na Praça São Pedo, durante a audiência geral, Francisco, sempre com o olhar fixo neste tempo de conversão, afirmou que a o tempo da Quaresma é entrar no deserto. E o Papa se deteve no “significado espiritual do deserto”, também para nós que vivemos na cidade, e nos convidou a nos imaginar num deserto. “A primeira sensação seria de estar envolvidos num grande silêncio: sem barulho, a não ser do vento e da nossa respiração”.
O deserto – afirmou -, é o lugar em que se toma distância do barulho que nos circunda. É ausência de palavras para dar espaço a outra Palavra, a Palavra de Deus, que acaricia o nosso coração como a brisa suave. Portanto “a Quaresma é o tempo propício para abrir espaço à Palavra de Deus”.
Francisco foi mais longe e nos deu indicações. É o tempo para desligar a televisão e abrir a Bíblia. É o tempo para se desligar do telefone celular e se conectar com o Evangelho. É o tempo de renunciar a palavras inúteis, conversinhas, fofocas, mexericos e se aproximar do Senhor. É o tempo de se dedicar a uma ecologia saudável do coração, fazer uma limpeza nele. Vivemos num ambiente poluído por muita violência verbal, por muitas palavras ofensivas e nocivas, que a rede amplifica.” "Hoje, se insulta como se você dissesse “Bom dia”. Somos submergidos de palavras vazias, publicidades e anúncios falsos. Nos acostumamos a ouvir tudo sobre todos e corremos o risco de cair num mundanismo que atrofia os nossos corações.
Assim temos dificuldade para distinguir a voz do Senhor que nos fala, a voz da consciência, do bem. Temos dificuldade em prestar atenção no que interessa, no que é importante, no essencial.
Olhemos então para as nossas vidas: quantas coisas inúteis nos circundam. Seguimos mil coisas que parecem necessárias, mas na realidade não são. Nos fará bem – disse o Papa - nos libertar de muitas realidades supérfluas a fim de redescobrir o que interessa e reencontrar o rosto de quem está ao nosso lado. O caminho no tempo quaresmal é um caminho de caridade para com os vulneráveis. Oração, jejum e obras de caridade: eis o caminho no deserto quaresmal.
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