Papa Francisco e a história de Joy: a fé que salva do desespero
PAPA FRANCISCO
Aceitei de bom grado o convite para escrever este breve prefácio, com a intenção específica de entregar aos leitores o testemunho de Joy como "patrimônio da humanidade".
Joy é uma jovem que, na Itália, teve um segundo nascimento. Sua pátria é a Nigéria, um canto do nosso planeta onde ela viu a luz do sol pela primeira vez e onde sua vida começou a viagem.
Com este livro, Joy oferece sua história pessoal a cada mulher e a cada homem que cultive uma paixão autêntica pela salvaguarda da vida. Ela nos restitui sua dramática experiência de viagem, com a simplicidade dos testemunhos que, narrados, dão voz a Deus: em cada detalhe de sua história, de fato, Deus está ao seu lado, como um protagonista oculto e silencioso, mas nem por isso inerte nos eventos narrados.
A travessia do deserto, os meses passados nos campos de detenção da Líbia, a viagem no mar, durante a qual foi salva do naufrágio, são todos capítulos de uma narrativa autobiográfica e coral. À medida que nos inteiramos de sua história, aparecem diante de nossos olhos também Loweth, Glory, Esoghe, Sophia, Mary, amigas que têm uma história semelhante a dela e de milhares de jovens nigerianas.
A de Joy é uma história comum a muitas outras pessoas, como ela raptadas em uma corrente infernal e atingidas pela tragédia da invisibilidade do tráfico. Uma história tão desconhecida quanto sinistramente onipresente em nossas sociedades globalizadas.
Olhando mais de perto, sua via crucis se desdobra como um mosaico de realidades vividas por tantos irmãos e irmãs mais vulneráveis, tornados "transparentes" aos olhos dos outros.
Somente após sua chegada à Itália, Joy descobriu que havia sido enganada e que havia caído nas mãos de traficantes de seres humanos. Esses percursos de desumanização parecem apresentar uma constante em sua “gênese”, na maneira como se iniciam: o ser forçados a deixar o próprio país de origem, para ir engrossar as periferias das grandes metrópoles. Dispersos no anonimato, esses "invisíveis" perdem progressivamente aqueles pontos de referência de identidade que os ancoram à própria cultura.
É o que acontece ainda hoje, com tantas famílias. Os traficantes, indivíduos inescrupulosos que prosperam com a desgraça dos outros, se aproveitam do desespero das pessoas para subjugá-las ao seu poder. Chega-se, até mesmo, a planejar a traição “metódica”: as vítimas são privadas de informações claras, até o momento em que o abuso e a violência da rua preponderam e acabam por matar sonhos.
Foi o que aconteceu com Joy e seus amigos.
Neste ponto não posso deixar de dirigir ao leitor uma pergunta: visto que são inúmeras as jovens, vítimas do tráfico, que acabam nas ruas das nossas cidades, quanto esta realidade condenável deriva do fato que muitos homens, aqui, requerem esses “serviços” e se mostram dispostos a comprar outra pessoa, aniquilando-a em sua dignidade inalienável?
Ao ler este memorial, somos levados a descobrir, página após página, o quanto o testemunho de Joy nos encrava diante dos preconceitos e responsabilidades que nos tornam atores coniventes com esses acontecimentos. Far-nos-á bem ficar ao lado de Joy e parar com ela em seus “lugares” de dor indefesa e inocente. Depois de ter parado alí, será impossível permanecer indiferentes quando ouvirmos falar dos barcos à deriva, ignorados e até rejeitados de nossas costas. Joy se encontrava em um deles.
No seu caminho rumo à liberdade, Joy aponta-nos duas realidades fundamentais: antes de tudo, a fé em Deus que salva do desespero. Uma fé inabalável, colocada à prova nos momentos mais difíceis. Em segundo lugar, a comunidade. Joy começou seu renascimento ao ser acolhida pela comunidade “Casa Rut” de Caserta.
Uma casa de acolhida pode ostentar o belo nome de “comunidade” somente quando é capaz de acolher, proteger, integrar e promover todas as formas de vida no seu interior.
Este livro é uma história de fé, um canto de esperança e agradecimento por aqueles que oferecem a própria vida colocando em prática estes quatro verbos com sabor de Evangelho.
Joy ajuda ajuda-nos a todos a abrir os olhos, «a conhecer para melhor compreender». Muitas vezes são precisamente eles, as vítimas dos abusos mais hediondos, a serem uma fonte inesgotável de suporte e apoio para as novas vítimas. Suas recordações revelam-se como recursos de informação de fundamental importância para salvar outros jovens que se encontram nas mesmas condições.
Gostaria de agradecer a todas as pessoas e organizações que, mesmo à custa da sua segurança, ajudam as vítimas da escravidão de hoje. Com sua incansável dedicação, restituem a autoestima àqueles que foram privados de dignidade pessoal; fazem voltar a confiança e a esperança na vida de quem foi enganado e experimentou a imposição do terror por parte daqueles que, após se apresentarem como salvadores, se revelaram algozes.
Levar de volta à luz do sol aquelas pessoas que foram forçadas a viver na escuridão fuliginosa da indiferença social é uma obra de misericórdia da qual não podemos escapar.
Por fim, gostaria de me dirigir a você, Joy.
"Te chamas Joy", foste a alegria da tua mãe desde o ventre materno, e por isso recebeste dela este lindo nome que é também um dos nomes próprios de Deus. Tu és Joy, semelhante a tantas mulheres das quais hoje contamos a história mas, sobretudo, tu "és Joy": única, desejada e tão amada.
Agradeço-te por ter-nos dado a possibilidade de nos unir a esta tua experiência de absoluta coragem, que nos permite entender melhor quem sofre com o tráfico.
Caríssima Joy, como escreves nestas páginas: «somente o amor, que alimenta a paz, o diálogo, a acolhida e o respeito recíproco, pode garantir a sobrevivência do nosso planeta». Por isso, recomendo: «Coragem, estude e não tenha medo». «Brava, continue assim!"
Solenidade do B.V. Maria Assunta ao Céu
São João de Latrão, 15 de agosto de 2020
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