Comentário: Tráfico de seres humanos, hipocrisia social
Silvonei José - Cidade do Vaticano
“O tráfico de pessoas é um crime contra a humanidade”: dessa maneira o Papa Francisco recebendo nesta semana em audiência os participantes do Dia Mundial de Reflexão contra o
Tráfico de Pessoas, respondeu a uma vítima do tráfico que denunciou “o surpreendente silêncio” sobre o assunto. Ela contou as dificuldades depois de sua chegada à Itália, dificuldades para integrar-se e encontrar um trabalho digno. O Papa deixou de lado o seu discurso escrito e falando sem texto enfatizou que sobre o tema “há muita ignorância”, mas também há “pouca vontade para entender a escala do problema”, um grande problema porque “toca de perto as nossas consciências”, um problema espinhoso que nos “deixa envergonhados”.
Foi um encontro um pouco fora do comum, com perguntas de jovens migrantes e italianos que participaram do Dia Mundial de Reflexão contra o Tráfico de Pessoas, e respostas do Santo Padre. Entre os temas propostos pelos jovens o silêncio que envolve o tráfico humano.
Há pessoas que mesmo conhecendo o problema não querem falar sobre ele porque estão no fim da cadeia do consumo; é a hipocrisia social. Ou seja, há empreendedores e consumidores que vão até às jovens, que não são jovens livres, mas escravas.
Problema escondido
Francisco afirmou no seu discurso improvisado que “um país que faz isso, ou que permite o tráfico de pessoas, não quer que isso venha à luz porque se envergonhariam muito” e, assim, o problema “é escondido”. Sempre se acoberta o problema do tráfico de pessoas, sempre, disse em tom de tristeza. “Há empresários que contratam jovens para trabalhar como escravas e há consumidores que vão até elas”. Essas jovens quando então voltam para a casa do “patrão”, podemos dizer, devem pagar muito, muito por aquele dia. Por isso, acrescentou o Papa, para essas pessoas que exploram outras pessoas, não é conveniente que o problema do tráfico venha à luz.
Principal causa é o egoísmo sem escrúpulos
O Santo Padre faz então uma constatação muito dura afirmando que se as jovens são vítimas da rede de prostituição é porque existem homens dispostos a pagar “esses serviços”. “Deixe-me dizer-lhes, - continuou - se há tantas jovens vítimas do tráfico de seres humanos que acabam nas ruas de nossas cidades é porque muitos homens aqui, - jovens, homens de meia-idade, idosos – requerem esses serviços e estão dispostos a pagar pelo seu prazer. Pergunto-me então, são realmente os traficantes a principal causa do tráfico?” Francisco não usa meios termos para dizer que a principal causa é o egoísmo sem escrúpulos de muitas pessoas hipócritas do nosso mundo. Certamente, prender os traficantes é um dever de justiça. “Mas a verdadeira solução é a conversão dos corações, o corte da demanda para drenar o mercado”.
Ter uma consciência real sobre o tema necessariamente passa pela atenção à demanda do tráfico de seres humanos que está por detrás da oferta (a cadeia de consumo). Todos somos chamados a sair da hipocrisia e enfrentar a ideia de fazer parte do problema em vez de virar o rosto para o outro lado, proclamando a nossa inocência.
Romper o silêncio
Sim, porque, como disse o Papa, há hipócritas que se escandalizam com o problema, hipócritas que falam da vergonha dessa situação, mas depois colaboram com o trabalho escravo, permitindo o trabalho escravo, e colaboram com a escravidão de muitas jovens. “Isto é terrível”. É a hipocrisia, a hipocrisia social.
Mas é sobretudo a voz dos jovens que pode romper esse silêncio sobre o tráfico, denunciado pelo Papa como crime contra a humanidade.
Por serem mais livres de preconceitos, o Papa encorajou os jovens a denunciarem este crime. “Os jovens têm uma posição privilegiada para encontrar os sobreviventes do tráfico de seres humanos. Vocês devem ir a suas paróquias, a uma associação perto de casa, encontrem as pessoas, ouçam”, exortou o Pontífice, acrescentando que desta escuta podem nascer uma resposta e um empenho concreto por parte dos jovens.
Francisco recordou que também as redes sociais representam uma oportunidade de encontro, mas ao mesmo tempo é preciso estar atento aos riscos que comportam, como por exemplo, acabar preda do tráfico justamente na internet. A chave para sobreviver às insídias desta chaga está na educação, “instrumento de proteção que ajuda a identificar os perigos e fugir das ilusões”.
Ser voz dos humilhados
Já o papel da Igreja é justamente promover e criar espaços de encontro, por este motivo Francisco pediu às paróquias que se abrissem ao acolhimento. É a cultura do descarte que está na base de comportamentos que, no mercado e no mundo globalizado, levam à exploração dos seres humanos.
Todos temos a responsabilidade, sejam governos, sejam indivíduos, de combater e remover as causas desta chaga vergonhosa, uma chaga indigna da sociedade civil. Cada um de nós deve se sentir comprometido a ser voz destes nossos irmãos e irmãs, humilhados na sua dignidade.
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