Makaziwe Mandela: meu pai e seu sonho de igualdade
Alessandro Gisotti
“Um vencedor é simplesmente um sonhador que nunca desistiu”. Quase uma década após sua morte em 5 de dezembro de 2013, Nelson Mandela continua inspirando milhões de pessoas em todo o mundo no compromisso não violento contra todas as formas de racismo. O Prêmio Nobel da Paz é ainda hoje uma referência muito além das fronteiras da África do Sul. Por outro lado, como mostra o “retorno” da xenofobia e do racismo em muitas áreas do planeta, a luta pela igualdade continua sendo muito urgente. Entre os que seguem os passos do líder sul-africano está sua filha, Makaziwe Mandela, envolvida em diversas associações beneficentes, fundadora e presidente da "Casa de Mandela", empresa que através do vestuário, principalmente para os jovens, leva adiante a mensagem de seu pai contra o racismo. Nesta entrevista aos meios de comunicação vaticanos, Makaziwe detém-se na personalidade de Nelson Mandela, na atualidade de seu compromisso social e na importância da educação para vencer os preconceitos que ainda envenenam as relações entre pessoas e povos.
Quase dez anos após sua morte, seu pai ainda é uma figura extraordinariamente popular em todo o mundo. Por que você acha que seu legado ainda é tão importante hoje?
Meu pai era um homem de coragem e visão. Ele realmente acreditava no poder da unidade e que se as pessoas em todo o mundo se reunissem, elas iriam dar um poderoso golpe contra todas as formas de injustiça. Ele era verdadeiramente sincero naquilo em que acreditava e havia valores fundamentais que moldaram sua vida: humildade, perseverança, honestidade e perdão. Meu pai cresceu em um ambiente onde todos podiam expressar suas opiniões livremente e sem medo de punições, onde os líderes eram os pastores e guardiães de seu povo, seus direitos e suas liberdades. Ele assumiu a responsabilidade de ser um líder muito seriamente e encorajou ativamente diferentes formas de pensamento. Uma das muitas coisas que ele ensinou, que é importante em nosso mundo, é que podemos escolher como queremos viver nossas vidas; coisas boas e coisas ruins acontecem a todos nós, mas também estamos imbuídos da responsabilidade de lutar contra todas as formas de injustiça, preconceito, crueldade e violência em nossa sociedade. Ele lutou não apenas pela liberdade dos negros, mas também pela liberdade de todos os sul-africanos.
Infelizmente, todos os dias encontramo-nos diante do racismo e da discriminação em muitas partes do mundo. O que você acha que Nelson Mandela faria hoje diante deste mal que parece estar tão enraizado na história humana?
Durante o julgamento de Rivonia, meu pai disse que ele tinha lutado contra a dominação branca, mas também contra a dominação negra. Ele acreditava que nenhuma raça era superior a outra, que, de fato, geneticamente falando, não havia raças, que havia apenas uma raça, a raça humana. Meu pai julgava as pessoas apenas por seu caráter e valores. Ele ficaria desiludido com o que está acontecendo hoje: a ascensão da extrema direita na política e como o racismo, as guerras culturais e a arrogância, a etnia, o medo, o tribalismo, a violência de gênero e a intolerância religiosa estão sendo transformados em armas e usados para desestabilizar todo o mundo democrático. Isso nos lembraria a todos que as nossas liberdades duramente conquistadas não vieram sem sacrifício, que há pessoas que deram suas vidas para que todos nós pudéssemos ter acesso a direitos iguais. Meu pai acreditava que todas essas coisas foram feitas pelo homem e que, sendo assim, também podiam se desfazer delas. Diz-se que o rei Ngubengcuka, ancestral de meu pai, formou a nação Thembu unindo diferentes grupos; pessoas em busca de refúgio, pessoas deslocadas em busca de uma casa. A nação Thembu era essencialmente formada por pessoas com caminhos de vida diferentes que acreditavam numa ideia. Portanto, a nossa família está profundamente imbuída desta "nação de diversidade", que é transmitida de uma geração para outra, abraçando pessoas diferentes e ideias diferentes. Meu pai acreditava que manter o status quo fosse o inimigo do progresso e que tínhamos que crescer e evoluir como povo. Ele veria o que está acontecendo hoje como um decepcionante retrocesso, que nos leva de volta a tempos sombrios.
Seu pai dizia que “a educação é a arma mais poderosa para mudar o mundo”. O que você acha disso, também com base na sua experiência pessoal?
Meu pai não falava apenas sobre a educação formal tradicional. Ele acreditava que as pessoas podiam se educar por meio de livros, que podiam viajar para longe com os livros, que podiam conhecer outras culturas, que podiam realmente compreender como as outras pessoas vivem. Que o propósito de ir à escola não era apenas aprender o que está num livro, mas também aprender a lidar e conviver com os outros, o contato com outras raças, outras culturas - que a educação poderia libertar da ignorância. Ele acreditava que a educação fosse a base das relações humanas - você aprende algo sobre mim e eu aprendo algo sobre você e descobrimos que temos coisas em comum. Ele acreditava que, uma vez que esses aspectos comuns fossem estabelecidos, a raça não importaria mais. A Covid-19 evidenciou que a superioridade racial na verdade não tem lugar em nossa sociedade porque a Covid é um grande nivelador: não se importa se você é rico ou pobre, negro ou branco, instruído ou não. E também que devemos realmente nos despertar para o fato de que além do "rei cor" há muito pouco que nos separa e que todos somos dotados dos direitos inalienáveis de existir neste mundo, de ter os mesmos privilégios de nossos vizinhos, negros ou brancos.
Quando seu pai morreu, o Papa Francisco expressou a esperança de que seu exemplo pudesse inspirar gerações de sul-africanos "a colocar a justiça e o bem comum antes de suas aspirações políticas". Quanto as novas gerações africanas - não apenas as da África do Sul - ainda são inspiradas por Nelson Mandela?
Muitas pessoas antes acreditavam que a geração jovem de "Millennials" aqui na África do Sul e em todo o mundo estivesse perdida, mas o movimento Black Lives Matter e os altos movimentos para a justiça social mostraram que estão bem presentes e cientes do que está acontecendo ao seu redor, prontos para lutar contra o aumento do racismo, a desigualdade, a pobreza e a violência de gênero. São jovens de todas as raças e estilos de vida, que pedem aos políticos para prestarem contas e lembram a eles que são responsáveis primeiramente pelas pessoas e não por sua vaidade; isso realmente me encoraja e me faz esperar que nem tudo esteja perdido neste mundo. Olhando para África, os jovens não estão esperando por subsídios de seus governos, mas apresentando novas soluções inovadoras em matéria de água e saneamento, segurança alimentar, educação, energia e eletricidade, bem como formas de combater as mudanças climáticas. Esses jovens são muito conscientes em relação a melhorar não apenas suas vidas, mas também a de suas comunidades e de seus conterrâneos. Meu pai sempre acreditou que a caridade começa na própria casa, com as pessoas próximas ou na própria comunidade, se quiser.
O Papa Francisco, assim como Nelson Mandela, sempre destacou o valor da não violência como uma força de mudança. Como esse valor pode ser promovido hoje, especialmente entre as gerações mais jovens?
Devemos enfatizar que o nosso caminho neste mundo serve para curar as feridas que nos circundam e que também carregamos. Meu pai entendeu que, se não tivesse desistido de sua raiva e amargura ao sair da prisão, ele teria continuado na prisão como um homem livre. Devemos aprender a amar aqueles que são diferentes de nós do ponto de vista étnico e cultural, a fim de unir as pessoas além das fronteiras raciais, políticas e econômicas. Devemos construir pontes, principalmente aquelas que nos unem na luta contra as doenças, a pobreza e a fome. Temos todas as soluções à nossa frente, mas por algum motivo quem está no poder se recusa a implementá-las, o que às vezes acho desconcertante e frustrante. Hoje devemos realmente lembrar a indivisibilidade da liberdade humana e que nossa liberdade não pode ser completa sem a liberdade dos outros.
Pessoalmente, qual é o maior e mais importante ensinamento que você recebeu de seu pai e qual foi o mais significativo em sua vida?
Que ninguém nasce odiando o outro por causa da cor da pele, cultura ou fé religiosa - somos ensinados a odiar, e se somos ensinados a odiar, também podemos ser ensinados a amar, porque o amor vem naturalmente ao espírito humano. De minha parte, esforço-me conscientemente, todos os dias, para tratar as pessoas com respeito, dignidade e compaixão. Meu pai sempre tratou todos do mesmo modo, que fosse a rainha ou o varredor de rua, ele realmente pensava que todos os seres humanos fossem iguais. Eu aplico esse mesmo valor a tudo o que faço na vida.
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