Transtorno do Espectro do Autismo: conhecer para incluir
Wilson Candido Braga - Terapeuta Ocupacional, escritor e professor
O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), considerado pelo DSM-5 (APA, 2014) como um transtorno do neurodesenvolvimento, é caracterizado por um marcante prejuízo na capacidade para comunicação social (fala, comunicação e interação social) + presença de comportamentos com atividades e interesses restritos, repetitivos e estereotipados (díade do autismo).
Essa condição diagnóstica é hoje uma realidade cada vez mais presente em muitas famílias, independente da condição social, raça, credo ou qualquer outra particularidade, com estimativa aproximada em mais de 1% da população mundial, apresentando-se em mais de 4 milhões de pessoas no Brasil (APA, 2014).
Estima-se que a cada dia novos diagnósticos sejam apontados para essa condição médica. Logo, consideramos ser um quadro cada vez mais presente nos espaços escolares e com direitos garantidos pela Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva/2008, pela Lei Nº 12.764/2012, que institui os direitos da pessoa com TEA, e pela Lei Nº 13.146/2015 – Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência.
Essas legislações asseguram a esses indivíduos a inclusão socioeducacional, o direito de matrícula e a permanência no espaço escolar com possibilidades de sucesso, direito a professores capacitados e em constante formação para melhor conduzir o manejo comportamental e as estratégias que favoreçam seu desenvolvimento global, bem como tratamento igualitário, respeitando suas particularidades, além do direito a um profissional de apoio (cuidador escolar), caso se comprove essa necessidade, para auxiliá-lo em atividades nas quais ainda não consiga sua máxima independência.
Para que a inclusão escolar tenha de fato possibilidades de sucesso, é legítimo que a esfera governamental viabilize serviços de suporte que os estimulem a partir de atividades complementares e suplementares, favorecendo a superação de dificuldades e possibilitando a ampliação das suas potencialidades, proporcionando-lhes assim uma vida mais funcional dentro e fora da escola.
Nesse sentido, as secretarias estaduais e municipais de educação devem assegurar que o Decreto Nº 6.571/2008 revogado pelo Decreto Nº 7.611/2011 seja cumprido, oferecendo na rede pública serviços de ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO (AEE) tanto em Salas de Recursos Multifuncionais (SRM) (suporte pedagógico) como em Centros de Atendimento Educacional Especializado (suporte multidisciplinar – Pedagogia, Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia, Psicologia, Psicomotricidade, Serviço Social e Informática Educativa), que auxiliam os alunos com autismo no contraturno da escolarização a partir de estratégias de estimulação cognitiva.
Nesse contexto, é cada vez mais pertinente o conhecimento acerca desse quadro diagnóstico ainda tão marcado pela história da exclusão. O autismo foi introduzido na psiquiatria em 1906 por Plouller e mais tarde agregado como sintoma ao quadro da esquizofrenia, considerando-o nesse sentido uma psicose infantil. Tal equívoco permaneceu por décadas, e somente em meados dos anos 1980, com o advento das neurociências, é que se desfez esse equívoco, passando-se a entender o autismo como um transtorno neurobiológico ou do neurodesenvolvimento, classificado como um tipo de Transtorno Global de Desenvolvimento (TGD). Mais tarde, a partir da 5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais - DSM 5 (APA, 2014), configurou-se com a nomenclatura de Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), considerado agora um Transtorno do Neurodesenvolvimento e classificado pelo grau de comprometimento (BRAGA, 2018).
Cabe destacar que a CID-11 (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde), divulgada em junho de 2018 para apreciação em 2019 e uso médico a partir de janeiro de 2022, destaca o TEA como classificação a partir da presença ou não de deficiência intelectual, com prejuízo leve ou nenhum prejuízo de linguagem funcional, com prejuízo de linguagem funcional ou com ausência de linguagem funcional.
O TEA, conforme explanamos acima, é caracterizado pela presença de dificuldades na comunicação social (fala, comunicação e interação social), comprometendo as relações ou interações sociais, e é marcado pela presença de comportamentos com atividades e interesses restritos, repetitivos e estereotipados. É essa a díade que caracteriza o diagnóstico do autismo, seja nos níveis leve, moderado ou severo (SCHWARTZMAN; ARAÚJO, 2011). Faz-se necessário entender que essas subdivisões para as múltiplas formas de apresentação do autismo demandam serviços de suporte especializado com profissionais preparados e em constante formação.
O autismo é uma condição neurobiológica, de possíveis causas genéticas e ambientais com interferências de fatores externos ou multifatoriais, mais comum em meninos que em meninas (em uma proporção de 4:1), com sinais presentes ainda na fase inicial do neurodesenvolvimento da criança e com manifestação maior até os 3 (três) anos de idade, período em que as demandas sociais exigem maior desenvolvimento de habilidades sociais específicas (SCHWARTZMAN, 2011).
A implicação dos familiares durante todo o processo diagnóstico e nas diversas intervenções realizadas pela equipe multidisciplinar será fundamental para minimizar o choque que acomete uma família com a comunicação de um diagnóstico.
É importante que esse processo diagnóstico seja realizado por uma equipe multiprofissional com experiência clínica e que não se limite à aplicação de testes e exames. A pluralidade de hipóteses etiológicas sem consensos conclusivos e a variedade de formas clínicas e/ou comorbidades que podem acometer a pessoa com TEA exigem o encontro de uma diversidade de disciplinas. Portanto, é preciso avaliar a necessidade de exames neurológicos, metabólicos e genéticos que podem complementar o processo diagnóstico e descartar outras situações (BRAGA, 2018).
Recomenda-se que os profissionais não se deixem levar por suas primeiras impressões. Deve-se evitar a comunicação precipitada para as famílias sobre uma possível classificação nosográfica dos seus filhos sem que o diagnóstico seja fruto de um processo cuidadoso e compartilhado com elas.
O processo diagnóstico é clínico observacional e deve ser conduzido por uma equipe multidisciplinar que possa estar com a pessoa ou a criança em situações distintas: atendimentos individuais, atendimentos à família, atividades livres e espaços grupais.
Para caracterizar-se como autismo, a criança precisa apresentar prejuízos para a comunicação social – nesse sentido, estamos nos referindo à capacidade de fala, comunicação e interação social. Corroborando com as ideias de Serrano (2016):
● Crianças com autismo podem apresentar dificuldades tanto com a comunicação verbal quanto com a comunicação não verbal.
● Elas podem evitar o contato com os olhos ou sorrir e podem não entender o significado de um sorriso, de uma piscada ou de um aceno.
● Aproximadamente 40% das crianças com autismo não falam. Outros 25% começam a falar entre os 12 e 18 meses, mas logo perdem a habilidade da fala. As neurociências apresentam múltiplas explicações para esse quadro de regressão no desenvolvimento.
● Algumas pessoas com autismo podem apresentar dificuldade em formar palavras ou frases ou repetem exatamente o que ouvem – uma condição chamada ecolalia.
● Como elas não conseguem comunicar o que querem, às vezes gritam ou choram por frustração, ou em virtude de alterações no processamento sensorial chamadas desmodulação sensorial.
● Algumas crianças com autismo podem apresentar dificuldade em se relacionar com outras pessoas, em parte porque não conseguem entender os sentimentos delas e os eventos sociais (falhas no funcionamento dos neurônios espelhos, mais bem explicado pela teoria da mente e teoria da coerência central). Por isso, elas parecem distantes, podendo se afastar do contato físico ou emocional, evitando abraços e contatos visuais.
● Como o autismo pode comprometer a organização dos sentidos, alguns sons ou cheiros do dia a dia podem ser insuportáveis. Elas podem tampar os ouvidos e gritar quando o telefone tocar ou ter enjoo com o cheiro de algo mais forte. Ou podem ser menos sensíveis à dor que outras crianças e não sentir quando estão se cortando ou se machucando – uma condição chamada de desorganização sensorial que se reflete em respostas inadequadas ao meio, tornando-as muitas vezes pouco sociáveis (SERRANO, 2016).
Quanto ao comportamento com atividades e interesses restritos, repetitivos e estereotipados, pode-se observar:
● Crianças com autismo frequentemente repetem os mesmos comportamentos (chamados de comportamentos estereotipados ou estereótipo), como balançar os braços, bater a cabeça na parede, repetir as mesmas palavras ou organizar obsessivamente brinquedos, livros ou outros objetos.
● A repetição é uma ação da vida de grande parte das pessoas com autismo. Qualquer mudança em sua rotina diária, mesmo algo simples, como a distribuição do alimento no prato, pode causar uma reação importante (prejuízo na flexibilidade mental – função executiva) (SEABRA, 2014).
● Os sintomas do autismo podem variar drasticamente de uma criança para outra. Uma pode ser incapaz de se comunicar, outra pode conseguir recitar filmes e livros inteiros. Uma criança pode não conseguir somar 3 + 4, enquanto outra pode fazer cálculos avançados e com muita rapidez.
Nesse contexto, estamos lidando com outra manifestação de comportamento consequente a uma forma diferenciada de funcionamento cerebral, semelhante a tantos outros, mas que requer estratégias e ferramentas particularísticas e estruturadas de mediação do processo de ensino e, principalmente, de aprendizagem, seja em ambientes formais ou não formais. Logo, sem excluirmos os autistas, podemos afirmar que todas as pessoas precisam de organização, e é nessa perspectiva da organização e da compreensão dessas singularidades que defendemos um olhar diferenciado para essa forma de aprender do aluno com TEA, que será favorecida pelos serviços de suporte que recebem.
CONHECER PARA INCLUIR: INCLUSÃO, RESPEITO AS SINGULARIDADES
Considerando que o autismo faz com que a criança aprenda de uma maneira muito peculiar, torna-se lógica a ideia de que seus materiais e os procedimentos de ensino sejam também diferenciados. Lembrando que, os componentes curriculares e seus conteúdos precisam ser mantidos por força de lei, entendendo assim que as estratégias pedagógicas estarão na forma de apresentação das atividades, na visualização dos conceitos que serão ensinados e na proposta do ensino voltado para a diversidade.
É importante compreender o estilo de aprendizagem dos alunos com autismo em sala de aula; para tanto, faz-se emergente a ampliação de serviços promotores da formação de professores.
Destaca-se um contingente de alunos com grande potencial para o conhecimento e com possíveis habilidades ainda pouco validadas, e que de alguma forma aprendem sobre os mais variados temas sem orientação de nenhum profissional, mas que, se não validados e bem compreendidos, tendem a uma involução ou a um afastamento de seu interesse pelo espaço escolar, principalmente quando nos prendemos a um modelo curricular pouco flexível e que não atende às demandas das diversidades dos nossos aprendentes.
Percebe-se ainda no movimento da educação inclusiva, especialmente quando falamos em alunos com dificuldades de ordem acadêmica ou comportamental, que esse currículo funciona mais como um mecanismo de exclusão do que como ferramenta de integração ou inclusão escolar.
Mas afinal, como o currículo pode favorecer a inclusão dos alunos com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA)?
As Adaptações/Adequações Curriculares se justificam em três aspectos (MEC, 2003).
✔ Primeiro, na FLEXIBILIZAÇÃO DOS CONTEÚDOS DE ENSINO, selecionando os conteúdos adequados às necessidades dos alunos, adiantando alguns e até eliminando outros.
✔ Em segundo, nas ATIVIDADES PEDAGÓGICAS, antes de se pensar em o que, quando e como ensinar e avaliar, deve-se pensar a quem, o que e para quem vou ensinar.
✔ Em terceiro, nos RESULTADOS DA APRENDIZAGEM, evitando que alunos com algum tipo de dificuldade no processo de aquisição do conhecimento bloqueiem as construções de suas aprendizagens (MEC, 2003).
Existem ainda três níveis de adaptações/adequações curriculares.
✔ O primeiro trata-se do acesso ao currículo que varia desde a seleção de recursos técnicos e materiais à eliminação de barreiras arquitetônicas, com a finalidade de todos os alunos atingirem os mesmos objetivos educacionais.
✔ O segundo são Adaptações/Adequações Curriculares não significativas ou de pequeno porte, referentes aos ajustes do currículo feitos pelo professor no cotidiano da sala de aula, ou seja, nas estratégias diversificadas de metodologias e de avaliação.
✔ O último nível são as Adaptações/Adequações Curriculares significativas, referentes à eliminação de conteúdos considerados não essenciais aos alunos com TEA, bem com a criação de objetivos gerais considerados básicos nas diferentes áreas curriculares.
Nesse contexto, as Adaptações/Adequações Curriculares devem entender e incorporar a inserção de outras ferramentas alternativas ou formas diversas de estimulação pelo uso de recursos ou projetos viáveis à condição particular de funcionamento desse público, que demanda, por assim dizer, um arsenal de novas possibilidades funcionais para uns e menos funcionais para outros, ou de qualquer outra ferramenta assistiva, tanto na estruturação do processo de aprendizagem quanto para o favorecimento de situações em diversos contextos que garantam a autonomia para uma vida independente do aluno com autismo/TEA.
Orientações sobre o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) para pais e profissionais:
É importante ao profissional da saúde e da educação, seja o professor da sala de aula comum, o professor da Sala de Recurso Multifuncional (SRM), ou os profissionais da equipe multidisciplinar dos Centros de Atendimento Educacional Especializado, compreender que o diagnóstico para o TEA deve ser utilizado como uma ferramenta a mais de informação sobre esse indivíduo, e não um requisito ao seu processo inclusivo; logo, compete aos pais ou responsáveis pelo aluno com TEA a decisão de compartilhar o diagnóstico com a equipe escolar. Esse compartilhar de informações torna-se importante para que assim os profissionais conheçam melhor a realidade de cada aprendente e assim pensem e direcionem estratégias que os auxiliem.
Além disso, cabe aos pais ou responsáveis consentir ou não a disponibilização desse diagnóstico em documento, bem como indicar quais membros da comunidade escolar podem ter acesso a ele. A confidencialidade desse assunto é uma questão ética de direito dos pais e do indivíduo, portanto, precisa ser respeitada, evitando-se dessa forma situações de exposição ou interpretações equivocadas.
É importante que a escola incentive os pais ou responsáveis a agir com clareza diante das informações pertinentes ao quadro de diagnóstico e às dificuldades apresentadas por seus filhos, e assim consintam no compartilhamento desse diagnóstico com todos os profissionais que trabalham diretamente com o aluno na comunidade escolar.
É assegurado por lei o direito ao esclarecimento sobre qualquer deficiência para que a sociedade como um todo, possa apoderar-se dessas informações e, assim, minimizar situações de discriminação e preconceito. Desse modo, cabe à escola proporcionar atividades de conscientização sobre o autismo, entendendo que isso é competência da instituição escolar, promovendo ações como aulas, debates, vídeos, entre outros.
Informações fornecidas ou compartilhadas pela família devem funcionar como uma ferramenta a mais para o professor, ou como um elemento de flexibilização em suas ações pedagógicas, para elaboração de planos ou estratégias funcionais às adequações curriculares de pequeno porte (que são pequenos ajustes ou modificações mínimas nas atividades, avaliações ou rotinas do aluno, dentro da proposta curricular, e que competem única e exclusivamente ao professor de sala de aula). O intuito é favorecer a permanência desse aluno no espaço escolar, com maior possibilidade de sucesso, pois é esse o principal objetivo do movimento pela inclusão.
É primordial que, antes do início do ano letivo, o profissional do AEE e o coordenador pedagógico auxiliem o professor de sala de aula comum com orientações sobre situações diversas e indicações de leituras. Com isso, de posse de mais dados relativos à situação do aluno, o professor pode definir quais objetivos educacionais precisam ser alcançados, o tempo necessário para cada um e quais suportes necessita para que cada finalidade estabelecida seja conquistada dentro do esperado.
Além disso, deve-se elaborar critérios práticos para o processo de aplicação ou observação das atividades e da avaliação do aluno, as quais, por sua vez, têm de ser adaptadas ou adequadas à condição particular de cada aprendente. Mas, para isso acontecer de forma exitosa, também é importante que os professores das salas de aula comuns estejam abertos para essa nova demanda de alunos, que tem crescido a cada ano.
Não podemos esquecer que alunos com TEA são muito mais visuais do que auditivos e podem apresentar formas distintas de expressar suas capacidades intelectuais; logo, necessitam de ambientes e atividades organizadas e estruturadas, que favoreçam a previsibilidade e garantam melhor organização para fins diversos.
Neste sentido, é fundamental garantir a esse aluno o acesso ao currículo escolar por meio de adequações que envolvam materiais pensados para cada situação; porém, não estamos falando de um novo currículo, mas do mesmo currículo de forma organizada e adequada às situações como elas se apresentam. Para isso, serão necessários jogos pedagógicos elaborados e pensados de forma particular para atender a cada especificidade. Por exemplo, a utilização de sinalizadores visuais com imagens, fotos, desenhos, esquemas de atividades com o passo a passo – início, meio e fim –, signos visuais e ajustes de grande e pequeno porte (lembrando que esses ajustes de pequeno porte competem ao professor de sala de aula).
Pessoas com TEA podem apresentar desmodulação sensorial, seja para mais ou para menos – a hipossensibilidade ou a hipersensibilidade. Logo, é primordial identificar sua capacidade de tolerância aos mais diversos estímulos: auditivos, visuais, táteis, olfativos, gustativos, cinestésicos, proprioceptivos e vestibulares, bem como seu limite de tolerância ao tempo estabelecido durante o período de permanência em sala de aula ou nos espaços do AEE, tanto em SRM e nos Centros de Atendimento Educacional Especializado quanto em espaços clínicos diversos.
Vale ressaltar que seja organizado um sistema de registro individual, no qual se possam relatar todas as situações de desempenho e comportamento, objetivando uma clara descrição do processo de desenvolvimento, evolutivo ou não, de cada aluno com TEA. Isso com base nos objetivos levantados e sistematizados para fins estatísticos, levando o profissional à reprogramação e à reavaliação, pois entendemos que, nesse sentido, a avaliação deve ser vista como uma forma de observação contínua e processual, e que a cada momento possa ser revista a sua funcionalidade e os melhores caminhos que favoreçam pontualmente a cada aluno.
Ademais, cabe ao profissional que atua junto a esse aluno, seja em sala de aula, seja nos serviços de atendimento clínico ou institucional, realizar a sua autoavaliação enquanto proposta interventiva ou atitudinal, assim novas estratégias poderão fluir com mais eficácia, ou seja, isso representa ação-reflexão-ação.
Alguns alunos com TEA apresentam exagerado apego a rotinas ou a rituais muito específicos, pois sua capacidade de flexibilidade mental para novas situações ou novas estratégias pode não funcionar dentro do esperado. O professor ou qualquer outro profissional de suporte deve facilitar a previsibilidade da rotina usando principalmente preditores visuais, como agendas ilustradas, calendários, painéis e sequência das atividades, indicando o que vai acontecer, qual o significado e a importância de cada uma delas, percebendo em quais momentos deve utilizar essa sinalização de modo a favorecer maior organização mental e possibilidades de ampliações sinápticas (neuroplasticidade cerebral), pois muitos funcionam dessa forma.
Alguns autistas parecem ter melhor memória visual, provavelmente em consequência das dificuldades de linguagem e pelo fato de que as imagens visuais, quando apresentadas, não desaparecem de imediato, como acontece com os sons. Imagens visuais persistem e, assim, pode-se voltar novamente a elas quantas vezes for necessário. Talvez seja por esse motivo que algumas estratégias como histórias sociais visuais, horários visuais, atividades da vida diária sinalizadas visualmente e o programa de comunicação pela troca de figuras Picture Exchange Communication System ou Sistema de Comunicação pela Troca de Figura (PECS) funcionem tão bem para muitos desses casos (porém, não deve ser entendido como uma regra que funcione para todos).
De acordo com o grau de funcionalidade e de autonomia do aluno com TEA para atividades diárias como alimentação, higiene, locomoção e comportamentos adaptáveis às demandas sociais, faz-se importante um suporte TERAPÊUTICO OCUPACIONAL CLÍNICO OU INSTITUCIONAL. Porém, a escola deve oferecer um PROFISSIONAL DE APOIO ESCOLAR/CUIDADOR ESCOLAR para acompanhar o aluno nessas necessidades que ele ainda não consiga realizar de forma independente, tanto em sala de aula como fora dela, desde que seja no contexto da escola.
Esse direito ao profissional de apoio escolar/cuidador escolar é legitimado pelas Leis 12.764/2012, que institui os Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), e a Lei 13.146/2015 – Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. Porém, é importante entendermos que nem todas as pessoas com TEA ou com qualquer outra deficiência terão a necessidade desse profissional. Para isso, faz-se necessária a elaboração de relatórios da equipe multidisciplinar que acompanha essa criança, reforçando ou não a necessidade desse profissional, e deve ficar claro que ele irá auxiliar a quem necessite, realizando atividades com o aluno, e não por ele, pois o que se propõe e espera como suporte de educação especial é que esse sujeito consiga desenvolver-se de forma autônoma e com uma vida funcional, e não se torne dependente de ninguém, pois aí estaríamos criando outro problema.
É legítimo o direito dos sujeitos com TEA e demais deficiências consideradas público alvo da educação especial à oferta de serviços educacionais no contraturno da escolarização (Decreto 6.571/2008, revogado pelo Decreto 7.611/2011), que são os serviços de AEE ofertados de forma gratuita pelas redes de educação pública municipal e estadual, seja a partir de atividades suplementares ou de atividades complementares. Porém, esses serviços de suporte, considerados de educação especial, não podem funcionar como substitutivos ao processo de escolarização; logo, a complementação didático-metodológica, pela utilização de programas específicos e realizados em situação escolar, precisa estar pautada em princípios validados na literatura científica, tendo como objetivo evitar qualquer ação realizada pelo senso comum e desprovida de validação científica.
A Lei 12.764/2012, anteriormente citada, assegura a todas as pessoas com TEA direitos escolares, sociais e de saúde; nesse sentido, é de competência dos municípios, dos estados e da união a oferta de serviços à formação continuada, que promovam a permanente capacitação dos professores e demais profissionais da educação, saúde e ação social, para, dessa forma, melhor orientá-los a lidar com esses alunos nas teorias de mutabilidade cognitiva e comportamental, ensinando como instalar e manter comportamentos adequados e/ou eliminar comportamentos inadequados e que comprometam a evolução desses indivíduos e seu desenvolvimento neuropsicomotor.
As propostas de intervenções clínicas e institucionais são importantes para a evolução global das pessoas com TEA; logo, a boa comunicação entre pais e professores, entre pais e profissionais de áreas específicas e entre a própria equipe multidisciplinar é fundamental para o movimento de inclusão socioeducacional do aluno com TEA. Assim, pode ser viabilizada com:
● encontros regulares e previamente agendados com orientações para que a continuação da estimulação da criança aconteça em ambiente domiciliar e em outros espaços de convivência, e para o repasse de informações sobre os objetivos terapêuticos e educacionais no tocante às situações comportamentais (manejo de desobediência, crises de choro, birras, resistências ante novas situações, confrontos, comportamentos voltados à hiperatividade, estereotipias motoras e comportamentais, rigidez cognitiva e dificuldade de relacionamento com os colegas);
● trocas imediatas de informações pelo uso de agenda, grupos de WhatsApp ou qualquer outro canal de comunicação que estabeleça maior facilidade e rapidez para uma comunicação diária, favorecendo trocas de informações sobre o comportamento da criança e as ocorrências domésticas e nos espaços clínicos e institucionais, que devem, sempre que necessário, ser compartilhadas (momento do sono – quando pode haver alterações voltadas para a insônia calma ou para a insônia agitada –, uso e regularidade da medicação psicotrópica, interrupção da medicação ou reações inesperadas, momento de troca ou inserção de novos medicamentos, alimentação ou particularidades sensoriais associadas etc.), e situações escolares (atividades, passeios, excursões, eventos culturais, comemorações e mudanças de rotina etc.), ou ainda sobre qualquer outra eventualidade observada pelos profissionais.
Compete a cada profissional dentro da sua área e especificidade de atuação, a tarefa de promover suporte e orientação às famílias de pessoas com TEA, desde o momento da notícia do diagnóstico até etapas diversas propostas ao longo do processo de atendimento, e devolutivas acerca dessas intervenções. Portanto, esse trabalho deve e precisa ser entendido pelas famílias como serviço de extensão aos atendimentos realizados junto aos seus filhos com autismo e qualquer outra deficiência, visto que as propostas de intervenções ou tratamentos estabelecidos para cada sessão realizada, só poderão repercutir de forma positiva junto à pessoa com deficiência se a família se propuser a dar-lhes continuidade nos espaços domiciliares e em outros espaços em que essa criança esteja inserida, uma vez que, sem essa continuidade, as intervenções em si não bastam.
Cabe conscientizar o grupo familiar sobre o que se propõe enquanto intervenção de estimulação para essa criança com deficiência, pois é fundamental que não se confunda estimulação com superestimulação, entendendo que nosso cérebro necessita da estimulação a que estamos submetidos diariamente, ou ainda de situações que promovam estimulações pontuais e planejadas de acordo com cada situação apresentada. Mas ao mesmo tempo, a criança também necessita de espaço entre uma intervenção e outra para que os resultados aconteçam de acordo com o planejado; do contrário, o excesso de atividades e intervenções aplicadas de forma ininterrupta, em vez de auxiliar e ajudar, poderá sobrecarregá-la, aumentando seu nível de estresse e levando-a a perder o interesse em participar desses momentos tão necessários ao seu desenvolvimento global.
Tais intervenções precisam fazer sentido à criança, para que tome iniciativas e mostre-se motivada para recebê-las e vivenciá-las, e, assim, ativar a função do sistema límbico ou motivacional, que, em perfeita harmonia, somado às funções da amígdala, ampliará a capacidade de plasticidade cerebral, melhorando muitas situações até então prejudicadas por falhas de funcionamento cerebral (BRAGA, 2018).
É relevante que encontremos uma forma de valorizar o que cada ser humano carrega consigo enquanto bagagem de vida e conhecimento prévio, pois cada ser é único em sua essência e em sua história de vida. Ao realizarmos tal proposta de valorização desses saberes para a vida, estamos dando um salto qualitativo, e é nisso que a Teoria Construcionista se embasa, na busca da valorização das construções das estruturas cognitivas superiores através da construção do próprio mundo, da sua própria experiência, e isso não se ensina, oportuniza-se.
Para concluirmos, faz-se necessária a transformação desse movimento na sala de aula, para assim sairmos da ação meramente tradicional rumo à promoção de um ambiente inovador, que seja e traga atrativos para os alunos em todos os pontos de vista. Apesar de todos os medos e barreiras que com certeza ainda iremos confrontar, pois toda e qualquer mudança gera insegurança e medo. “O conhecimento ainda é o primeiro passo para a inclusão” (Prof. Wilson Candido Braga).
REFERÊNCIAS
APA – AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Referência rápida aos critérios diagnósticos do DSM-5. Tradução de Maria Inês Corrêa Nascimento. Porto Alegre: Artmed, 2014.
BRAGA, Wilson Candido. Autismo: azul e de todas as cores: guia básico para pais e profissionais. São Paulo: Paulinas, 2018. (Coleção Psicologia, Família e Escola).
BRASIL. Decreto nº 6.571, de 17 de setembro de 2008. Dispõe sobre o atendimento educacional especializado, regulamenta o parágrafo único do art. 60 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e acrescenta dispositivo ao Decreto no 6.253, de 13 de novembro de 2007. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10734201/decreto-n-6571-de-17-de-setembro-de-2008>. Acesso em: 10 abr. 2022.
______. Decreto nº 7611, de 17 de novembro de 2011. Dispõe sobre a educação especial, o atendimento educacional especializado e dá outras providências. Disponível em: <https://www.fnde.gov.br/legislacoes/decretos/item/3179-decreto-n%C2%BA-7611-de-17-de-novembro-de-2011>. Acesso em: 10 maio 2022.
______. Lei n. 12.764, de 27 de dezembro de 2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12764.htm>. Acesso em: 20 abr. 2022.
______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA). Brasília, 2014.
______. Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm>. Acesso em: 10 abr. 2022.
______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada e Temática. Linha de cuidado para a atenção às pessoas com transtornos do espectro do autismo e suas famílias na Rede de Atenção Psicossocial do Sistema único de Saúde. Brasília, 2015.
Estratégias para a educação de alunos com necessidades educacionais especiais / coordenação geral: SEESP/MEC; organização: Maria Salete Fábio Aranha. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2003
SCHWARTZMAN, José Salomão; ARAÚJO, Ceres Alves de. Transtornos do Espectro do Autismo – TEA. São Paulo: Memnon, 2011.
SEABRA, Alessandra Gotuzo et al. (Org.). Inteligência e funções executivas: avanços e desafios para a avaliação neuropsicológica. São Paulo: Memnon, 2014.
SERRANO, Paula. A integração sensorial: no desenvolvimento e aprendizagem da criança. Lisboa: Papa-letras, 2016.
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