Via-Sacra no Coliseu
Cidade do Vaticano
INTRODUÇÃO
Os textos das meditações sobre as catorze Estações do rito da Via-Sacra deste ano foram escritos por quinze jovens, com idades entre 16 e 27 anos. O facto encerra duas novidades principais: a primeira, que não tem paralelo nas edições passadas, diz respeito à idade dos autores, jovens e adolescentes (nove deles são alunos do Liceu de Roma Pilo Albertelli); a segunda novidade é a dimensão «coral» deste trabalho, sinfonia de muitas vozes com tonalidades e timbres diversos. Não existem «os jovens», mas Valério, Maria, Margarida, Francisco, Clara, Greta...
Com o entusiasmo típico da sua idade, aceitaram o desafio que lhes foi proposto pelo Papa no âmbito deste ano de 2018, dedicado em geral à geração jovem. Fizeram-no segundo um método concreto de ação: reuniram-se ao redor duma mesa e leram os textos da Paixão de Cristo nos quatro Evangelhos, colocando-se assim diante da cena da Via-Sacra e «viram-na»; depois da leitura, respeitando o tempo necessário, cada um dos jovens manifestou o detalhe da cena que mais o impressionou e, deste modo, foi mais fácil e natural atribuir cada uma das Estações.
Três palavras-chave, três verbos, cadenciam o desenvolvimento destes textos: antes de tudo ¨C como já aludido ¨C ver, depois encontrar e, finalmente, rezar.
Quando se é jovem, quer-se ver, ver o mundo, ver tudo. A cena de Sexta-feira Santa é possante, mesmo na sua atrocidade. Vê-la, pode instigar à repulsa ou então à misericórdia e, consequentemente, a ir ao encontro, precisamente como vemos, no Evangelho, Jesus fazer todos os dias, incluindo este dia, o último: encontra Pilatos, Herodes, os sumos-sacerdotes, os guardas, a sua mãe, o Cireneu, as mulheres de Jerusalém, os dois ladrões seus últimos companheiros de estrada. Quando se é jovem, tem-se a possibilidade diária de encontrar alguém, e cada encontro é novo, surpreendente. Envelhece-se, quando já não se quer ver ninguém, quando o medo que enclausura prevalece sobre a abertura confiante: o medo de mudar, porque encontrar significa mudar, estar pronto a retomar o caminho com olhos novos. Enfim, ver e encontrar impele a rezar, porque a visão e o encontro geram a misericórdia, mesmo num mundo que parece carente de piedade e, num dia como este, abandonado à fúria insensata, à covardia e à preguiça distraída dos homens.
Mas, se seguimos Jesus com o coração, mesmo pelo caminho misterioso da Cruz, então podem renascer a coragem e a confiança e, depois de ter visto e disponibilizar-se ao encontro, experimentaremos a graça de rezar, já não sozinhos, mas em conjunto.
I ESTAÇÃO
Jesus é condenado à morte
Do Evangelho segundo São Lucas 23, 22-25
Pilatos disse-lhes pela terceira vez: «Que mal fez Ele, então? Nada encontrei n¡¯Ele que mereça a morte. Por isso, vou libertá-Lo, depois de O castigar». Mas eles insistiam em altos brados, pedindo que fosse crucificado, e os seus clamores aumentavam de violência. Então, Pilatos decidiu que se fizesse o que eles pediam. Libertou o que fora preso por sedição e homicídio, que eles reclamavam, e entregou-lhes Jesus para o que eles queriam.
Meditação
Vejo-Vos, Jesus, diante do Governador, que tenta por três vezes opor-se à vontade do povo e, por fim, escolhe não escolher perante aquela multidão, a quem interpelara três vezes e sempre decidira contra Vós. A multidão, isto é, todos e ninguém. Escondido na massa de povo, o homem perde a própria personalidade, é voz de outras mil vozes. Antes de Vos renegar a Vós, renega-se a si mesmo, dissipando a sua responsabilidade na responsabilidade flutuante da multidão sem rosto. E todavia é responsável. Desencaminhado por amotinadores, pelo Mal que se propaga com voz insidiosa e ensurdecedora, é o homem a condenar-Vos.
Hoje horrorizamo-nos à vista de tal injustiça, e gostaríamos de aparecer alheios ao caso. Mas, procedendo assim, esquecemo-nos de todas as vezes em que fomos nós os primeiros a escolher salvar Barrabás, no lugar de Vós. Quando os nossos ouvidos ficaram surdos ao apelo do Bem, quando preferimos não ver a injustiça à nossa frente.
Naquela praça repleta, teria sido suficiente que duvidasse um só coração, que se erguesse uma só voz contra as mil vozes do Mal. Sempre que a vida nos puser perante uma decisão, lembremo-nos daquela praça e daquele erro. Permitamos aos nossos corações duvidar e imponhamos à nossa voz de se erguer.
Oração
Peço-Vos, Senhor: velai pelas nossas decisões,
iluminai-as com a vossa Luz,
cultivai em nós o germe duma dúvida:
só o Mal é que nunca duvida.
As árvores que afundam raízes no terreno,
se regadas pelo Mal, murcham,
mas Vós pusestes as nossas raízes no Céu
e a ramagem na terra, para Vos reconhecer e seguir.
Pater noster...
II ESTAÇÃO
Jesus é carregado com a Cruz
Do Evangelho segundo São Marcos 8, 34-35
Chamando a Si a multidão, juntamente com os discípulos, [Jesus] disse-lhes: «Se alguém quiser vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me. Na verdade, quem quiser salvar a sua vida, há de perdê-la; mas, quem perder a sua vida por causa de Mim e do Evangelho, há de salvá-la».
Meditação
Vejo-Vos, Jesus, coroado de espinhos, enquanto recebeis a vossa cruz. Recebei-la, como sempre recebestes tudo e todos. Carregam-Vos com lenho, pesado, rude, mas não Vos rebelais, nem lançais para o lado aquele instrumento injusto e ignóbil de tortura. Tomai-lo sobre Vós e começais a andar, levando-o aos ombros. Quantas vezes me revoltei e zanguei contra as tarefas que recebi, sentindo-as pesadas ou injustas! Vós não procedeis assim. Poucos mais anos tendes que eu; hoje dir-se-ia que ainda sois jovem, mas sois dócil e tomais a sério o que a vida Vos oferece, cada ocasião que se Vos apresenta, como se quisésseis saborear até ao fundo as coisas e descobrir que há sempre algo mais para além do que se vê, um significado oculto e surpreendente. Graças a Vós, compreendo que esta é cruz de salvação e libertação, cruz de apoio quando tropeço, jugo leve, fardo que não esmaga.
Do escândalo da morte do Filho de Deus, morte de pecador, morte de malfeitor, nasce a graça de descobrir na dor a ressurreição, no sofrimento a vossa glória, na angústia a vossa salvação. A própria cruz, símbolo de humilhação e tristeza para o homem, revela-se agora, por graça do vosso sacrifício, como uma promessa: de cada morte ressurgirá a vida e, em toda a escuridão, brilhará a luz. E podemos exclamar: «Salve ó cruz, única esperança!»
Oração
Peço-Vos, Senhor: fazei que, à luz da Cruz, símbolo da nossa fé,
possamos aceitar os nossos sofrimentos e, iluminados pelo vosso amor,
abraçar as nossas cruzes tornadas gloriosas pela vossa morte e ressurreição.
Dai-nos a graça de olhar de frente as nossas vicissitudes
e descobri nelas o vosso amor por nós.
Pater noster...
III ESTAÇÃO
Jesus cai pela primeira vez
Do Livro do profeta Isaías 53, 4-5
Na verdade, Ele tomou sobre Si as nossas doenças, carregou as nossas dores. Nós O reputávamos como um leproso, ferido por Deus e humilhado.
Meditação
Vejo-Vos, Jesus, sofrendo, enquanto percorres o caminho para o Calvário, carregado com o nosso pecado. E vejo-Vos cair com as mãos e os joelhos por terra, dolorosamente. Com quanta humildade caístes! Quanta humilhação sentis agora! A vossa natureza de verdadeiro homem é claramente visível neste fragmento da vossa vida. A cruz que levais é pesada; terias necessidade de ajuda, mas, quando cais por terra, ninguém Vos socorre; antes, os homens zombam de Vós, riem perante a imagem dum Deus que cai. Talvez tenham ficado desiludidos, talvez se tenham formado uma ideia errada sobre Vós. Às vezes pensamos que ter fé em Vós significa nunca cair na vida. Juntamente convosco, caio também eu, e comigo as minhas ideias, as ideias que tinha sobre Vós. Como eram frágeis!
Vejo-Vos, Jesus, que cerrais os dentes e, completamente abandonado ao amor do Pai, Vos levantais e retomais o vosso caminho. Com estes primeiros passos rumo à cruz, tão vacilantes, Jesus, lembrais-me a criança que dá os seus primeiros passos na vida: perde o equilíbrio, cai e chora, mas depois continua. Confia nas mãos dos pais e não para; tem medo, mas prossegue, porque ao medo sobrevém a confiança.
Com a vossa coragem, ensinais-nos que os fracassos e as quedas nunca devem deter o nosso caminho e que temos sempre uma opção a fazer: rendermo-nos ou levantarmo-nos convosco.
Oração
Peço-Vos, Senhor: despertai em nós, jovens,
a coragem de nos levantarmos depois de cada queda
tal como Vós fizestes no caminho do Calvário.
Peço-Vos: fazei que saibamos apreciar sempre
o dom imenso e precioso da vida
e que os fracassos e as quedas
nunca sejam motivo para jogá-la fora,
cientes de que, se nos fiarmos de Vós,
sempre podemos levantar-nos e encontrar a força para continuar.
Pater noster...
IV ESTAÇÃO
Jesus encontra sua Mãe
Do Evangelho de São Lucas 2, 34-35
Simeão abençoou-os e disse a Maria, sua mãe: «Este menino está aqui para queda e ressurgimento de muitos em Israel e para ser sinal de contradição; uma espada trespassará a tua alma. Assim hão de revelar-se os pensamentos de muitos corações».
Meditação
Vejo-Vos, Jesus, ao encontrardes a vossa Mãe. Lá está Maria, segue por uma rua movimentada, no meio de muitas pessoas. A única coisa que A distingue dos outros é o facto que Ela está lá para acompanhar o seu Filho. Uma situação que se verifica diariamente: as mães acompanham os filhos à escola, ao médico, ou levam-nos consigo para o trabalho. Maria, porém, distingue-Se das outras mães: está a acompanhar o seu Filho à morte. Ver morrer o próprio filho é a pior sorte que se possa desejar a uma pessoa, a mais antinatural; e mais atroz ainda, se o filho, inocente, vai morrer pela mão da justiça. Que cena antinatural e injusta diante dos meus olhos! A minha mãe educou-me para o sentido da justiça e para ter confiança na vida, mas, aquilo que hoje veem os meus olhos, não tem nada disso, é desprovido de sentido e está cheio de amargura.
Vejo-Vos, Maria, enquanto fixais o olhar na vossa pobre criatura: tem os sinais da flagelação nas costas e é forçado a suportar o peso da cruz, não tarda muito que caia debaixo dela por causa da fadiga. E, no entanto, sabíeis que mais cedo ou mais tarde iria acontecer: tinha-Vos sido profetizado, mas, agora que acontece, é tudo diferente¡ É sempre assim! Nunca estamos preparados para a vida, para a sua crueza. Agora, Maria, estais triste, como qualquer outra mulher no vosso lugar, mas não apareceis desesperada. Os vossos olhos não estão apagados, não se fixam no vazio, não caminhais de cabeça baixa. Sois esplendorosa mesmo na vossa tristeza, porque tendes esperança, sabeis que esta viagem do vosso Filho terá regresso e sabeis, pressentis ¨C como só as mães o pressentem ¨C que, em breve, tornareis a vê-Lo.
Oração
Peço-Vos, Senhor: ajudai-nos
a ter sempre presente o exemplo de Maria,
que aceitou a morte de seu Filho
como grande mistério de salvação.
Ajudai-nos a agir com o olhar fixo no bem dos outros
e a morrer na esperança da ressurreição
e com a consciência de nunca estarmos sozinhos,
nem abandonados por Deus, nem por Maria,
boa Mãe que sempre Se preocupa com os seus filhos.
Pater noster...
V ESTAÇÃO
Simão de Cirene ajuda Jesus a levar a Cruz
Do Evangelho segundo São Lucas 23, 26
Quando O iam conduzindo, lançaram mão de um certo Simão de Cirene, que voltava do campo, e carregaram-no com a cruz, para a levar atrás de Jesus.
Meditação
Vejo-Vos, Jesus, esmagado sob o peso da cruz. Vejo que não conseguis levá-la sozinho; precisamente na hora do maior esforço, ficastes sozinho, não estão aqueles que se diziam vossos amigos: Judas traiu-Vos, Pedro renegou-Vos, os outros abandonaram-Vos. Mas, eis que de improviso se encontra um tal, um homem comum, que talvez ouvira falar de Vós, mas não Vos seguira; agora, porém, ei-lo aqui, ao vosso lado, ombro a ombro, a compartilhar o vosso jugo. Chama-se Simão e é um estrangeiro que vem de longe, de Cirene. Para ele, hoje, um imprevisto, que se revela um encontro.
Inúmeros são os encontros e desencontros que vivemos cada dia, sobretudo nós, jovens, que entramos continuamente em contacto com novas realidades, novas pessoas. E é no encontro inesperado, no incidente, na surpresa perturbadora que está escondida a oportunidade de amar, de reconhecer o melhor no próximo, mesmo quando nos parece diferente.
Às vezes, sentimo-nos como Vós, Jesus, abandonados por aqueles que julgávamos nossos amigos, sob um peso que nos esmaga. Mas não devemos esquecer que há um Simão de Cirene, pronto a tomar a nossa cruz. Não devemos esquecer que não estamos sozinhos e, desta certeza, podemos tirar a força para carregar a cruz de quem temos ao nosso lado.
Vejo-Vos, Jesus: agora parece que sentis um pouco de alívio, conseguis por um momento respirar, agora que já não estais sozinho. E vejo Simão: quem sabe se experimentou que o vosso jugo é leve, quem sabe se entrevê o significado que tem aquele imprevisto na sua vida?
Oração
Senhor, peço-Vos que cada um de nós
possa encontrar a coragem de ser como o Cireneu,
que toma a cruz e segue os vossos passos.
Que cada um de nós seja tão humilde e forte
que carregue a cruz de quem encontramos.
Quando nos sentirmos sozinhos, fazei que
possamos reconhecer na nossa estrada um Simão de Cirene
que para e carrega sobre si o nosso fardo.
Concedei-nos a graça de saber procurar o melhor em cada pessoa,
estar abertos a cada encontro, mesmo na diversidade.
Peço-Vos que cada um de nós
possa descobrir-se improvisamente ao vosso lado.
Pater noster...
VI ESTAÇÃO
A Verónica limpa o rosto de Jesus
Do Livro do profeta Isaías 53, 2-3
Sem figura nem beleza, vimo-Lo sem aspeto atraente, desprezado e abandonado pelos homens, como alguém cheio de dores, habituado ao sofrimento, diante do qual se tapa o rosto, menosprezado e desconsiderado.
Meditação
Vejo-Vos, Jesus, miserável, quase irreconhecível, tratado como o último dos homens. Com grande dificuldade, caminhais para a vossa morte: com o rosto ensanguentado e desfigurado, embora como sempre manso e humilde, voltado para o Alto. Uma mulher abre caminho através da multidão, para ver de perto aquele vosso rosto que, talvez, muitas vezes falara à sua alma e que ela amara. Vê-O a sofrer e quer ajudá-Lo. Não a deixam passar; são tantos, demasiados e armados. Mas, a ela, tudo isso não lhe importa! Está decidida a chegar junto de Vós e consegue por um momento tocar-Vos, acariciar-Vos com o seu véu. A sua é a força da ternura. Os olhos de ambos cruzam-se por um momento, o rosto no rosto do outro.
Aquela mulher, Verónica, de quem nada sabemos, não conhecemos a sua história, ganha o Paraíso com um simples gesto de caridade. Aproxima-se de Vós, observa o vosso rosto torturado e ama-o ainda mais que antes. Verónica não se detém na aparência, hoje tão importante na nossa sociedade da imagem, mas ama incondicionalmente um rosto repugnante, não cuidado, sem truco e imperfeito. Aquele rosto, o vosso rosto, Jesus, precisamente na sua imperfeição, mostra a perfeição do vosso amor por nós.
Oração
Peço-Vos, Jesus: dai-me a força
para me aproximar das outras pessoas, de cada pessoa,
jovem ou idosa, pobre ou rica, que me é querida ou desconhecida,
e para ver naqueles rostos o vosso rosto.
Ajudai-me a não me atardar
no socorro do próximo, em quem Vós habitais,
como Verónica correu ao vosso encontro no caminho do Calvário.
Pater noster...
VII ESTAÇÃO
Jesus cai pela segunda vez
Do Livro do profeta Isaías 53, 8.10
Sem defesa nem justiça, levaram-No à força. Quem é que se preocupou com o seu destino? Foi suprimido da terra dos vivos, mas por causa dos pecados do meu povo é que foi ferido. (¡) Mas aprouve ao Senhor esmagá-Lo com sofrimento.
Meditação
Vejo-Vos, Jesus, cair de novo diante dos meus olhos. Voltando a cair demonstrais-me que sois um homem, um verdadeiro homem. E vejo que Vos levantais outra vez, mais decidido que antes. Não Vos levantais com soberba; não há orgulho no vosso olhar, há amor. E, ao prosseguir no vosso caminho, erguendo-Vos depois de cada queda, anunciais a vossa Ressurreição, demonstrais estar pronto a carregar mais uma vez e para sempre, sobre os vossos ombros ensanguentados, o peso do pecado do homem.
Voltando a cair, enviastes-nos uma mensagem clara de humildade, caístes por terra, naquele humus do qual nascemos nós, «humanos». Somos terra, somos barro: não somos nada, se comparados convosco. Mas quisestes tornar-Vos como nós e, agora, mostrais-Vos solidário connosco, com as mesmas canseiras, as mesmas fraquezas, com o mesmo suor da nossa fronte. E agora Vós, nesta sexta-feira, como acontece também connosco, estais prostrado pelo sofrimento. Mas Vós tendes a força para seguir em frente, não tendes medo das dificuldades que possais encontrar, e sabeis que, no fim da fadiga, há o Paraíso; levantais-Vos e dirigis-Vos precisamente para lá, para nos abrir as portas do vosso reino. Sois um estranho rei: um rei no pó!
Sinto vertigens: não somos dignos de comparar as nossas fadigas e as nossas quedas com as vossas. As vossas são um sacrifício, o sacrifício maior que os meus olhos e a história inteira possam ver alguma vez.
Oração
Peço-Vos, Senhor: fazei que estejamos prontos a erguer-nos de novo depois de ter caído,
que possamos aprender qualquer coisa com os nossos fracassos.
Recordai-nos que, quando acontece a nós de errar e cair,
se estivermos convosco e nos agarrarmos à vossa mão,
podemos aprender a levantar-nos de novo.
Fazei que nós, jovens, possamos levar a todos a vossa mensagem de humildade
e que as gerações futuras abram os olhos para Vós
e saibam compreender o vosso amor.
Ensinai-nos a ajudar quem sofre e cai ao nosso lado:
a limpar o seu suor e estender a mão para o levantar.
Pater noster...
VIII ESTAÇÃO
Jesus encontra as mulheres de Jerusalém
Do Evangelho segundo São Lucas 23, 27-31
Seguiam Jesus uma grande multidão de povo e umas mulheres que batiam no peito e se lamentavam por Ele. Jesus voltou-Se para elas e disse-lhes: «Filhas de Jerusalém, não choreis por Mim, chorai antes por vós mesmas e pelos vossos filhos, pois virão dias em que se dirá: ¡°Felizes as estéreis, os ventres que não geraram e os peitos que não amamentaram¡±. Hão de, então, dizer aos montes: ¡°Caí sobre nós!¡± E às colinas: ¡°Cobri-nos!¡± Porque, se tratam assim a árvore verde, o que não acontecerá à seca?»
Meditação
Vejo e ouço-Vos, Jesus, enquanto falais às mulheres que encontrais ao longo do vosso caminho para a morte. Transcorrestes todos os vossos dias encontrando tantas pessoas: fostes ao seu encontro e falastes com todos. Agora falais com as mulheres de Jerusalém, que Vos veem e choram. Eu também sou uma daquelas mulheres. Mas, Jesus, na vossa advertência, usais palavras que me impressionam, são palavras concretas e diretas; à primeira vista, podem revelar-se duras e severas, porque ousadas. De facto, hoje, estamos acostumados a um mundo que usa rodeio de palavras, uma hipocrisia fria esconde e filtra o que queremos realmente dizer; as advertências evitam-se cada vez mais, prefere-se abandonar o outro ao próprio destino, não se preocupando em instigá-lo para seu bem.
Diversamente Vós, Jesus, falais às mulheres como um pai, inclusive censurando-as; as vossas palavras são palavras de verdade, que vão diretas à pessoa com o único objetivo da correção, não do julgamento. É uma linguagem diferente da nossa. Falais sempre com humildade e ides direto ao coração.
Neste encontro, o último antes da cruz, sobressai mais uma vez o vosso amor sem medida para com os últimos e os marginalizados; naquele tempo, de facto, as mulheres não eram consideradas dignas de ser interpeladas, ao passo que Vós, na vossa gentileza, sois verdadeiramente revolucionário.
Oração
Peço-Vos, Senhor: fazei que eu,
juntamente com as mulheres e os homens deste mundo,
possamos tornar-nos cada vez mais caridosos
para com os necessitados, assim como fazíeis Vós.
Dai-nos a força de ir contracorrente
e entrar em contacto autêntico com os outros,
lançando pontes e evitando fechar-nos no egoísmo
que nos leva à solidão do pecado.
Pater noster...
IX ESTAÇÃO
Jesus cai pela terceira vez
Do Livro do profeta Isaías 53, 5-6
Foi ferido por causa dos nossos crimes, esmagado por causa das nossas iniquidades. O castigo que nos salva caiu sobre Ele, fomos curados pelas suas chagas. Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas perdidas, cada um segundo o seu caminho. Mas o Senhor carregou sobre Ele todos os nossos crimes.
Meditação
Vejo-Vos, Jesus, ao cairdes pela terceira vez. Já caístes duas vezes, e duas vezes Vos erguestes. É sem limites a fadiga e o sofrimento; agora pareceis definitivamente derrotado nesta terceira e última queda. Na nossa vida de todos os dias, quantas vezes nos acontece de cair! Caímos tantas vezes que lhe perdemos a conta, mas esperamos sempre que cada queda seja a última, porque é preciso ter a coragem da esperança para enfrentar o sofrimento. Quando uma pessoa cai muitas vezes, as forças acabam por se quebrantar e as esperanças diluem-se definitivamente.
Imagino-me junto de Vós, Jesus, no percurso que Vos leva à morte. É difícil pensar que sejais Vós realmente o Filho de Deus. Alguém já tentou ajudar-Vos, mas agora estais exausto, estais parado, paralisado e parece que já não conseguireis prosseguir. Mas, improvisamente, vejo que Vos levantais, endireitais as pernas e a coluna, por quanto possível com uma cruz às costas, e começais a andar de novo. É verdade que ides a caminho da morte, mas quereis fazê-lo com todo o vosso ser. Talvez o amor seja isto, não sei! O que compreendo é que não importa quantas vezes cairemos, sempre haverá a última queda, talvez a pior, a prova mais terrível na qual somos chamados a encontrar a força para chegar ao fim do percurso. Para Jesus, o fim é a crucificação, o absurdo da morte, mas que revela um significado mais profundo, um objetivo mais alto: salvar-nos a todos.
Oração
Peço-Vos, Senhor: concedei-nos todos os dias
a coragem de prosseguir no nosso caminho.
Fazei que recebamos com todo o nosso ser
a esperança e o amor que nos destes.
Que todos possam enfrentar os desafios da vida
com a força e a fé com que Vós vencestes
os últimos momentos no vosso caminho
rumo à morte na cruz.
Pater noster...
X ESTAÇÃO
Jesus é despojado das vestes
Do Evangelho de São João 19, 23
Os soldados, depois de terem crucificado Jesus, pegaram na roupa d¡¯Ele e fizeram quatro partes, uma para cada soldado, exceto a túnica. A túnica, toda tecida de uma só peça de alto a baixo, não tinha costuras.
Meditação
Vejo-Vos, Jesus, nu, como nunca Vos tinha visto. Privaram-Vos das vestes, Jesus, e jogam-nas com os dados. Aos olhos destes homens, perdestes o único pedaço de dignidade que Vos restava, o único objeto que possuíeis neste vosso caminho de sofrimento. Nos primórdios, vosso Pai fez túnicas para os homens, para os revestir de dignidade; agora, homens Vo-las arrancam do corpo. Vejo-Vos, Jesus, na pessoa dum jovem migrante, corpo ferido que chega a uma terra frequentemente demasiado cruel, pronta a tirar-lhe a roupa, o seu único bem, e a vendê-la; a deixá-lo assim apenas com a sua cruz, como a Vossa, apenas com a sua pele maltratada, como a Vossa, apenas com as suas pupilas dilatadas de dor, como as Vossas.
Mas há algo sobre a dignidade que os homens esquecem muitas vezes: ela está debaixo da vossa pele, faz parte de Vós e sempre estará convosco, e mais ainda neste momento, nesta nudez.
A nudez com que vimos à luz é a mesma com que a terra nos recebe ao anoitecer da vida. Duma mãe para a outra. E agora aqui, nesta colina, está também a vossa Mãe, que de novo Vos vê nu.
Vejo-Vos e compreendo a grandeza e o esplendor da vossa dignidade, da dignidade de cada homem, que ninguém poderá jamais cancelar.
Oração
Peço-Vos, Senhor: fazei que todos nós possamos reconhecer
a dignidade própria da nossa natureza,
mesmo quando nos encontramos nus e sozinhos diante dos outros.
Fazei que possamos sempre ver a dignidade dos outros,
estimá-la e guardá-la.
Pedimo-Vos que nos concedais a coragem necessária
a fim de nos compreendermos a nós mesmos para além daquilo que nos cobre;
e aceitar a nudez que nos pertence
e nos lembra a nossa pobreza,
de que Vos enamorastes até dar a vida por nós.
Pater noster...
XI ESTAÇÃO
Jesus é pregado na Cruz
Do Evangelho segundo São Lucas 23, 33-34
Quando chegaram ao lugar chamado Calvário, crucificaram-No a Ele e aos malfeitores, um à direita e outro à esquerda. Jesus dizia: «Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem».
Meditação
Vejo-Vos, Jesus, despojado de tudo. Quiseram punir-Vos, inocente, pregando-Vos no lenho da cruz. Que teria eu feito no lugar deles? Teria tido a coragem de reconhecer a vossa, a minha verdade? Vós tivestes a força de suportar o peso duma cruz, de não ser acreditado, de ser condenado pelas vossas palavras incómodas. Hoje não conseguimos digerir uma crítica, como se cada palavra fosse pronunciada para nos ferir.
Não Vos detivestes sequer diante da morte, acreditastes profundamente na vossa missão e fiastes-Vos do vosso Pai. Hoje, no mundo da Internet, estamos tão condicionados por tudo aquilo que circula na rede que, às vezes, até duvido das minhas palavras. Mas as vossas palavras são diferentes, são fortes na sua fraqueza. Vós perdoastes-nos, não guardastes rancor, ensinastes a apresentar a outra face e fostes mais além até ao sacrifício total da vossa pessoa.
Olho ao meu redor e vejo olhos fixos no visor do celular, comprometidos nas redes sociais a crucificar qualquer erro dos outros sem possibilidade de perdão. Homens que, acesos de ira, gritam, que se odeiam pelos motivos mais fúteis.
Olho as vossas chagas e, agora, estou ciente de que não teria tido a vossa força. Mas estou sentado aqui a vossos pés, e me despojo também eu de qualquer hesitação, levanto-me da terra para poder estar mais perto de Vós, mesmo só alguns centímetros.
Oração
Peço-Vos, Senhor: fazei que eu, face ao bem,
possa ter a prontidão de o reconhecer;
fazei que diante duma injustiça eu possa ter
a coragem de comandar na minha vida e agir diversamente;
fazei que possa libertar-me de todos os medos
que, como cravos, me paralisam e mantêm distante
da vida que Vós sonhastes e preparastes para nós.
Pater noster...
XII ESTAÇÃO
Jesus morre na Cruz
Do Evangelho segundo São Lucas 23, 44-47
Por volta do meio-dia, as trevas cobriram toda a região até às três horas da tarde. O sol tinha-se eclipsado e o véu do templo rasgou-se ao meio. Dando um forte grito, Jesus exclamou: «Pai, nas tuas mãos, entrego o meu espírito». Dito isto expirou. Ao ver o que se passava, o centurião deu glória a Deus, dizendo: «Verdadeiramente este homem era justo!»
Meditação
Vejo-Vos, Jesus, e, desta vez, queria não Vos ver. Estais a morrer. Era maravilhoso ver-Vos quando faláveis às multidões, mas agora tudo acabou. E eu não quero ver o fim; demasiadas vezes voltei o olhar para o outro lado, quase me acostumei a escapar da dor e da morte, anestesiei-me.
O vosso grito na cruz é forte, lancinante: não estávamos preparados para tanto tormento, não o estamos, nem o estaremos jamais. Fugimos instintivamente, tomados de pânico, frente à morte e ao sofrimento, rejeitamo-los, preferimos olhar para outro lado ou fechar os olhos. Mas Vós ficais lá na cruz, esperais-nos de braços abertos, abrindo os olhos para nós.
É um grande mistério, Jesus: amais-nos morrendo, sendo abandonado, dando o vosso espírito, cumprindo a vontade do Pai, apagando-Vos. Ficais na cruz, e basta! Não tentais explicar o mistério da morte, da consumação de todas as coisas, fazeis mais: atravessai-lo com todo o vosso corpo e o vosso espírito. Um grande mistério, que continua a interpelar-nos e a desinquietar-nos; desafia-nos, convida-nos a abrir os olhos, a saber ver o vosso amor mesmo na morte; antes, começando precisamente da morte. É lá que nos amastes: na nossa condição mais verdadeira, incancelável e inevitável. É lá que compreendemos, embora de modo ainda imperfeito, a vossa presença viva, autêntica. Disto, sempre teremos sede: da vossa proximidade, do vosso ser Deus connosco.
Oração
Peço-Vos, Senhor: abri os meus olhos,
que eu Vos veja mesmo nos sofrimentos,
na morte, no fim que não é o verdadeiro fim.
Desinquietai a minha indiferença com a vossa cruz, abanai o meu torpor.
Interpelai-me sempre com o vosso mistério dilacerante,
que supera a morte e dá a vida.
Pater noster...
XIII ESTAÇÃO
Jesus é descido da Cruz
Do Evangelho segundo São João 19, 38-40
Depois disto, José de Arimateia, que era discípulo de Jesus, mas secretamente por medo das autoridades judaicas, pediu a Pilatos que lhe deixasse levar o corpo de Jesus. E Pilatos permitiu-lho. Veio, pois, e retirou o corpo. Nicodemos, aquele que antes tinha ido ter com Jesus de noite, apareceu também trazendo uma mistura de perto de cem libras de mirra e aloés. Tomaram, então, o corpo de Jesus e envolverem-no em panos de linho com os perfumes, segundo o costume dos judeus.
Meditação
Vejo-Vos, Jesus, ainda ali na cruz. Um homem de carne e osso, com as suas fragilidades, com os seus medos. Quanto sofrestes! É uma cena insustentável, talvez mesmo porque está impregnada de humanidade: é esta a palavra-chave, o código do vosso caminho, constelado de sofrimento e fadiga. Precisamente aquela humanidade que, muitas vezes, nos esquecemos de reconhecer em Vós e de procurar em nós mesmos e nos outros, demasiado ocupados numa vida sempre com o pé no acelerador, cegos e surdos perante as dificuldades e o sofrimento dos outros.
Vejo-Vos, Jesus: agora já não estais ali, na cruz; regressastes para o lugar donde tínheis vindo, reclinado no ventre da terra, no regaço da vossa Mãe. Agora o sofrimento passou, desapareceu. Esta é a hora da piedade. No vosso corpo sem vida, ecoa a força com que enfrentastes o sofrimento; o sentido que conseguistes dar-lhe reflete-se nos olhos de quem ainda lá está e permaneceu junto de Vós e sempre permanecerá ao vosso lado no amor, doado e recebido. Abre-se para Vós, para nós, uma nova vida, a celeste, sob o signo daquilo que resiste e não é despedaçado pela morte: o amor. Vós estais aqui, connosco, em cada momento, em cada passo, em cada incerteza, em cada sombra. Enquanto a sombra do sepulcro se estende sobre o vosso corpo deitado nos braços da vossa Mãe, eu vejo-Vos e tenho medo, mas não desespero; tenho confiança que a luz, a vossa luz, voltará a resplandecer.
Oração
Peço-Vos, Senhor:
fazei que em nós esteja sempre viva a esperança,
a fé no vosso amor incondicional.
Que possamos manter sempre vivo e aceso
o olhar para a salvação eterna,
e que consigamos encontrar refrigério e paz no nosso caminho.
Pater noster...
XIV ESTAÇÃO
Jesus é depositado no sepulcro
Do Evangelho segundo São João 19, 41-42
No sítio em que Ele tinha sido crucificado, havia um horto e, no horto, um túmulo novo, onde ainda ninguém tinha sido sepultado. Como, para os judeus, era o dia da Preparação da Páscoa e o túmulo estava perto, foi ali que puseram Jesus.
Meditação
Já não Vos vejo, Jesus: agora está escuro. Caem longas sombras das colinas, e as lanternas do Shabbat reluzem em Jerusalém, fora das casas e nos quartos. Batem contra as portas do céu, fechado e inexpugnável: para quem é tanta solidão? Numa noite assim, quem pode dormir? Ressoa a cidade com o choro das crianças, as cantigas «nina-nana» das mães, as rondas dos soldados: morre este dia, e só Vós adormecestes. Dormis? E em que cama? Qual cobertor Vos esconde do mundo?
De longe, José de Arimateia seguiu os vossos passos e agora, em ponta de pés, acompanha-Vos no sono, subtrai-Vos aos olhares dos indignados e dos malvados. Um lençol envolve o vosso frio, enxuga o sangue, o suor e o pranto. Da cruz sois descido, mas levemente, José eleva-Vos sobre os ombros, mas Vós sois leve: não trazeis o peso da morte, nem do ódio, nem do rancor. Dormis como quando estáveis envolvido pela palha tépida e outro José Vos segurava nos seus braços. Como então não havia lugar para Vós, agora não tendes onde pousar a cabeça: mas no Calvário, sobre a dura cerviz do mundo, cresce um horto onde ainda ninguém fora sepultado.
Para onde fostes, Jesus? Onde descestes, senão nas profundezas? Onde, senão no local ainda inviolado, na cela mais estreita? Nos nossos próprios laços, estais preso, na nossa própria tristeza, estais encarcerado: como nós, caminhastes sobre a terra, e agora debaixo da terra, como nós tendes o vosso espaço.
Inútil correr para longe, Vós estais dentro de mim; não preciso de sair para Vos procurar, porque Vós bateis à minha porta.
Oração
Peço-Vos, Senhor, que não Vos manifestastes na glória
mas no silêncio duma noite escura.
Vós que não Vos fixais na superfície, mas vedes no segredo
e penetrais nas profundezas,
das profundezas ouvi a nossa voz:
que possamos, cansados, repousar em Vós,
reconhecer em Vós a nossa natureza,
ver no amor do vosso rosto a dormir
a nossa beleza perdida.
Pater noster...
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