Papa Francisco: a piedade popular ¨¦ o sistema imunit¨¢rio da Igreja
Mariangela Jaguraba - Cidade do Vaticano
O Papa Francisco recebeu em audiência, nesta quinta-feira (29/11), na Sala Regia, no Vaticano, cerca de seiscentos participantes do encontro internacional de Reitores e Colaboradores de Santuários.
O Pontífice esperava esse momento para encontrar os representantes de vários santuários espalhados pelo mundo.
¡°Quanto precisamos dos santuários no caminho cotidiano da Igreja! São lugares em que o nosso povo vai com boa vontade a fim de manifestar sua fé na simplicidade e segundo as tradições que aprenderam desde a infância. De várias formas, os nossos santuários são insubstituíveis, pois mantêm viva a piedade popular, enriquecendo-a com uma formação catequética que sustenta e reforça a fé e alimentando, ao mesmo tempo, o testemunho da caridade¡±, disse Francisco em seu discurso.
¡°Isso é muito importante: manter viva a piedade popular e não esquecer aquele tesouro que é o número 48 da Evangelii Nuntiandi, em que São Paulo VI mudou o nome de ¡°religiosidade popular¡± para ¡°piedade popular¡±. É um tesouro! Essa é a inspiração dessa piedade popular que, por outro lado, como disse um bispo italiano: ¡°A piedade popular é o sistema imunitário da Igreja. Nos salva de muitas coisas¡±, frisou o Papa.
Acolhimento dos peregrinos
O Pontífice destacou a importância do acolhimento dos peregrinos. ¡°Sabemos que cada vez mais os nossos santuários são meta não de grupos organizados, mas de peregrinos individuais ou pequenos grupos autônomos que vão a esses lugares santos. É triste que em sua chegada eles não encontrem ninguém para dar-lhes as boas-vindas e que os acolha como peregrinos que fizeram uma viagem, muitas vezes longa, para chegar ao santuário. Pior ainda quando encontram a porta fechada!¡±
Segundo o Papa, não é possível dar mais atenção às exigências materiais e financeiras, ¡°esquecendo que a realidade mais importante são os peregrinos. Eles são os que contam. Devemos dar atenção a cada um deles, fazendo com que se sintam ¡®em casa¡¯, como um parente esperado por muito tempo que finalmente chegou¡±.
¡°É preciso considerar também que muitas pessoas visitam os santuários porque pertencem à tradição local, porque suas obras de arte atraem ou porque estão situados num ambiente natural de grande beleza e inspiração¡±, disse ainda Francisco.
¡°Essas pessoas, quando são acolhidas, são mais disponíveis a abrir o seu coração e a deixá-lo plasmar pela Graça. Um clima de amizade é uma semente fecunda que os nossos santuários podem semear no terreno dos peregrinos, permitindo-lhes reencontrar aquela confiança na Igreja que pode ter sido desiludida pela indiferença recebida.¡±
Santuário, lugar de oração
Para o Papa, ¡°o Santuário é sobretudo lugar de oração. A maioria dos nossos santuários é dedicada à piedade mariana. Ali, a Virgem Maria abre os braços de seu amor materno para ouvir a oração de cada um e atendê-las. Os sentimentos que todo peregrino sente no fundo do coração são encontrados também na Mãe de Deus. Ali, ela sorri dando consolo. Ali, Ela chora com quem chora. Ali, apresenta a cada um o Filho de Deus em seus braços como o tesouro mais precioso que uma mãe possui. Ali, Maria se faz companheira de caminhada de cada pessoa que olha para ela pedindo uma graça, certa de ser atendida. A Virgem responde a todos com a intensidade de seu olhar que os artistas souberam pintar, guiados do alto na contemplação¡±.
A propósito da oração nos santuários, o Papa sublinhou duas exigências.
¡°A primeira, favorecer a oração da Igreja que com a celebração dos Sacramentos torna presente e eficaz a salvação. Isso permite a qualquer pessoa que esteja presente no santuário de sentir-se parte de uma comunidade maior que de todo canto da terra professa a única fé, testemunha o seu amor e vive a mesma esperança. Muitos santuários surgiram através do pedido de oração feito pela Virgem aos videntes, a fim de que a Igreja não se esquecesse nunca das palavras do Senhor Jesus de rezar sem cessar e permanecer sempre vigilante na espera de seu retorno.¡±
Alimentar a oração do peregrino
Segundo o Pontífice, os santuários são chamados a alimentar a oração de cada peregrino no silêncio de seu coração.
¡°Com as palavras do coração, com o silêncio, com suas fórmulas aprendidas na infância, com os seus gestos de piedade, cada um deve ser ajudado a expressar sua oração pessoal. Muitas pessoas vão ao santuário porque precisam receber uma graça e depois voltam para agradecer, por ter recebido a força e a paz na provação. Essa oração torna os santuários lugares fecundos, para que a piedade popular seja sempre alimentada e cresça na conhecimento do amor de Deus.¡±
O Papa frisou que ninguém nos santuários deve se sentir um estranho, especialmente quando chega ali ¡°com o peso de seu próprio pecado¡±.
Misericórdia
Francisco fez uma observação: ¡°O santuário é o lugar privilegiado para experimentar a misericórdia que não conhece confim. Esse é um dos motivos que me impulsionou a desejar a ¡®Porta da misericórdia¡¯ também nos santuários durante o Jubileu da Misericórdia. De fato, a misericórdia, quando é vivida, torna-se uma forma de evangelização real, porque transforma as pessoas que recebem a misericórdia em testemunhas de misericórdia.¡±
¡°Primeiramente, o Sacramento da Reconciliação, que muitas vezes é feito nos santuários, precisa de sacerdotes bem formados, santos, misericordiosos e capazes de saborear o encontro verdadeiro com o Senhor que perdoa.¡±
¡°Desejo que nunca falte nos Santuários a figura do ¡®Missionário da Misericórdia¡¯ como testemunha fiel do amor do Pai que abre os braços a todos e vai ao encontro feliz por ter reencontrado quem se distanciou. As obras de misericórdia pedem para ser vividas de modo particular em nossos santuários, pois nelas a generosidade e a caridade são realizadas de forma natural e espontânea como atos de obediência e amor ao Senhor Jesus e à Virgem Maria.¡±
O Papa pediu a Nossa Senhora para que ajude e acompanhe os Reitores e Colaboradores de Santuários nessa grande responsabilidade pastoral que lhes foi confiada. ¡°Por favor, não se esqueçam de rezar mim e fazer com que rezem por mim em seu santuários¡±, disse.
Papa conta fato vivido por ele
Antes de concluir, Francisco contou um fato vivido por ele.
¡°O Santuário é um lugar de encontro não somente com o peregrino, com Deus, mas também do encontro de nós pastores com o nosso povo. A Liturgia de 2 de fevereiro nos diz que o Senhor vai ao Santuário para encontrar o seu povo, para sair ao encontro de seu povo, entender o povo de Deus, sem preconceitos, com o faro da fé, com a infallibilitas in credendo da qual fala o número doze da Lumen gentium.¡±
Segundo o Papa, ¡°este encontro é fundamental. Se o pastor que está no santuário não consegue encontrar o povo de Deus, é melhor que o bispo dê a ele outra missão, pois não é adapto para isso. Sofrerá muito e fará o povo sofrer¡±.
¡°Lembro-me de um brilhante professor de literatura. Foi a vida inteira jesuíta. A vida inteira ensinou literatura, mas de alto nível. Depois, aposentou-se e disse ao provincial: ¡°Aposento-me e gostaria de fazer algo de pastoral num bairro pobre, ter contato com o povo, com as pessoas¡±. O provincial lhe confiou um bairro de pessoas piedosas, que iam aos santuários, que tinham essa mística, mas muito pobre, uma favela, mais ou menos. Ele ia à comunidade da Faculdade de Teologia uma vez por semana, onde eu era reitor. Ele passava o dia todo conosco, em fraternidade, depois voltava. Assim, mantinha a vida comunitária. Como era uma pessoa brilhante, um dia me disse: ¡°Você deve dizer ao professor de eclesiologia que lhe faltam dois temas¡±. ¡°Como assim?¡± ¡°Sim, dois temas que ele deve ensinar¡±. ¡°Quais são?¡± ¡°Primeiro: o povo santo fiel de Deus é ontologicamente olímpico, ou seja, faz o que quer, e metafisicamente cansativo¡±. Entendeu, no encontro, como o povo de Deus cansa, porque cansa. Se você está em contato com o povo de Deus, você se cansará. Uma agente pastoral que não se cansa, eu pensaria duas vezes! O olímpico faz o que quer: Lembro-me de quando era professor dos noviços ia todos os anos, e depois como provincial com os noviços, ao Santuário de Salta, no norte da Argentina, nas festas do Senhor dos Milagres. Saindo da missa, uma senhora do povo aproximou-se de um sacerdote com alguns santinhos e lhe disse: ¡°Padre, os abençoe?¡± E o sacerdote, um teólogo muito bom, disse-lhe: ¡°A senhora foi à missa?¡± ¡°Sim¡±. ¡°A senhora sabe que na missa há o sacrifício do calvário, Jesus Cristo está presente?¡± ¡®Sim, padre, sim¡±. ¡°E a senhora sabe que tudo o que está ali foi abençoado?¡± ¡°Sim, padre¡±. ¡°A senhora sabe que a bênção final abençoa tudo?¡± ¡°Sim, padre¡±. Naquele momento estava saindo outro sacerdote que conhecia tudo isso, tocou o padre, virou-se para saudá-lo e a senhora lhe disse: ¡°Padre, abençoa esse santinho?¡± Olímpico! Queria tocar. Este é o sentido mais religioso do contato. As pessoas tocam as imagens. Tocam em Deus. Obrigado pelo que fazem¡±, concluiu Francisco.
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