Pandemia agrava fome no mundo
Pope
Cerca de um décimo da população mundial sofre de desnutrição, ou seja, quase 811 milhões de pessoa. É o que revela o relatório “Situação da segurança alimentar e da nutrição no mundo” elaborado pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (FIDA), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Programa Mundial de Alimentos (PMA) e Organização Mundial da Saúde (OMS), e divulgado nesta segunda-feira, 12. O agravamento dramático da situação da fome em 2020 está diretamente relacionado às consequências da pandemia de Covid-19.
Mesmo que ainda não se tenha um mapa detalhado do impacto da pandemia, o relatório representa a primeira avaliação global desse tipo na era da pandemia, e revela, entre outros, que o continente africano registra o maior aumento de famintos e desnutridos, enquanto o mundo de forma geral passa por uma fase crítica e deve agir agora para reverter essa tendência até 2030.
Além disso, mais de 2,3 bilhões de pessoas – o equivalente a 30% da população mundial - não teve acesso contínuo a recursos alimentares adequados durante o ano.
Para agravar a situação, em 2020 havia mais de 149 milhões de crianças menores de cinco anos com atraso no crescimento (muito baixas para a idade), mais de 45 milhões de crianças debilitadas (muito magras para a altura) e cerca de 39 milhões com excesso de peso. Três bilhões de adultos e crianças não conseguiram ter acesso a uma dieta saudável.
As edições anteriores já haviam dado o sinal de alerta, sinalizando que a segurança alimentar de milhões de pessoas, incluindo muitas crianças, estava em risco. "Infelizmente, a pandemia continua a trazer à tona as deficiências de nossos sistemas alimentares, carências que ameaçam a vida e a subsistência de muitas pessoas em todo o mundo", escrevem os responsáveis pelas cinco agências da ONU no prefácio do relatório.
Eles também advertem que estamos em uma "fase crítica", mas colocamos novas esperanças em um renovado impulso diplomático. “Este ano temos uma oportunidade sem precedentes de realizar progressos na segurança alimentar e nutricional por meio da transformação dos sistemas alimentares, graças à Cúpula das Nações Unidas sobre Sistemas Alimentares, à Cúpula Nutrição para o Crescimento e à COP26 sobre mudanças climáticas”, que será realizada em breve. "O resultado desses eventos", acrescentam, "continuará a moldar a segunda metade da Década de Ação das Nações Unidas sobre a Nutrição, um compromisso político global que ainda não atingiu sua velocidade de cruzeiro.
Os dados
Já em meados da década de 2010, a fome havia começado a aumentar, destruindo as esperanças de um declínio irreversível. A levantar preocupação foi, em 2020, o seu aumento repentino em termos absolutos e proporcionais, que superou o crescimento populacional: segundo estimativas, os subnutridos representavam cerca de 9,9% da população mundial no ano passado, contra 8,4% em 2019.
Mais da metade de todas as pessoas subnutridas (418 milhões) vivem na Ásia, mais de um terço (282 milhões) vivem na África e uma parcela menor (60 milhões) na América Latina e no Caribe. No entanto, a fome aumentou especialmente na África, onde a prevalência da desnutrição é estimada em mais de duas vezes a de qualquer outra região (21% da população).
2020 também foi um ano negativo no que tange a outros parâmetros. Mais de 2,3 bilhões de pessoas (o equivalente a 30% da população mundial) não tiveram acesso contínuo durante o ano a recursos alimentares adequados. Tal indicador, conhecido como "prevalência de insegurança alimentar moderada ou grave", cresceu em apenas um ano tanto quanto nos cinco anos anteriores, considerados na sua totalidade. A desigualdade de gênero se acentuou: em 2020, a insegurança alimentar afetou 11 mulheres para cada 10 homens (um aumento em comparação com 10,6 em 2019).
A desnutrição em todas as suas formas não foi erradicada. Foram principalmente as crianças que pagaram por isso: de acordo com as estimativas, em 2020 havia mais de 149 milhões de crianças menores de cinco anos com atraso no crescimento (muito baixas em comparação com a idade, mais de 45 milhões de crianças debilitadas (muito magras para a altura) e cerca de 39 milhões com excesso de peso.
Até três bilhões de adultos e crianças não puderam ter acesso a uma dieta saudável, em grande parte devido aos custos excessivos. Cerca de um terço das mulheres em idade reprodutiva sofre de anemia. No total, apesar dos progressos realizados em alguns âmbitos (por exemplo, aumentou o número de recém-nascidos amamentados exclusivamente no peito), o mundo não está acompanhando o ritmo necessário para cumprir as metas estabelecidas para os diversos indicadores nutricionais até 2030.
Outras causas da fome e desnutrição
Em muitas regiões do mundo, a pandemia causou recessões devastadoras e prejudicou o acesso aos alimentos. No entanto, antes mesmo da pandemia, a fome já estava em aumento e se registravam poucos progressos no combate à desnutrição, especialmente em países em meio a conflitos, eventos climáticos extremos ou outras dificuldades econômicas, ou em meio a profundas desigualdades. O relatório inclui todos esses fatores entre as principais causas da insegurança alimentar, que interagem entre si.
Quanto às tendências atuais, o Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo calcula que o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 2 (Fome Zero até 2030) não será alcançado por uma diferença de quase 660 milhões de pessoas; para cerca de 30 milhões delas, o motivo poderia estar ligado aos efeitos duradouros da pandemia.
O que ainda é possível fazer
Conforme descrito no relatório do ano passado, transformar os sistemas alimentares é essencial para alcançar a segurança alimentar, melhorar a nutrição e tornar uma dieta saudável acessível para todos. A edição deste ano dá um passo em frente ao delinear seis “caminhos de transformação” que, segundo os autores, baseiam-se em um “conjunto coerente de políticas e investimentos” para combater as causas da fome e da desnutrição.
Segundo o específico fator causal (ou da combinação específica de fatores causais) que cada país enfrenta, o relatório insta os formuladores de políticas a:
- Integrar políticas humanitárias, de desenvolvimento e de construção da paz em zonas de conflito, por exemplo, por meio de medidas de proteção social destinadas a evitar que as famílias sejam forçadas a vender seus poucos bens em troca de alimentos;
· Fortalecer a resiliência às mudanças climáticas nos sistemas alimentares, por exemplo, oferecendo aos pequenos agricultores amplo acesso a apólices de seguro contra riscos climáticos e financiamento baseado em previsões;
· Fortalecer a resiliência das pessoas mais vulneráveis nas conjunturas econômicas adversas, por exemplo, por meio de programas de apoio em dinheiro ou em espécie com o objetivo de mitigar o impacto de choques como pandemias ou a volatilidade dos preços dos alimentos;
· Intervir ao longo das cadeias de abastecimento para reduzir o custo dos alimentos nutritivos, por exemplo, incentivando o cultivo de variedades bio-fortificadas ou facilitando o acesso dos produtores de frutas e vegetais aos mercados;
· Combater a pobreza e as desigualdades estruturais, por exemplo, relançando as cadeias de valor de alimentos em comunidades pobres por meio de transferências de tecnologia e programas de certificação;
Fortalecer "ambientes alimentares" e mudar o comportamento dos consumidores, por exemplo, eliminando ácidos graxos trans de origem industrial e reduzindo o teor de sal e açúcar na dieta, ou protegendo crianças e jovens do impacto negativo do marketing dos produtos alimentares.
Os autores do relatório também fazem votos de um "contexto propício de instituições e mecanismos de governança" que tornem possível a transformação. Eles exortam os responsáveis das políticas para realizarem amplas consultas, promoverem o empoderamento das mulheres e jovens e aumentarem a disponibilidade de dados e novas tecnologias. Mas, acima de tudo, alertam os autores, o mundo deve agir agora; caso contrário, as causas da fome e da desnutrição se repetirão com intensidade crescente nos próximos anos, mesmo muito depois de termos superado a crise da pandemia.
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