Hiroshima e Nagasaki, 75 anos atrás o duplo holocausto nuclear
Amedeo Lomonaco/Mariangela Jaguraba – Pope
Era 6 de agosto de 1945. Passaram-se algumas semanas do primeiro teste nuclear da história, ocorrido em 16 de julho de 1945 em Alamogordo, no deserto do Novo México. Na Europa, a Segunda Guerra Mundial tinha terminado, mas o Japão, não obstante fosse um país que tinha chegado ao extremo, não tinha a intenção de se render. Eram 8h15 da manhã. A aeronáutica militar americana lançou uma bomba atômica, urânio, codinome "Little Boy". A cidade de Hiroshima, que na época tinha uma população de cerca de 255 mil habitantes, foi atingida. Agredidos por uma verdadeira tempestade quente que avançava a 800 km por hora, pelo menos 70 mil pessoas morreram imediatamente. A estas vítimas somam-se milhares de outras pessoas que perderão a vida por causa da radiação nos dias, meses e anos que se seguiram.
Uma cidade em ruínas
Entre as testemunhas oculares dessa tragédia está o pe. Pedro Arrupe (1907 - 1991), que foi eleito reitor geral da Companhia de Jesus em 1965. Em 6 de agosto de 1945, ele estava na casa de sua comunidade religiosa na periferia de Hiroshima. “Eu estava no meu quarto com outro padre às 8h15â€, escreveu ele lembrando aquele dia, “quando de repente vimos uma luz ofuscante, como um brilho de magnésio. Assim que abri a porta com vista para a cidade, ouvimos uma explosão enorme semelhante à rajada de vento de um furacão. Ao mesmo tempo, portas, janelas e paredes caíram em cima de nós em pedaços. Subimos uma colina para ter uma visão melhor. De lá, vimos uma cidade em ruínas. Procuramos uma maneira para entrar na cidade, mas era impossível. Fizemos a única coisa que podia ser feita na presença de tal carnificina em massa: caímos de joelhos e rezamos para ter uma orientação, porque não tínhamos nenhuma ajuda humanaâ€.
Entre história e memória
Em Hiroshima há um lugar, em particular, que lembra o dia 6 de agosto. É o Memorial da Paz, um edifício construído em 1915 e gravemente danificado pela deflagração nuclear de 1945. É uma advertência indelével para a humanidade. Os seus restos e a cúpula, como recorda a Unesco, são “um símbolo claro e forte da força mais destruidora que o homem tenha criadoâ€. No Museu ali próximo, através de fotografias originais, modelos realistas, impressões artísticas, objetos recuperados e explicações descritivas é possível repercorrer a história de Hiroshima, antes e depois do bombardeio, e os passos dramáticos que precederam, acompanharam e marcaram aquela tragédia.
Nunca mais o rugido das armas
A viagem apostólica do , de 23 a 26 de novembro de 2019, acompanhada pelo lema “Proteger toda vidaâ€, foi uma ponte entre 1945 e hoje, entre a memória daquela catástrofe e a ameaça nuclear que, ainda neste tempo, não foi completamente erradicada. No , em 24 de novembro de 2019, o Pontífice pronunciou estas palavras: “Nunca mais a guerra, nunca mais o rugido das armas, nunca mais tanto sofrimento.†Um grito que se eleva de um lugar onde, após “um raio e fogo, não restou nada além da sombra e do silêncioâ€. “Apenas um instanteâ€, lembrou o Santo Padre, “tudo foi devorado por um buraco negro de destruição e morte. Daquele abismo de silêncio, ainda hoje se continua ouvindo o forte grito daqueles que não existem mais. Vinham de lugares diferentes, tinham nomes diferentes, alguns deles falavam idiomas diferentes. Todos permaneceram unidos pelo mesmo destino, numa hora tremenda que marcou para sempre não apenas a história deste país, mas o rosto da humanidadeâ€.
Tornar-se instrumentos de reconciliação
Em Hiroshima, lembrando todas as vítimas, o Pontífice indicou três imperativos morais: recordar, caminhar juntos e proteger. Não se pode permitir que “as gerações atuais e novas percam a memória do que aconteceuâ€. Deve-se “caminhar juntos, com um olhar de compreensão e perdãoâ€, e abrir-se à esperança, “tornando-se instrumentos de reconciliação e pazâ€. “Isto, acrescentou, “será sempre possível se formos capazes de nos proteger e nos reconhecer como irmãos num destino comumâ€.
Crimes contra o ser humano
O Papa Francisco também expressou o desejo de “ser a voz daqueles cuja voz não é ouvida e que olham com inquietação e angústia para as crescentes tensões que atravessam o nosso tempo, as inaceitáveis desigualdades e injustiças que ameaçam a convivência humana, a grave incapacidade de cuidar da nossa Casa comum, o recurso contínuo e espasmódico às armas, como se pudessem garantir um futuro de pazâ€.
Depois de Hiroshima, o horror se repete em Nagasaki
Três dias após o lançamento da bomba atômica em Hiroshima, uma segunda bomba nuclear foi lançada pela aeronáutica militar estadunidense em outra cidade japonesa. A segunda bomba, de plutônio, é denominada “Fat Manâ€. Era 9 de agosto de 1945. A cidade escolhida pelas forças militares americanas para lançar a bomba era Kokura, um dos maiores arsenais navais do Japão. Mas as condições meteorológicas adversas levam a uma rápida mudança de alvo. Era pouco depois das 11h da manhã. Em Nagasaki, que na época tinha uma população de 240 mil habitantes, a explosão da bomba causou a morte imediata de pelo menos 40 mil pessoas. Nos dias e anos seguintes, outras milhares de vítimas por causa da poeira radioativa. Algumas semanas depois das explosões atômicas em Hiroshima e Nagasaki, o Japão assinou a rendição incondicional. Foi o ato conclusivo da Segunda Guerra Mundial.
Um rosário entre as cinzas
Entre as testemunhas da deflagração nuclear em Nagasaki está o cirurgião e radiologista Paolo Takashi Nagai (1908-1951). Na manhã de 9 de agosto de 1945, ele estava em seu local de trabalho não muito longe do epicentro da explosão. A bomba atingiu plenamente o bairro católico. Naquele dia a catedral estava repleta de fiéis em fila diante do confessionário para se prepararem para a festa da Assunção. Depois do ataque atômico, o dr. Nagai voltou para casa. Entre os escombros, encontrou os restos mortais da sua esposa Midori. Em suas mãos brilhava algo: um terço e um crucifixo. Nos escombros da catedral, o sino foi encontrado intacto. Uns meses depois, na noite de Natal, voltou a tocar. “Nem mesmo uma bomba atômicaâ€, escreveu Nagai, “pode silenciar os sinos de Deusâ€.
Uma pedra preta e os restos da catedral
No momento em que a bomba atômica foi lançada em Nagasaki, em 9 de agosto de 1945, um simples monólito preto lembra o epicentro da explosão. Não muito longe, os restos da Catedral de Urakami ainda são visíveis. Na época da deflagração, era a maior igreja da Ásia Oriental. Na colina atrás do Hypocenter Park fica o Museu da Bomba de Nagasaki. Ele mostra os horrores da guerra através de imagens e testemunhos comoventes.
A estabilidade não se constrói sobre o medo
Em Nagasaki, em 24 de novembro de 2019, no , o Papa fez um apelo por um mundo sem armas nucleares. “A paz e a estabilidade internacionalâ€, sublinhou o Papa, “são incompatíveis com qualquer tentativa de construir sobre o medo da destruição recíproca ou da ameaça de aniquilação total. São possíveis apenas a partir de uma ética global de solidariedade e cooperação a serviço de um futuro moldado pela interdependência e corresponsabilidade em toda a família humana de hoje e de amanhãâ€.
Um mundo em paz
Em Nagasaki, cidade “testemunha das catastróficas consequências humanitárias e ambientais de um ataque nuclearâ€, o Papa recordou que “nunca é demais levantar a voz contra a corrida armamentistaâ€. “Um mundo em paz, livre de armas nucleares, é a aspiração de milhões de homens e mulheres em todo lugar. Transformar este ideal em realidade requer a participação de todos: pessoas, comunidades religiosas, sociedades civis, Estados que possuem armas nucleares e os que não possuem, os setores militar e privado e organizações internacionaisâ€.
Num minuto, o dia do Papa em Hiroshima e Nagasaki
No Japão, Francisco, , exortou “todas as pessoas de boa vontade a continuar promovendo e favorecendo todas as mediações dissuasivas necessárias para que nunca mais, na história da humanidade, se repita a destruição provocada pelas bombas atômicas em Hiroshima e Nagasakiâ€. O diálogo, sublinhou, é “a única arma digna do ser humano, capaz de garantir uma paz duradouraâ€. Neste vídeo, que dura 60 segundos, imagens e palavras fluem para reviver o intenso dia do Papa nas duas cidades japonesas símbolo dos efeitos devastadores da bomba atômica.
O fruto da guerra
Uma foto, tirada em 1945 pelo fotógrafo americano Joseph Roger O'Donnell depois da explosão da bomba atômica em Nagasaki, questiona e ainda abala as consciências. Retrata um menino de 10 anos carregando seu irmãozinho morto nas costas. A imagem abalou fortemente o Papa Francisco que, em 2017, quis que fosse reproduzida num cartão. A fotografia foi acompanhada do comentário “...o fruto da guerraâ€, seguida de sua assinatura. Se veem duas crianças. Uma parece estar dormindo nas costas da outra. Na realidade, está morta. Seu irmão, com um rosto que mostra um sofrimento digno, está esperando que ele seja cremado.
Esta foto e centenas de milhares de rostos extintos para sempre por instantâneos e terríveis “raios de fogo†são olhares indeléveis que, 75 anos após as bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, continuam mantendo acesa a luz da memória. Nos recordam uma enorme tragédia que, como o Papa Francisco sublinhou durante sua viagem apostólica ao Japão em 2019, indicam apenas um caminho para a paz: o de um mundo livre de armas nucleares.
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