Quando a saída é pela leitura
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Ler pode ser uma sentença de liberdade? A resposta está em novo livro de Rossaly Beatriz Chioquetta Lorenset – “Leitura e cárcere - (entre) linhas e grades, o leitor preso e a remição de pena”, (editora Appris). A obra conduz à reflexão sobre desigualdade social, funcionamento dos sistemas de segurança e de justiça, condições dos espaços de privação de liberdade e fins e justificativas da pena. E conta a impactante experiência da autora durante entrevistas com presos em projeto de extensão de leitura que coordenou durante cinco no curso de Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc Xanxerê).
Resultado do trabalho de doutorado de Rossaly em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o livro lança luz a um problema latente da Justiça brasileira: o país ocupa o terceiro lugar, não honroso, no ranking dos países que mais encarceram no mundo. A Lei de Execução Penal (LEP), que completa 40 anos em 2024, dispõe sobre a remição de parte do tempo de execução da pena por estudo ou trabalho: a cada livro lido, quatro dias a menos atrás das grades. “A remição de pena por meio de leitura foi introduzida no Brasil, em 2011, no contexto do sistema penal porque não havia nem trabalho nem escola para os presos. A função da leitura nesse contexto não foi por benesse, havia um vazio já no sistema que devia ser tratado. A possibilidade de diminuir dias de pena de condenados pela Justiça por meio da leitura não demandava investir financeiramente no sistema prisional, bastava dar livros aos presos”, diz a autora, que é facilitadora de Justiça Restaurativa.
Realizada durante cinco anos na unidade prisional da cidade de Xanxerê, estado de Santa Catarina, Brasil, a pesquisa constatou que há mínimas condições de leitura no cárcere. Rossaly conta no livro “Leitura e cárcere” uma de suas entrevistas mais marcantes: “Um preso foi baleado na perna pelo próprio pai, aos nove anos, ao tentar defender a mãe das violências dele. Este preso relatou que ficava tão interessado na narrativa da leitura que, quando as luzes eram apagadas na prisão, às 22h, ele podia ficar com a TV ligada até meia-noite e era o momento em que lia com a luz tênue da televisão”.
“Leitura e cárcere” mostra o envolvimento de presos com a leitura, inclusive casos dos que passaram a indicar livros aos filhos e criaram o hábito de ler. “Mas também houve presos que diziam que gostavam sim de leitura, regidos por um imaginário de que ler é bom e transforma. Só que, por outra via, eram capturados pelo dizer do inconsciente e acabavam afirmando que liam mesmo só para sair antes da prisão, interpelados pelo jogo da língua na história, o simbólico significante, que constitui a ordem do discurso”, completa Rossaly.
O Brasil enfrenta muitos desafios para avançar na remição de pena por meio da leitura. Pesquisa do Conselho Nacional de Justiça mostra que, em 2023, apenas 11 das 27 unidades federativas do país declaram ter estrutura para implantação de bibliotecas nos presídios. “Resolução que faz parte do Plano Nacional de Fomento à Leitura nos Ambientes de Privação de Liberdade do ano de 2021 diz que o preso poderá ter acesso à leitura por meio de audiobook, ampliando o direito a pessoas não alfabetizadas. Se considerar que uma biblioteca digital possui mais de 50 mil livros disponíveis, ler com tablets poderia facilitar o acesso, mas como essa universalização será viável se poucos são até mesmo os livros de papel no cárcere? Por essa normativa, cada comarca deve instituir uma comissão de validação para homologação e a leitura será validada, não mais avaliada. Mas não há biblioteca, nem tampouco bibliotecário, nem acervo bibliográfico nas unidades prisionais”, lembra a autora, que é Secretária da Pastoral Carcerária do estado de Santa Catarina e continua fazendo visitas semanalmente na unidade prisional de Xanxerê.
Sobre a autora: Doutora em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e mestra em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Graduada em Letras Português-Inglês e respectivas Literaturas pela Facepal (Palmas-PR) e em Língua e Literatura Espanhola pela Unoesc. Desde 2001, é professora e pesquisadora de Língua Portuguesa na Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc Xanxerê). É autora também do livro “Língua e Direito: uma relação de nunca acabar”.
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