Movimentos populares: iniciar processos e não ocupar espaços, afirma Grabois
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“Com este simpósio, queremos encerrar uma etapa e abrir outra. Propusemos uma renovação do comitê organizador para que haja pessoas mais jovens. Temos que iniciar processos e não ocupar espaços por tanto tempo e dar-lhe força não apenas como um espaço de diálogo com o Papa, que acontece uma ou duas vezes por ano, mas como um espaço que nos permite articular a luta por 'terra, teto e trabalho' em todo o mundo”, diz Juan Grabois, membro do núcleo fundador do Encontro Mundial dos Movimentos Populares (EMMP) e membro do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral (DSDHI), em vista de um simpósio organizado pelo próprio Dicastério juntamente com o EMMP, para comemorar o aniversário de 10 anos do primeiro encontro do Papa Francisco com os Movimentos Populares.
“Por uma sociedade sem escravos e excluídos”
Explicando a origem do evento realizado nesta sexta-feira, 20 de setembro, no Palazzo San Calixto, em Roma, o advogado argentino assinalou que, o encontro do Papa Francisco com os Movimentos Populares é “uma continuação do trabalho pastoral que Jorge Mario Bergoglio desenvolveu quando era arcebispo de Buenos Aires”, com a criação do “Vicariato de Emergência para as favelas” e que quando se tornou Pontífice “assumiu um formato internacional”.
“Ele (Papa, ndr) desenvolveu algo muito importante que é o Vicariato para os sacerdotes das favelas, que é o que chamamos de bairros mais pobres, que são muitos padres que até hoje ainda estão nas favelas onde sofrem com a superlotação, a falta de serviços básicos, o avanço do narcotráfico devido à retirada do Estado, e sua experiência também com organizações da economia popular, especialmente a dos catadores, recicladores e costureiras que saíram das oficinas clandestinas do tráfico de pessoas para se organizarem em cooperativas. E que todos os anos, desde 2007, foi realizada uma missa até 2012, com um belo título: 'Por uma sociedade sem escravos e excluídos'.”
“Terra, teto e trabalho” como direitos sagrados
O líder social também indicou que, desde sua origem, o EMMP foi formado por representantes dos Movimentos Populares dos cinco continentes. A primeira reunião mundial com o Papa Francisco foi realizada em 28 de outubro de 2014 no Vaticano, seguida de outras três reuniões. Naquela primeira ocasião, na antiga Sala do Sínodo, o Pontífice lhes deu o slogan dos 3Ts, “terra, teto e trabalho”.
“Essa primeira reunião plantou uma bandeira que é 'terra, teto e trabalho' como direitos sagrados. E a partir daí, de 2014 em diante, esse slogan surgiu não de uma ideia brilhante dos movimentos, nem do próprio Papa, mas de um diálogo, algo sinodal de certa forma. Então, isso continuou por quatro reuniões, a última foi durante a pandemia e algumas reuniões locais menores”.
“É necessário iniciar processos e não ocupar espaços”
Por todas essas razões, o membro do núcleo fundador do EMMP especificou que este simpósio busca ser um ponto de ruptura nesse processo que começou há 10 anos e dar mais espaço para a promoção dos 3Ts.
“A ideia deste aniversário é encerrar uma etapa e abrir outra. Propusemos uma renovação do comitê organizador para que haja pessoas mais jovens. Quando começamos, eu tinha 30 anos, agora tenho 40. Portanto, temos que iniciar processos e não ocupar espaços por tanto tempo e dar-lhe força não apenas como um espaço de diálogo com o Papa que acontece uma vez por ano, duas vezes por ano, mas como um espaço que nos permite articular a luta por 'terra, teto e trabalho' em todo o mundo”.
Diálogo e reflexão sobre o caminho percorrido
O simpósio tem como foco analisar os passos dados no caminho percorrido desde a primeira até a quarta reunião com os Movimentos Populares e como eles têm respondido aos diferentes desafios que surgiram.
“Em muitos países, conheço mais a América Latina, mas também aconteceu na África e na Índia, as organizações sociais, desde que o Papa emprestou sua voz para apontar as injustiças que estão sendo vividas e um caminho para a justiça social, conseguiram o desenvolvimento de algumas políticas públicas com avanços e retrocessos, porque há governos mais permeáveis a essas propostas e outros menos permeáveis. Sempre que as organizações assumem um papel de liderança e uma capacidade de mobilização e ação coletiva, isso geralmente assusta os governos, mas coisas muito importantes foram alcançadas no Brasil com o avanço da reforma agrária, na Argentina com a integração sociourbana, em países como Gana com a organização dos catadores de materiais recicláveis e até mesmo na Libéria. Acredito que essa é uma semeadura para o futuro, que o Papa está semeando para o futuro”.
Os 3Ts expressam um sujeito social: os excluídos
Sobre os 3Ts, “Terra, teto e trabalho”, o membro da DSDHI disse que não é apenas um slogan, um lema, mas é algo que pessoas de diferentes ideologias políticas e sociais ou mesmo pessoas sem ideologia, pessoas de diferentes religiões podem assumir como seu, porque é algo que todos querem para seus filhos, que eles tenham um lugar para morar, um trabalho para ganhar seu pão e, acima de tudo, se viverem em áreas rurais, terra e também território.
“Não é apenas um slogan, mas expressa um sujeito social, que são aqueles excluídos da terra, da moradia e do trabalho, seja porque não os têm ou porque os têm em quantidade e qualidade insuficientes. Os trabalhadores mais precários, os trabalhadores da economia informal, até mesmo os trabalhadores que inventaram seu próprio trabalho diante do descarte que o Papa denuncia constantemente. As famílias sem-teto, porque vivem nas ruas, mas também porque estão sujeitas a aluguéis que levam metade do que ganham com o trabalho, ou porque vivem em favelas que não têm as condições básicas de água, eletricidade, esgoto, escolas, clubes de bairro, o que é necessário para viver bem. E os camponeses, os povos originários que não têm terra ou que estão permanentemente ameaçados pelo avanço do extrativismo, do agronegócio”.
“Plantando uma bandeira diante da desumanização”
Comentando o tema deste Simpósio, o advogado argentino disse que hoje existem várias formas de desumanização no mundo, incluindo uma mudança de uma “cultura do descarte” para uma “cultura da desumanização”, até mesmo do extermínio, onde a vida humana vale cada vez menos.
“O que acreditávamos ser uma ordem institucional, em que pelo menos a justiça social era proclamada como um elemento positivo, um avanço, ou seja, o respeito pela dignidade humana, agora está sendo questionado. Há pessoas muito poderosas e influentes que acham que a vida de um migrante não tem valor, que acham que a vida de uma pessoa que é socialmente excluída não tem valor, e elas declaram isso abertamente. Essa é uma forma de desumanização, outra forma é a hipocrisia, aqueles que pregam a justiça social, mas praticam o contrário”.
Um livro e um vídeo para comemorar os 10 anos
Por fim, Juan Grabois disse que o simpósio consiste em um diálogo. Além da intervenção do cardeal Michael Czerny, prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Integral, teve algumas apresentações dos fundadores do Encuentro (EMMP), de pessoas que representam os três setores agrupados, o rural, o urbano e o da economia popular. O evento foi concluído com o discurso do Papa Francisco aos participantes. E com a apresentação de um livro e a publicação de um vídeo comemorativo.
“No livro onde estão reunidos todos os discursos do Papa aos Movimentos Populares, não só os quatro oficiais mais o que ele fez nessa sexta-feira. O livro consiste basicamente nesses discursos, mas também mostra a continuidade com os antecessores do Papa Francisco, que também falaram sobre terra, moradia, trabalho, reforma agrária, integração urbana, formas cooperativas, ou seja, falaram sobre diferentes aspectos que estamos levantando hoje, e que o Papa Francisco retomou e atualizou”.
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