Combate ao tráfico humano: professora aponta retrocesso do Brasil
Bianca Fraccalvieri – Cidade do Vaticano
Prossegue na Fraterna Domus de Sacrofano, na periferia de Roma, a Conferência Internacional sobre o Tráfico de Seres Humanos, promovido pela Seção Migrantes e Refugiados para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral.
Entre os 200 especialistas, está a professora Márcia Maria de Oliveira, da Universidade Federal de Roraima, que atua em parceria com a Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam).
Em entrevista ao Pope, ela ressalta a intensificação do trabalho em rede para combater o fenômeno e sobre a reunião em si, declara-se satisfeita ao ver o engajamento das mulheres na investigação, nos estudos e também no atendimento ativo e efetivo às pessoas vítimas do tráfico humano.
Quanto à realidade brasileira, a professora constata com pesar o retrocesso do país, ao decidir sair do Pacto Global sobre Migrações:
“Isso nos coloca um pouco atrás naquele processo de enfrentamento ao tráfico de pessoas que a gente vinha realizando no Brasil desde 2002. Nesse sentido, algumas questões aparecem como retrocesso nas políticas públicas do lado brasileiro, que reflete diretamente também na Amazônia, a região do Brasil onde ocorre o maior número de rotas do tráfico internacional de pessoas. Pelo fato de ser uma região de fronteira, isso constitui uma fragilidade para toda a região e a ausência de políticas públicas acaba permitindo a livre atuação das rotas internacionais e isso é um problema grave para a Amazônia.”
Primeiras conclusões
Ao Pope, a Dra. Márcia escreveu as seguintes considerações acerca da Conferência Internacional:
As primeiras conclusões da referida Conferência apontam que o tráfico de seres humanos implica na atuação de grupos e empresas especializadas no aliciamento ou recrutamento de pessoas para o trabalho forçado em diferentes formas e situações que implicam a exploração sexual comercial, o matrimônio forçado, trabalho análogo ao escravo, mendicância forçada, tráfico de órgãos, exploração reprodutiva e outras formas de abuso e banalização da condição humana.
O estudo do documento Orientações Pastorais sobre o Tráfico de Pessoas aponta que “o tráfico de seres humanos atinge as pessoas mais vulneráveis da sociedade: as mulheres, jovens e adolescentes, as crianças, deficientes físicos, pessoas em situação de rua, migrantes e itinerantes”. O documento indica ainda que “se trata de um problema muito complexo e de difícil enfrentamento e erradicação por se apresentar de variadas formas, pela heterogeneidade de suas vítimas e pela diversidade de seus executores”. Além disso, representa uma economia de grande lucratividade como aquela vinculada à indústria internacional do sexo em pleno crescimento.
Por representar um setor do comércio ilícito com elevados lucros internacionais a única forma de enfrentamento é através da organização em redes com as instituições encarregadas em níveis locais, nacionais e internacionais. De acordo com os(as) conferencistas, a forma mais eficaz de enfrentamento ao tráfico de seres humanos é a criação e ou fortalecimento das redes que promovam a articulação de parcerias entre instituições vinculadas à justiça com objetivo de aperfeiçoamento de marcos regulatórios para fortalecer o enfrentamento ao tráfico de pessoas. Outra questão importante é a integração e fortalecimento de políticas públicas, redes de atendimento e organizações para prestação de serviços necessários ao enfrentamento do tráfico de pessoas, dentre os quais a necessária capacitação para o enfrentamento, a permanente produção, gestão e disseminação de informação e conhecimento sobre tráfico de pessoas em campanhas e mobilizações permanentes.
Os estudos e debates apresentados nesta conferência indicam que o Brasil apresenta retrocessos no que se refere à operacionalização do Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de pessoas com a redução de recursos humanos e financeiros destinados a ampliar e aperfeiçoar a atuação de instâncias e órgãos envolvidos no enfrentamento ao tráfico de pessoas, na prevenção e repressão do crime, na responsabilização dos autores, na atenção às vítimas e na proteção de seus direitos.
Outro retrocesso refere-se à constatação internacional da incapacidade do país em reduzir as situações de vulnerabilidade ao tráfico, consideradas as identidades e especificidades dos grupos sociais, os cortes nos investimentos à capacitação de profissionais, instituições e organizações envolvidas com o enfrentamento ao tráfico de pessoas. Por fim, é preocupante que o Brasil também reduziu investimentos no que se refere à produção e disseminação de informações sobre o tráfico de pessoas e as ações para seu enfrentamento. Todos estes retrocessos diminuem a capacidade do país em sensibilizar e mobilizar a sociedade para prevenir a ocorrência, os riscos e os impactos do tráfico de pessoas num contexto marcado por intensas migrações internas e internacionais que facilitam a atuação das redes internacionais especializadas no tráfico de pessoas.
Por outro lado, avalia-se que cresceram de forma significativa as iniciativas das instituições não governamentais que se mobilizam e se articulam em redes de enfrentamento ao tráfico de pessoas em todo o Brasil e, de maneira especial na Amazônia, com destaque para as instituições vinculadas à Igreja Católica como a Rede um Grito pela Vida e a Cáritas que continuam promovendo importantes campanhas de orientação e prevenção ao tráfico, assistência às vítimas, incentivo à formalização de denúncias e, o maior desafio que garantir proteção às vítimas e às instituições que se atrevem desafiar o crime organizado transnacional de tráfico de seres humanos.
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