Papa: pessoas consagradas sejam exemplo de amor num mundo de rela??es superficiais
Jane Nogara - Cidade do Vaticano
Na tarde deste sábado, 1º de fevereiro, foi realizada a Na ocasião o Papa Francisco proferiu sua homilia dedicada aos consagrados, meditando sobre o modo como, disse, ¡°através dos votos de pobreza, castidade e obediência que professastes, também vós podeis ser portadores de luz para as mulheres e homens do nosso tempo¡±.
A pobreza faz-se portadora de bênçãos
A pobreza, disse o Papa, ¡°está radicada na própria vida de Deus, eterno e total dom recíproco do Pai, do Filho e do Espírito Santo¡±. ¡°Exercendo a pobreza¡±, continuou, ¡°a pessoa consagrada, pelo uso livre e generoso de todas as coisas, com estas faz-se portadora de bênção: manifesta a sua bondade na ordem do amor, rejeita tudo o que pode ofuscar a sua beleza: o egoísmo, a avareza, a dependência [...] e abraça, em vez disso, tudo o que a pode exaltar: a sobriedade, a generosidade, a partilha, a solidariedade¡±.
Na renúncia, o primado absoluto do amor de Deus
Sobre este ponto Francisco explicou que na renúncia ao amor conjugal e no caminho da continência, os consagrados ¡°reafirmam o primado absoluto, para o ser humano do amor de Deus, acolhido com um coração indiviso e esponsal¡±. Vivemos em um mundo marcado por formas distorcidas de afetividade. O Papa fala das consequências: ¡°Isto gera nas relações, atitudes de superficialidade e precariedade, egocentrismo¡±. Num contexto assim, ¡°a castidade consagrada mostra ao homem e à mulher do século XXI um caminho para curar o mal do isolamento, no exercício de um modo de amar livre e libertador, que acolhe e respeita todos e não obriga nem rejeita ninguém¡±. Recomendando em seguida ¡°é importante, nas nossas comunidades, cuidar do crescimento espiritual e afetivo das pessoas, na formação inicial e permanente¡±.
A obediência consagrada é um antídoto ao individualismo
Ao falar sobre a luz da obediência o Papa recorda a relação entre Jesus e o Pai como uma graça libertadora de uma dependência filial e não servil, rica de sentido de responsabilidade e animada pela confiança recíproca. Na nossa sociedade tendemos a falar muito e escutar pouco, não nos comprometemos com nada. Neste contexto Francisco disse: ¡°A obediência consagrada é um antídoto contra esse individualismo solitário, promovendo como alternativa um modelo de relação marcado pela escuta ativa, onde ao ¡®dizer¡¯ e ao ¡®ouvir¡¯ se segue a concretude do ¡®agir¡¯, mesmo que à custa de renunciar aos meus próprios gostos, planos e preferências¡±.
Retorno às origens
Por fim o Papa abordou outro ponto: o ¡°retorno às origens¡±, de que tanto se fala hoje na vida consagrada. Francisco foi claro ao dizer que o ¡°retorno às origens de cada consagração é, para todos nós, aquele retorno a Cristo e ao seu ¡®sim¡¯ ao Pai¡±. Concluindo disse ainda que a renovação ¡°se faz diante do Sacrário, na adoração, redescobrindo as próprias Fundadoras e Fundadores, sobretudo como mulheres e homens de fé, e repetindo com eles, na oração e na oferta de si¡±.
HOMILIA DO PAPA FRANCISCO
«Eis que venho [¡] para fazer, ó Deus, a tua vontade» (Heb 10, 7). Com estas palavras, o autor da Carta aos Hebreus manifesta a total adesão de Jesus ao projeto do Pai. Hoje, lemo-las na festa da Apresentação do Senhor, Dia Mundial da Vida Consagrada, durante o Jubileu da Esperança, num contexto litúrgico caracterizado pelo simbolismo da luz. E todos vós, irmãs e irmãos, que escolhestes a vida dos conselhos evangélicos, vos consagrastes, como «Esposa na presença do Esposo [¡] envolvida pela sua luz» (São João Paulo II, Exort. ap. Vita consecrata, 15), vós sois consagrados àquele mesmo desígnio luminoso do Pai que remonta às origens do mundo. Ele terá a sua plena realização no fim dos tempos, mas já agora se torna visível através das «maravilhas que Deus realiza na frágil humanidade das pessoas chamadas» (ibid., 20). Meditemos, pois, sobre o modo como, através dos votos de pobreza, castidade e obediência que professastes, também vós podeis ser portadores de luz para as mulheres e homens do nosso tempo.
Primeiro aspecto: a luz da pobreza. Ela está radicada na própria vida de Deus, eterno e total dom recíproco do Pai, do Filho e do Espírito Santo (cf. ibid., 21). Exercendo a pobreza, a pessoa consagrada, pelo uso livre e generoso de todas as coisas, com estas faz-se portadora de bênção: manifesta a sua bondade na ordem do amor, rejeita tudo o que pode ofuscar a sua beleza ¨C o egoísmo, a avareza, a dependência, o uso violento e para fins de morte ¨C e abraça, em vez disso, tudo o que a pode exaltar: sobriedade, a generosidade, a partilha, a solidariedade. E Paulo o diz: «Tudo é vosso. Mas vós sois de Cristo e Cristo é de Deus» (1Cor 3, 22-23). Isso é a pobreza.
O segundo elemento é a luz da castidade. Também esta tem a sua origem na Trindade e manifesta um «reflexo do amor infinito que une as três Pessoas divinas» (Vita consecrata, 21). Na renúncia ao amor conjugal e no caminho da continência, a sua profissão reafirma o primado absoluto, para o ser humano, do amor de Deus, acolhido com um coração indiviso e esponsal (cf. 1Cor 7, 32-36), e aponta-o como fonte e modelo de qualquer outro amor. Sabemo-lo; nós estamos vivendo num mundo frequentemente marcado por formas distorcidas de afetividade, em que o princípio ¡°o que me agrada acima de tudo¡± - aquele princípio - leva a procurar no outro mais a satisfação das próprias necessidades do que a alegria de um encontro fecundo. É verdade. Isto gera, nas relações, atitudes de superficialidade e precariedade, egocentrismo e hedonismo, imaturidade e irresponsabilidade moral, em que o esposo e a esposa de uma vida inteira são trocados pelo parceiro do momento, e os filhos recebidos como dom são substituídos pelos filhos ou exigidos como ¡°direito¡± ou eliminados como ¡°incómodo¡±.
Irmãs, irmãos, em um contexto assim, perante a «necessidade crescente de transparência interior nas relações humanas» (Vita consecrata, 88) e de humanização dos laços entre as pessoas e as comunidades, a castidade consagrada nos mostra ao homem e à mulher do século XXI um caminho para curar o mal do isolamento, no exercício de um modo de amar livre e libertador, que acolhe e respeita todos e não obriga nem rejeita ninguém. Que remédio para a alma é encontrar religiosas e religiosos capazes deste tipo de relacionamento maduro e alegre! Eles são um reflexo do amor divino (cf. Lc 2, 30-32). Para isso, porém, é importante, nas nossas comunidades, cuidar do crescimento espiritual e afetivo das pessoas, já a partir da formação inicial e também permanente, para que a castidade mostre verdadeiramente a beleza do amor que se doa, e não surjam fenómenos deletérios como o endurecimento do coração ou a ambiguidade das escolhas, fonte de tristeza e insatisfação e causa, por vezes, em sujeitos mais frágeis, do desenvolvimento de verdadeiras ¡°vidas duplas¡±. A luta contra a tentação da vida dupla é cotidiana. É cotidiana.
E chegamos ao terceiro aspecto: a luz da obediência. O texto que escutámos fala-nos também disso, apresentando-nos, na relação entre Jesus e o Pai, a «graça libertadora de uma dependência filial e não servil, rica de sentido de responsabilidade e animada pela confiança recíproca» (Vita consecrata, 21). Éprecisamente a luz da Palavra que se torna dom e resposta de amor, sinal para a nossa sociedade, na qual tendemos a falar muito e a escutar pouco: na família, no trabalho e sobretudo nas redes sociais, onde podemos trocar uma quantidade infinita de palavras e imagens sem nunca nos encontrarmos realmente, porque não nos comprometemos verdadeiramente uns com os outros. E isso é uma coisa interessante. Muitas vezes, no diálogo cotidiano, antes mesmo de alguém terminar de falar, a resposta já sai. Não se escuta. Ouvir-nos antes de responder. Acolher a palavra do outro como uma mensagem, como um tesouro, também como uma ajuda para mim.
A obediência consagrada é um antídoto contra esse individualismo solitário, promovendo como alternativa um modelo de relação marcado pela escuta ativa, onde ao ¡°dizer¡± e ao ¡°ouvir¡± se segue a concretude do ¡°agir¡±, e isto mesmo que à custa de renunciar aos meus próprios gostos, planos e preferências. Só assim, com efeito, a pessoa pode experimentar profundamente a alegria do dom, superando a solidão e encontrando o sentido da sua existência no grande projeto de Deus.
Gostaria de concluir recordando um outro ponto: o ¡°retorno às origens¡±, de que tanto se fala hoje na vida consagrada. Mas não um retorno às origens como retorno a um museu, não. Retorno precisamente à origem da nossa vida. A este propósito, a Palavra de Deus que escutámos recorda-nos que o primeiro e mais importante ¡°retorno às origens¡± de cada consagração é, para todos nós, aquele retorno a Cristo e ao seu ¡°sim¡± ao Pai. Lembra-nos que a renovação, antes dos encontros e das ¡°mesas redondas¡± ¨C que se deve fazer, são úteis ¨C, se faz diante do Sacrário, na adoração. Irmãs e irmãos, nós perdemos um pouco os entido da adoração. Somos muito práticos, queremos fazer as coisas, mas...Adorar. Adorar. A capacidade de adoração no silêncio. E assim se redescobre as próprias Fundadoras e Fundadores, sobretudo como mulheres e homens de fé, e repetindo com eles, na oração e na oferta: «Eis que venho [¡] para fazer, ó Senhor, a tua vontade» (Heb 10,7).
Muito obrigado pelo vosso testemunho. É um fermento da Igreja. Obrigado.
Obrigado por ter lido este artigo. Se quiser se manter atualizado, assine a nossa newsletter clicando aqui e se inscreva no nosso canal do WhatsApp