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O Papa a Moneyval: impedir aos mercadores especular no templo da humanidade

Num discurso dirigido aos especialistas do Comitê do Conselho da Europa, que vieram ao Vaticano para a avaliação periódica das medidas contra a lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo, o Papa Francisco lembrou a necessidade de uma finança limpa que esteja a serviço do homem, em particular, dos mais fracos

Raimundo de Lima - Pope

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“A adoração ao antigo bezerro de ouro encontrou uma nova e cruel versão no fetichismo do dinheiro e na ditadura de uma economia sem rosto e sem uma finalidade verdadeiramente humana.”

Foi o que disse o Papa ao receber em audiência na manhã desta quinta-feira (08/10), no Vaticano, o Comitê de especialistas do Conselho da Europa (Moneyval). Trata-se um grupo de especialistas “para a avaliação das medidas contra a lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo”.

Repensar nossa relação com o dinheiro

Após dar as boas-vindas aos presentes e agradecer ao presidente da Autoridade de Informação Financeira pelas palavras que lhe foram dirigidas, o Pontífice ressaltou ter a peito o trabalho que eles realizam em relação a este dúplice objetivo, “estreitamente unido com a tutela da vida, com a convivência pacífica do gênero humano sobre a terra e com uma finança que não oprima os mais fracos e necessitados”.

Francisco disse considerar necessário repensar nossa relação com o dinheiro. Em certos casos – enfatizou –, parece que se tenha aceitado o predomínio do dinheiro sobre o homem.

“Às vezes, para acumular riqueza, não se presta atenção à sua origem, às atividades lícitas ou não que a originaram e à lógica de exploração que pode subjugá-la. Assim, acontece que em alguns âmbitos se toca em dinheiro e se suja as mãos de sangue, do sangue dos irmãos. Ou mesmo, pode acontecer que recursos financeiros sejam destinados a semear o terror, para afirmar a hegemonia do mais forte, do mais prepotente, de quem sem escrúpulos sacrifica a vida do irmão para afirmar o próprio poder.”

Que os pobres não sejam obrigados a deixar seus países

O Santo Padre lembrou que São Paulo VI propôs (na , 51) que, com o dinheiro utilizado nas armas e em outras despesas militares, se constituísse um Fundo mundial para ajudar os mais carentes.

“Retomei tal proposta na Encíclica , pedindo que, ao invés de investir no medo, na ameaça nuclear, química ou biológica, se usem esses recursos “para finalmente eliminar a fome e para o desenvolvimento dos países mais pobres, de modo que seus habitantes não recorram a soluções violentas ou enganosas e não sejam obrigados a deixar seus países para buscar uma vida mais digna” (n.262), enfatizou o Papa.

O Magistério social da Igreja, continuou  Francisco, ressaltou o erro do “dogma” neoliberal segundo o qual a ordem econômica e a ordem moral são tão díspares e estranhas uma da outra que a primeira não dependeria de forma alguma da segunda.

Reagir à idolatria do dinheiro

À luz dos tempos atuais, prosseguiu, se constata que “a adoração ao antigo bezerro de ouro encontrou uma nova e cruel versão no fetichismo do dinheiro e na ditadura de uma economia sem rosto e sem uma finalidade verdadeiramente humana. De fato, a especulação financeira com o lucro fácil como finalidade fundamental continua fazendo destruição”.

Continuando sua reflexão, o Pontífice ressaltou que “quando a economia perde o seu rosto humano, não se serve do dinheiro, mas se serve ao dinheiro. Esta é uma forma de idolatria contra a qual somos chamados a reagir, repropondo a ordem racional das coisas que reconduz ao bem comum, segundo o qual “o dinheiro deve servir e não governar!”

Transparência na gestão dos recursos

Francisco concluiu destacando que em aplicação a tais princípios, o Ordenamento Vaticano empreendeu, também recentemente, algumas medidas sobre transparência na gestão de dinheiro e para combater a lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo.

Em 1º de junho passado, destacou, foi promulgado um Motu Proprio para uma gestão mais eficaz dos recursos e para favorecer a transparência, o controle e a concorrência nos procedimentos de licitação de contratos públicos. Em 19 de agosto, uma ordem do presidente do Governatorato submeteu as Organizações de voluntariado e as Pessoas Jurídicas do Estado da Cidade do Vaticano à obrigação de relatar atividades suspeitas à Autoridade de Informação Financeira.

Desejando bom trabalho e renovando sua gratidão pelo serviço que realizam, Francisco disse ainda aos presentes que as realidades sobre as quais eles são vigilantes se colocam para a proteção de uma “finança limpa”, no âmbito da qual é impedido aos “mercadores” especular naquele templo sagrado que é a humanidade, segundo o desígnio de amor do Criador.

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08 outubro 2020, 11:21