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Amoris Laetitia Amoris Laetitia 

Amoris laetitia: porque est¨¢ em continuidade com o ensinamento da Igreja

A te¨®loga belga Laetitia Calmeyn, consultora da Congrega??o para a Doutrina da F¨¦, explica a doutrina sobre a Exorta??o Apost¨®lica Amoris laetitia no contexto da Tradi??o da Igreja

¡°A publicação da Exortação Apostólica deu origem a várias reações e debates entre teólogos e filósofos, entre pastores e fiéis. A problemática pode ser resumida em uma só questão: este documento está dentro da continuidade do ensinamento moral e sacramental da Igreja ou constitui uma ruptura?¡±. Assim inicia a reflexão ¨C publicada no jornal l¡¯Osservatore Romano ¨C da teóloga belga Laetitia Calmeyn, professora de Teologia no Collège des Bernardins de Paris, nomeada em 2018 pelo Papa Francisco como consultora da Congregação para a Doutrina na Fé.

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A nota 351

Entrando nos detalhes, a teóloga fala sobre a nota bibliográfica do oitavo capítulo do documento pontifício, na qual se fala da ajuda dos Sacramentos a serem oferecidos a pessoas que se encontram em situações chamadas ¡°irregulares¡±. Segundo as próprias palavras do Papa, ¡°por causa dos condicionalismos ou dos fatores atenuantes, é possível que uma pessoa, no meio de uma situação objetiva de pecado ¨C mas subjectivamente não seja culpável ou não o seja plenamente ¨C, possa viver em graça de Deus, possa amar e possa também crescer na vida de graça e de caridade, recebendo para isso a ajuda da Igreja¡± (AL, 305). A nota 351 esclarece: ¡°Em certos casos, poderia haver também a ajuda dos Sacramentos¡­¡±

Fautores do proibido e fautores do permitido

Uma certa ¡°focalização¡± no oitavo capítulo ¨C explica a teóloga Calmeyn ¨C ¡°não permite ver com facilidade de que modo o documento na sua totalidade ofereça a possibilidade de perceber uma compreensão que tal ajuda seja conforme à tradição. Cristalizando-se na questão do acesso ou não dos divorciados novamente casados à comunhão, a abordagem midiática não deixou transparecer a contribuição específica da Amoris laetitia. Os fautores do ¡°permitido¡± colocam-se ao longo de uma prática cada vez mais desprovida de juízo moral e de discernimento espiritual. Os fautores do ¡°proibido¡± consideram as exigências da lei moral isolando-as na noção, fundamental e tradicional, representada pela lei da gradualidade. Se a Exortação não pretende responder à questão sobre o acesso ou não aos sacramentos, isso se deve porque o quadro de reflexões no qual se coloca não é o do permitido/proibido, mas o do caminho no e rumo ao bem, portanto o do discernimento, do acompanhamento e da integração das várias situações. É a clássica noção do ¡°caminho no bem¡± também chamada ¡°lei da gradualidade¡±, que nos permite colher a real contribuição da Amoris laetitia e o modo com o qual o documento coloca-se na Tradição".

A moral cristã tem a sua fonte na boa notícia de um Deus que nos chama

¡°Todos ¨C sublinha ¨C passamos pela experiência de uma tensão real entre a exigência manifestada pela moral evangélica e a situação concreta das pessoas, entre a dimensão absoluta dos mandamentos e o caminho de cada um. Semelhantes tensões nos levam a não considerar os valores morais como se fossem um ideal inacessível ou reservado a uma elite, mas como a expressão da misericórdia de Deus que nos oferece a sua graça para entrar, passo a passo, na realização das suas exigências¡±. ¡°A moral cristã tem a sua fonte na boa notícia de um Deus que por amor deu a própria vida por nós. A morte e a ressurreição de Cristo, a salvação, nos ilumina sobre o bem a ser feito aqui e agora. Como o Papa Francisco recorda: ¡®O Evangelho convida, antes de tudo, a responder a Deus que nos ama e salva, reconhecendo-O nos outros e saindo de nós mesmos para procurar o bem de todos. Este convite não há-de ser obscurecido em nenhuma circunstância!¡¯ (EG, 39). Neste sentido pretende mostrar, em Amoris laetitia, como toda a família, por mais ferida que seja, é portadora de uma boa notícia, a boa notícia do amor de Deus por ela, o amor que se é convidado a contemplar e a anunciar para que possa crescer¡±. Portanto, ¡°o bem parece sempre ser possível¡±.

Veritatis splendor

¡°Na encíclica , João Paulo II já descrevia o modo com o qual podemos, até mesmo nos momentos mais obscuros da nossa história, contemplar a verdade e testemunhar, por meio dos nossos atos livres, o ¡®esplendor da Verdade¡¯. A verdade que se fala não tem qualquer ligação com uma certeza intelectual, nem com um sistema de valores em condições de oferecer pontos de referência claros, mas com a oferta que Jesus realizou d¡¯Ele mesmo ao Pai (¡­) E é à luz da entrega total de Cristo que me parece esclarecer a lei da gradualidade, cujo ponto central consiste em estabelecer qual é o bem acessível à determinada pessoa em determinada situação¡±.

Humanae vitae

Portanto a teóloga belga ilustra o conceito da ¡°lei da gradualidade¡±. A noção fala do seu aparecimento no pontificado de João Paulo II, mas a ideia de uma gradualidade já estava presente na encíclica (1968): No parágrafo 14, ao tratar da moral conjugal, Paulo VI afirma que algumas vezes poderia ser lícito tolerar um mal menor, na condição de não desejá-lo positivamente (cf. n. 14). Justamente quando sublinha a necessidade de ensinar e de explicitar a verdade, sem ambiguidade e com paciência, a encíclica convida a adotar um comportamento de atenção às fraquezas do homem, mostrando compaixão pelo pecador (cf. nn. 28-29). Porque é a vida de fé radicada nos sacramentos que permite aos cônjuges cristãos caminhar no bem (cf. n.25)".

Paulo VI esclarece as condições da gradualidade

Em um discurso em 4 de maio de 1970 às Équipes Notre Dame, ¡°Paulo VI esclarece as condições para esse caminho (cf. nn. 13-16). Uma certa gradualidade pode ser admitida em relação aos meios. Mas, é preciso que a vontade seja orientada para o bem, a ponto de reconhecer, ¡®através dos riscos da existência¡¯ os meios adequados a serem adotados¡±. O caminho de perfeição da vida cristã necessita do recurso aos meios da graça, e do próprio Espírito Santo: ¡°todos os recursos da graça da Igreja estão à disposição para ajudá-los [os cônjuges] a se encaminharem para a perfeição do seu amor¡±.

Familiaris consortio

No discurso de encerramento do Sínodo sobre a Família, em 25 de outubro de 1980, João Paulo II chamava explicitamente em causa a ¡°lei da gradualidade¡± considerada como uma das principais contribuições dos trabalhos da assembleia. ¡°A verdade moral é praticável por mais que requeira tempo, um combate paciente e a ajuda da graça. A exortação pós-sinodal (1981) esclarece que o ser humano ¡°conhece ama e cumpre o bem moral segundo as etapas de crescimento¡± (FC, 34). Não se trata da 'gradualidade da lei', mas de um processo que avança gradualmente no cumprimento prudente dos atos livres que se vive graças à ¡°progressiva integração dos dons de Deus e das exigências do seu amor definitivo e absoluto em toda a vida pessoal e social do homem¡± (FC, 9).

Cristo nos redimiu

Na encíclica Veritatis splendor (1993) ¨C observa a teóloga ¨C João Paulo II recorda que ¡°a apresentação clara e vigorosa da verdade moral jamais pode prescindir de um profundo e sincero respeito, animado por um amor paciente e confiante, de que o homem sempre precisa na sua caminhada moral, tornada, com frequência, cansativa pelas dificuldades, debilidades e situações dolorosas¡± (VS, 95). Em seguida esclarece que ¡°as ¡®concretas possibilidades do homem¡¯ estão somente no mistério da Redenção de Cristo. [¡­] Mas 'quais são as concretas possibilidades do homem?' E de que homem se fala? Do homem dominado pela concupiscência ou do homem redimido por Cristo? Porque é disso que se trata: da realidade da redenção de Cristo. Cristo nos redimiu! O que significa: Ele nos deu a possibilidade de realizar toda a verdade do nosso ser; Ele libertou a nossa liberdade do domínio da concupiscência. [¡­] O mandamento de Deus é certamente proporcionado à capacidade do homem: porém às capacidades do homem a quem foi dado o Espírito Santo; do homem que, no caso de cair no pecado, sempre pode obter o perdão e gozar da presença do Espírito¡± (VS, 103).

Uma pedagogia pascal

De fato -  afirma a teóloga ¨C somente a ação da graça livre do pecado permite ¡°renascer do alto¡±. ¡°A gradualidade adquire o próprio significado à luz da pedagogia divina. A sua fonte está enraizada na graça da sequela de Cristo, na lógica sacramental da identificação de Cristo, Aquele ¡°que Deus o fez pecado por nós¡± (2Cor 5,21) ¨C no qual morremos no pecado - e que ressuscitou para nossa vida. Portanto trata-se de uma pedagogia pascal¡±.

Não fechar o caminho da graça com a divisão

Por isso unindo-nos cada vez mais à morte e à ressurreição de Cristo, no testemunho do nosso batismo, que chegamos a discernir a salvação de Deus. Isso supõe que o discernimento, o juízo, o acompanhamento, sejam inscritos em uma dinâmica de fé, de caridade e de esperança; ou seja, de intercessão e de agradecimento. Qual é a semente do bem que entrevejo nesta situação? Como faço para ela crescer? Na Amoris laetitia Papa Francisco se exprime: ¡°Um Pastor não se sente satisfeito se só aplica leis morais¡±. Não se trata de aplicar a lei do externo, o que levaria a um desencorajamento das pessoas no seu caminho. É Cristo que nos oferece a luz para discernir: ¡°O discernimento deve ajudar a encontrar os possíveis caminhos de resposta a Deus e de crescimento através das limitações. Acreditando que tudo seja branco ou preto, algumas vezes fechamos o caminho da graça e do crescimento e desencorajamos percursos de santificação que dão glória a Deus. Devemos recordar que ¡°um pequeno passo, no meio das grandes limitações humanas, pode ser mais agradável a Deus do que a vida externamente correta de quem transcorre os seus dias sem enfrentar sérias dificuldades (cf. , 44).A pastoral concreta dos ministros e das comunidades deve considerar esta realidade¡±. 'Em toda e qualquer circunstância, perante quem tenha dificuldade em viver plenamente a lei de Deus, deve ressoar o convite a percorrer a via caritatis. A caridade fraterna é a primeira lei dos cristãos' (cf. AL, 305-306)".

Amoris laetitia inscrita na Grande Tradição fundamentada no kerygma

Laetitia Calmeyn conclui: ¡°Essa abordagem ao bem praticável não impede que existam males a serem tolerados por não serem imputáveis à pessoa mas causados, por exemplo, ¡°pela ignorância, a inadvertência, a violência, o medo, os hábitos, às afeições desordenadas e outros fatores psíquicos e sociais¡± (CIC, 1735). Deve-se esclarecer que tais males jamais justificam a exceção, como se fosse possível alguém ser dispensado da ação do bem que pode fazer, que lhe é consentido fazer. Porque é sempre pela relação ao Bem, ao Bem Supremo que é a misericórdia de Deus, que somos progressivamente livres do mal. Portanto devemos compreender porque os males que nos afligem não nos eximem de nos dirigirmos a Cristo, Àquele que nos faz observar os mandamentos, recordando que o único modo de não matar é o de dar a vida, o único modo de não cometer adultério é o de ser fiel, o único modo de não roubar é o de partilhar e doar os próprios bens, e o único modo de não dar falso testemunho é o de dar testemunho à verdade, o único modo de não bramar com cupidez é o de agradecer. Semelhante dimensão positiva dos mandamentos é sempre acessível, vive-se passo a passo. Ela nos oferece a lei da gradualidade que é o seu verdadeiro conteúdo. Este caminho no bem e rumo ao bem nos permite perceber como o Amoris laetitiae esteja inscrita na Tradição, a grande Tradição que tem seu fundamento no kerygma. Associando-nos à morte e à ressurreição do Senhor, na intercessão e no agradecimento, chegamos a reconhecer que o bem é mais profundo do que o mal, que a vida borbulha mais profundamente do que a morte, porque é a vida do Ressuscitado¡±.

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21 maio 2019, 09:41