Papa Francisco: dez anos de impulso mission¨¢rio, nos caminhos da miseric¨®rdia e da paz
Isabella Piro ¨C Pope
¡°O tempo é maior que o espaço¡±: esta afirmação do Papa Francisco, contida em sua primeira exortação apostólica, Evangelii gaudium, sintetiza de forma fecunda os dez anos que se passaram desde o início de seu pontificado. Para Jorge Mario Bergoglio, de fato - o primeiro Papa jesuíta, o primeiro nativo da América Latina, o primeiro a escolher o nome de Francisco e, nos tempos modernos, a ser eleito após a renúncia de seu antecessor - "o espaço cristaliza os processos, o tempo, pelo contrário, projeta-se para o futuro e impele a caminhar com esperança¡±. Eis, então, que esta acepção do tempo se torna uma chave para entender o Pontificado atual que se desenvolve em duas modalidades: uma progressiva e outra circular. A primeira é aquela que permite "iniciar processos"; a segunda, é a dimensão do encontro e da fraternidade.
Na dimensão progressiva há, em primeiro lugar, a Constituição Apostólica Praedicate evangelium. Promulgada em 2022, dá uma estrutura mais missionária à Cúria. Entre as inovações introduzidas, destacam-se a criação do Dicastério para o Serviço da Caridade e do novo Dicastério para a Evangelização, presidido diretamente pelo Pontífice. O documento também se concentra no envolvimento de leigos e leigas na Cúria Romana e finaliza as numerosas reformas implementadas, ao longo de uma década, pelo Papa Francisco na esfera econômica e financeira, incluindo a criação da Secretária para a Economia em 2015.
Os processos iniciados por Bergoglio também dizem respeito ao ecumenismo, ao diálogo inter-religioso e à sinodalidade. Em 2015, foi instituído o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, celebrado todos os anos no dia 1º de setembro junto com a Igreja Ortodoxa, para exortar os cristãos a uma "conversão ecológica". Uma exortação reiterada também na segunda encíclica do Pontífice (a primeira, Lumen fidei, é compartilhada com seu predecessor, Bento XVI), Laudato si' sobre o cuidado da casa comum, publicada também em 2015. A espinha dorsal do documento é a exortação a uma "mudança de rumo" para que o homem assuma a responsabilidade de "cuidar da casa comum". Um compromisso que inclui também a erradicação da pobreza, a atenção aos pobres e o acesso justo de todos aos recursos do planeta.
Em 12 de fevereiro de 2016, porém, em Cuba, Francisco se encontrou com o Patriarca de Moscou e de toda a Rússia, Kirill, e com ele assinou uma declaração conjunta para colocar em prática "o ecumenismo da caridade", ou seja, o compromisso comum dos cristãos para construir uma humanidade fraterna. Um compromisso tragicamente atual quando, em 16 de março de 2022, em plena guerra na Ucrânia, Francisco e Kirill tiveram uma conversa on-line, na qual reafirmaram seu esforço comum de ¡°deter o fogo¡±, focando no ¡°processo de negociação¡±. Inesquecível, portanto, foi a peregrinação ecumênica de paz ao Sudão do Sul, realizada no mês passado pelo Pontífice junto com o arcebispo de Cantuária, Justin Welby, e o moderador da assembleia geral da Igreja da Escócia, Iain Greenshields. Quanto ao diálogo inter-religioso, um marco é representado pelo documento sobre a Fraternidade humana para a paz mundial e a coexistência comum, assinado em 4 de fevereiro de 2019 pelo Papa e o Grão Imame de Al-Azhar Ahamad al-Tayyib, em Abu Dhabi. O texto é um passo fundamental nas relações entre cristianismo e Islã, pois incentiva o diálogo inter-religioso e condena inequivocamente o terrorismo e a violência. No âmbito da sinodalidade, Francisco implementa uma importante mudança: a próxima assembleia geral ordinária, a 16ª, marcada, no Vaticano, em dois momentos, em 2023 e em 2024, sobre o tema ¡°Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão¡±, será a etapa final de um caminho de três anos feito de escuta, discernimento, consulta e dividido em três fases: diocesana, continental, universal.
Na progressiva escansão temporal de Francisco há também a luta contra os abusos, culminando na cúpula sobre a proteção de menores, realizada no Vaticano em fevereiro de 2019. Expressão clara da vontade da Igreja de agir com verdade e transparência, o encontro tem que como resultado, o Motu proprio Vos estis lux mundi, que estabelece novos procedimentos para denunciar assédio e violência e garantir que bispos e superiores religiosos prestem contas ??de suas ações.
A segunda dimensão, a "circular" do tempo do Papa Bergoglio, gira em torno da atenção às periferias, tanto geográficas quanto existenciais: daqui, diz Francisco, vê-se melhor a realidade do que do centro, e é daqui que se volta enriquecidos em pensamento e no coração. São emblemáticas as 40 viagens apostólicas internacionais, quase todas com metas periféricas, bem como as 36 visitas a Itália, divididas entre momentos privados e viagens públicas: a primeira, realizada em 8 de julho de 2013, teve como destino a ilha de Lampedusa, o centro dramático do fenômeno migratório no Mediterrâneo. De grande importância também a visita, em abril de 2016, ao campo de refugiados de Lesbos, na Grécia, ao final da qual Francisco acolhe 12 refugiados sírios no voo papal, para que sejam ajudados em Roma. O tema das migrações, (a desenvolver segundo quatro verbos: acolher, proteger, promover e integrar) é outra declinação do "tempo circular" do atual Pontificado, pois engloba a luta constante contra a "cultura do descarte" e a ¡°globalização da indiferença¡±.
Do "tempo circular" de Bergoglio faz parte também o compromisso incessante pela paz. Uma expressão admirável disso é a Encíclica Fratelli tutti. Divulgada em 4 de outubro de 2020, ela convoca à fraternidade e à amizade social e diz firmemente não à guerra. Dois anos depois, quando se deflagra o conflito na Ucrânia, parecerá profética a exortação contida neste documento para uma "paz real e duradoura" que parta de uma "ética global da solidariedade", num mundo que vive cada vez mais "uma terceira guerra mundial em pedaços".
Outros exemplos desta ¡°diplomacia da paz¡± promovida pelo Papa são a ¡°Invocação pela paz na Terra Santa¡±, realizada em 8 de junho de 2014 nos Jardins Vaticanos junto com os presidentes de Israel, Shimon Peres, e da Palestina, Mahmoud Abbas; e o estabelecimento das relações diplomáticas entre os Estados Unidos e Cuba, em 17 de dezembro do mesmo ano. Um acontecimento histórico pelo qual o próprio Francisco passou meses, enviando cartas aos chefes de Estado dos dois países, Barack Obama e Raúl Castro, para exortá-los a "iniciar uma nova fase". Na mesma linha também segue o acordo provisório entre a Santa Sé e a República Popular da China sobre a nomeação dos bispos, estipulado em 2018, renovado em 2020 e prorrogado por mais dois anos em 2022. Neste último ano, aliás, marcado polo conflito na Ucrânia, o Papa está pessoalmente comprometido com a paz: em 25 de fevereiro de 2022, visitou o embaixador da Federação Russa junto à Santa Sé, Alexander Avdeev, e em várias ocasiões falou ao telefone com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky. Além disso, seus apelos para calar as armas foram numerosos e repetidos.
Também a evangelização - aliás, a paixão pela evangelização, como afirma o tema do ciclo de catequese da audiência geral em andamento - faz parte da dimensão temporal "circular" de Francisco: explicitada em 2013 desde a Evangelii gaudium, deve ser caracterizada pela alegria, pela "beleza do amor salvífico de Deus", por uma Igreja "em saída", próxima aos fiéis, pronta para a "revolução da ternura".
Além disso, o vínculo entre Francisco e seus predecessores é forte, marcado em 27 de abril de 2014, pela canonização de João XXIII e João Paulo II. A eles se unem Paulo VI, canonizado em 14 de outubro de 2018, e João Paulo I, beatificado em 4 de setembro de 2022, cujo o Papa atual recorda o sorriso, símbolo de ¡°uma Igreja com rosto feliz¡±. No entanto, um lugar especial cabe ao Papa Emérito Bento XVI, falecido em 31 de dezembro de 2022. Em dez anos, o Papa não esconde o imenso respeito que sente por Joseph Ratzinger: em diversas ocasiões elogia sua sutileza teológica, gentileza e dedicação. Em 5 de janeiro deste ano, presidiu seu funeral na Praça São Pedro, o primeiro Pontífice da era contemporânea a celebrar o funeral de um seu predecessor.
Agora, portanto, Francisco inicia o décimo primeiro ano de pontificado e o faz acompanhado de esperança: quem espera nunca será desiludido, diz o Papa, porque a esperança tem o rosto do Senhor Ressuscitado.
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