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Equador: militar na rua - Foto: AFP Equador: militar na rua - Foto: AFP

O caos do conflito armado interno no Equador

Entrevista com dom Antonio Crameri, bispo de Esmeraldas e presidente da Caritas do Equador.

Valerio Palombaro ¨C L¡¯ Osservatore Romano

O Equador, pelo menos enquanto durar o estado de emergência até o início de março, está enfrentando um "conflito armado interno" contra 22 organizações criminosas transnacionais ligadas ao tráfico de drogas. A definição usada pelo presidente equatoriano, Daniel Noboa, é suficiente para enquadrar a extensão da crise de segurança pela qual o país está passando. Uma crise que culminou no último domingo com a retomada do controle das sete penitenciárias pelas autoridades, onde os distúrbios começaram simultaneamente, e um trágico boletim de guerra: cidades destruídas, mais de 1.700 narcotraficantes presos, mais de 200 agentes libertados depois de serem feitos reféns por vários dias e pelo menos 13 vítimas.

Mas essa onda de violência tem raízes profundas e ainda está longe de ser resolvida, como testemunham as operações militares de hoje na prisão de Guayaquil e o assassinato do magistrado César Suárez, que estava investigando o ataque dos traficantes de drogas a uma estação de televisão na mesma cidade portuária do sudoeste, o verdadeiro epicentro da violência. "Agora há uma calma um tanto estranha no país", disse Antonio Crameri, bispo do vicariato apostólico de Esmeraldas, na costa noroeste do país, e presidente da Caritas Equador, ao L'Osservatore Romano. A situação continua bastante crítica", explica ele, "a calma atual parece ser um parêntese antes de um contra-ataque do lado obscuro".

Crameri, originário do Cantão de Ticino (Suiça), conhece bem o Equador, pois se mudou para cá há 23 anos. Nos dias de violência, ele estava de fato em Guayaquil. "O que acontecerá após o fim do estado de emergência?", pergunta-se o prelado, enfatizando que o que aconteceu é apenas a culminação de problemas profundamente arraigados: "A lei da retaliação está sendo aplicada, olho por olho e dente por dente, mas estamos em um caminho que não leva a uma solução. Insistimos que a narrativa deve ser mudada: os bandidos colocaram o país no fogo e na espada, semeando o medo, mas a guerra não é necessária e os caminhos da paz devem ser traçados". Crameri explica que enviou uma carta ao presidente Noboa - depois que um detento morreu na prisão de Esmeraldas no domingo, oficialmente de uma parada cardíaca, mas não se pode descartar que também tenha sido devido à violência - para pedir que as intervenções das forças armadas sempre respeitem os direitos humanos e a dignidade da pessoa.

De acordo com o bispo, "não devemos misturar tudo" porque nas prisões nem todos são terroristas, mesmo que um grande problema ligado ao poder dos chefes do tráfico de drogas permaneça concreto. Os criminosos", diz ele, "transformaram as prisões em centros operacionais do submundo e, mesmo em Esmeraldas, as banheiras e as piscinas montadas para os chefes dentro das penitenciárias testemunham isso: sinal que já há algo errado com o sistema". Como já se viu em fevereiro de 2021, quando, após 48 horas de motins na penitenciária El Litoral, em Guayaquil, foram encontrados os corpos de 79 detentos mortos violentamente em confrontos entre gangues rivais.

Até mesmo o simples fato de que fuzis e outras armas conseguem entrar nas prisões, ou a fuga de um famoso chefe do tráfico de drogas de uma prisão de segurança máxima poucos dias após sua transferência, como no caso de José Adolfo Macías Villamar, são evidências de que há algo errado com o sistema prisional. "Para conseguir erradicar os problemas nas prisões, a corrupção deve ser controlada", Crameri acrescenta, ressaltando que é necessário "transformar as prisões em locais de reabilitação". A esse respeito, o prelado conta um episódio de quando era pároco no Equador: "Conversando com um paroquiano que acabara de sair da prisão, quando lhe perguntaram como estava, ele respondeu: 'você sai da prisão pior do que entrou'. Para mim, isso diz tudo sobre os problemas das prisões no Equador".

Crameri viu uma transformação no Equador em seus 23 anos como missionário. "Esmeraldas sempre foi uma província violenta, mas antes era a violência entre gangues rivais nos bairros, enquanto hoje estamos falando de uma 'máfia' organizada com vínculos transnacionais. Nos últimos anos, o Equador se tornou o principal centro de exportação de drogas produzidas por seus dois países vizinhos, Peru e Colômbia, com grupos de narcotraficantes controlando o comércio, principalmente no porto de Guayaquil, no Oceano Pacífico. E, paralelamente ao poder esmagador dos traficantes, a violência aumentou: somente em 2023, foram registrados 7.800 assassinatos, quase o dobro do número do ano anterior.

É nesse contexto difícil que estão ocorrendo os esforços de Noboa, de 37 anos, que se tornou presidente em novembro passado, após eleições que mais uma vez foram marcadas pela violência, com o assassinato do candidato Fernando Villavicencio. O presidente Noboa anunciou sua intenção de realizar um referendo sobre a luta contra o crime e pretende levar adiante uma reforma restritiva do sistema carcerário.

No entanto, Crameri identifica outro aspecto essencial sobre o qual devem ser tomadas medidas. "O Estado deve investir nas periferias: por exemplo, Esmeraldas está entre as províncias mais esquecidas e os pobres, se não tiverem oportunidades, estão mais expostos a cair no círculo vicioso das máfias e da violência". Como Cáritas, explica o prelado, tentamos estar presentes na questão da proteção dos direitos humanos. "Na Costa, que é uma das três regiões do Equador, estamos implementando há alguns meses o que o Papa Francisco chamou de 'hospital de campanha': tentamos oferecer assistência psicológica às vítimas de violência. A rede Caritas também tenta ajudar as pessoas ameaçadas de morte ou extorsão, que são forçadas a deixar suas casas e reconstruir suas vidas. Nosso objetivo é implementar uma 'pastoral da presença', de modo a testemunhar, mesmo nas periferias pobres e violentas, que outro modo de vida é possível".

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19 janeiro 2024, 17:12