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Padre Raniero Cantalamessa OFMCap Padre Raniero Cantalamessa OFMCap  

Prega??o da Sexta-feira Santa do padre Padre Raniero Cantalamessa OFMCap

"Se no centro do pensamento de Paulo est¨¢ a obra de Jesus, o seu mist¨¦rio pascal de morte e ressurrei??o, no centro do pensamento de Jo?o est¨¢ o ser, a pessoa de Jesus. Da¨ª todos aqueles "Eu sou" das resson?ncias eternas que abundam em seu Evangelho: ¡°Eu sou o caminho, a verdade e a vida¡±, ¡°Eu sou a luz¡±, ¡°Eu sou a porta¡±, ¡°Eu sou¡±, e basta", diz o religioso capuchinho.

Cidade do Vaticano

O Papa Francisco presidiu na tarde da Sexta-feira Santa na Basílica de São Pedro a Celebração da Paixão do Senhor. O pregador da Casa Pontifícia, Frei Raniero Cantalamessa, propôs aos presentes a reflexão intitulada: "Quem viu dá testemunho".

Confira a pregação na íntegra:

"Chegando, porém, a Jesus, como o vissem já morto, não lhe quebraram as pernas, mas um dos soldados abriu-lhe o lado com uma lança e, imediatamente, saiu sangue e água. O que foi testemunha desse fato o atesta (e o seu testemunho é digno de fé, e ele sabe que diz a verdade), a fim de que vós creiais." (Jo 19, 33-35).

Ninguém jamais será capaz de nos convencer de que esta atestação solene não corresponda à verdade histórica, que quem afirma ter estado presente e visto, na realidade, não estava presente nem viu. Neste caso, vai depender da honestidade do autor. No Calvário, aos pés da cruz, estava a mãe de Jesus e, ao lado dela, "o discípulo a quem Jesus amava". Nós temos uma testemunha ocular!

Ele "viu" não apenas o que acontecia sob o olhar de todos. À luz do Espírito Santo, depois da Páscoa, ele também viu o sentido do que acontecera: que naquele momento estava sendo imolado o verdadeiro Cordeiro de Deus e era realizado o sentido da Páscoa antiga; que Cristo na cruz era o novo templo de Deus, de cujo lado, como o profeta Ezequiel predisse (47, 1 ss.), jorra a água da vida; que o espírito que ele emite no momento da morte dá início à nova criação, como ¡°o espírito de Deus¡±, pairando sobre as águas, tinha transformado no princípio o caos no cosmos. João entendeu o significado das últimas palavras de Jesus: "Tudo está consumado" (Jo 19, 30).

Mas por que, nos perguntamos, essa ilimitada concentração de significado sobre a cruz de Cristo? Por que essa onipresença do Crucifixo em nossas igrejas, nos altares e em todos os lugares frequentados pelos cristãos? Alguém sugeriu uma chave para a leitura do mistério cristão, dizendo que Deus se revela "sub contraria specie¡±, sob o contrário daquilo que ele na verdade é: revela seu poder na fraqueza, sua sabedoria na loucura, sua riqueza na pobreza ...

Esta chave de leitura não se aplica à cruz. Na cruz Deus se revela como "sub propria specie¡±, pelo que ele é, na sua realidade mais íntima e mais verdadeira. "Deus é ágape", escreve João (1 Jo 4,10), amor oblativo, e somente na cruz se torna manifesto quão longe vai esta infinita capacidade de autodoação de Deus. ¡°Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim¡± (Jo 13, 1); ¡°De tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu (à morte) seu filho único¡± (Jo 3, 16); "Me amou e se entregou (à morte) por mim¡± (Gl 2, 20).

***

No ano em que a Igreja celebra um sínodo sobre os jovens e quer colocá-los no centro da sua preocupação pastoral, a presença no Calvário do discípulo a quem Jesus amava contém uma mensagem especial. Temos todos os motivos para acreditar que João aderiu a Jesus quando ainda era muito jovem. Foi uma verdadeira paixão. Todo o resto deixou, de repente, de ter importância. Foi um encontro ¡°pessoal¡±, existencial. Se no centro do pensamento de Paulo está a obra de Jesus, o seu mistério pascal de morte e ressurreição, no centro do pensamento de João está o ser, a pessoa de Jesus. Daí todos aqueles "Eu sou" das ressonâncias eternas que abundam em seu Evangelho: ¡°Eu sou o caminho, a verdade e a vida¡±, ¡°Eu sou a luz¡±, ¡°Eu sou a porta¡±, ¡°Eu sou¡±, e basta.

João era quase certamente um dos dois discípulos do Batista que, ao aparecer na cena de Jesus, foi atrás dele. À pergunta deles: "Rabino, onde você mora?", Jesus respondeu: "Venham e vejam". "Então eles foram e naquele dia ficaram com ele; era cerca de quatro horas da tarde" (Jo 1, 35-39). Naquela hora, ele decidira de sua vida e nunca o esquecera.

Neste ano, esforçar-nos-emos justamente por descobrir com eles o que Cristo espera dos jovens, o que eles podem dar à Igreja e à sociedade. O mais importante, porém, é fazer os jovens saberem o que Jesus tem para lhes dar. João descobriu ficando com ele: ¡°vida em abundância¡±, ¡°alegria plena¡±. Quem mais do que Jesus tem respostas para dar aos jovens de hoje e de todos os tempos?

Façamos de tal forma que em todos os discursos sobre jovens e aos jovens ressoem de fundo o sincero convite do Santo Padre na Evangelii gaudium: ¡°Convido todo o cristão, em qualquer lugar e situação que se encontre, a renovar hoje mesmo o seu encontro pessoal com Jesus Cristo ou, pelo menos, a tomar a decisão de se deixar encontrar por Ele, de O procurar dia a dia sem cessar. Não há motivo para alguém poder pensar que este convite não lhe diz respeito¡± (EG, n º 3). Encontrar-se pessoalmente com Cristo é possível também hoje porque ele ressuscitou; é uma pessoa viva, não um personagem. Tudo é possível depois deste encontro pessoal; nada mudará realmente na vida sem isto.

* * *

Além do exemplo de sua vida, o evangelista João também deixou uma mensagem escrita aos jovens. Em sua primeira carta, lemos essas comoventes palavras de um homem idoso dirigidas aos jovens das igrejas que ele fundou:

"Jovens, eu vos escrevi, porque sois fortes e a palavra de Deus permanece em vós, e vencestes o Maligno. Não ameis o mundo nem as coisas do mundo. Se alguém ama o mundo, não está nele o amor do Pai." (1 Jo 2: 14-15)

O mundo que não devemos amar e ao qual não devemos nos conformar não é, nós sabemos, o mundo criado e amado por Deus, não são os homens do mundo aos quais, na verdade, devemos sempre ir ao encontro, especialmente os pobres, os últimos. O ¡°misturar-se¡± com este mundo do sofrimento e da marginalização é, paradoxalmente, a melhor maneira de "separar-se" do mundo, porque é caminhar exatamente para onde o mundo foge com todas as suas forças. É separar-se do próprio princípio que governa o mundo, que é o egoísmo.

Não, o mundo que não devemos amar é outro; é o mundo transformado sob o dominio de satanás e do pecado, ¡°o espírito que está no ar¡±, o chama São Paulo (Ef 2, 1-2). A opinião pública tem um papel chave nisso, hoje também literalmente espírito ¡°que está no ar¡± porque se espalha através do éter, através das infinitas possibilidades da técnica. "Se determina um espírito de grande intensidade histórica, ao qual o indivíduo dificilmente pode escapar. Deve-se seguir o espírito geral, é o óbvio. Agir ou pensar ou dizer algo contra isso é considerado insensato ou até mesmo uma injustiça ou um crime. Então já não se atreve a por-se diante das coisas e das situações e especialmente da vida de forma diferente de como tudo se apresenta[1]".

É o que chamamos de adaptação ao espírito dos tempos, conformismo. Um grande poeta crente do século passado, T.S. Eliot, escreveu três versos que dizem mais do que livros inteiros: "Em um mundo de fugitivos, a pessoa que toma a direção oposta parecerá um desertor[2]."  Queridos jovens cristãos, se é permitido a um ancião como João dirigir-se diretamente a vocês, eu lhes exorto: sejam daqueles que tomam a direção oposta! Atrevam-se a nadar contra a corrente! A direção oposta, para nós, não é um lugar, é uma pessoa, é Jesus nosso amigo e redentor.

Uma tarefa, especialmente, lhes é confiada: salvar o amor humano da deriva trágica na qual acabou: o amor que não é mais dom de si, mas somente possessão ¨C muitas vezes violenta e tirânica ¨C do outro. Na cruz, Deus se revelou como ágape, o amor que se doa. Mas o ágape nunca se separou do eros, do amor de busca, do desejo e da alegria de ser amado novamente. Deus não nos faz somente a ¡°caridade¡± de amar-nos; nos deseja, em toda a Bíblia se revela como o esposo apaixonado e ciumento. Também o seu é um amor ¡°erótico¡±, no sentido nobre deste termo. É o que explicou Bento XVI na encíclica ¡°Deus caritas est¡±.

"Eros e ágape, - amor ascendente e amor descendente - nunca se deixam separar completamente um do outro [...]. A fé bíblica não constrói um mundo paralelo ou um mundo oposto ao fenômeno humano original que é o amor, mas aceita todo o homem intervindo em sua busca de amor para purificá-la, abrindo-lhes novas dimensões ao mesmo tempo "(7 -8).

Não se trata, portanto, de renunciar às alegrias do amor, da atração e do eros, mas de saber unir o ágape com o eros, o desejo do outro, a capacidade de se doar ao outro, recordando o que São Paulo comenta como uma fala de Jesus: "Há mais alegria em dar do que em receber" (At 20, 35).

É uma capacidade que não se inventa em um dia. É necessário preparar-se para fazer um dom total de si mesmo a outra criatura no matrimônio, ou a Deus na vida consagrada, começando com o doar o próprio tempo, o próprio sorriso e a própria juventude em família, na paróquia, no voluntariado. O que muitos de vocês fazem silenciosamente.

Jesus na cruz não nos deu apenas o exemplo de um amor de doação levado ao extremo; ele nos mereceu a graça de podê-lo atuar, em pequena parte, na noss vida. A água e o sangue jorrados do seu lado chegam a nós hoje nos sacramentos da Igreja, na Palavra, até só olhando com fé o Crucifixo. Uma última coisa João viu profeticamente sob a cruz: homens e mulheres de todos os tempos e de todos os lugares que olhavam para "aquele que foi transpassado" e choravam de arrependimento e consolo (ver Jo 19, 37; Zc 12,10). A eles nos unimos também nós nos gestos litúrgicos que daqui a pouco se seguirão".

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[1] H. Schlier, Demoni e spiriti maligni nel Nuovo Testamento, in Riflessioni sul Nuovo Testamento  Paideia, Brescia 1976, pp. 194 s.

[2] T. S. Eliot, Family Reunion, part II, sc. 2: ¡°In a world of fugitives - The person taking the opposite direction - Will appear to run away¡±.

(Tradução Thácio Siqueira, )

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