Países da Pan-ôԾ lançam atlas de conflitos socioterritoriais
Brasília
Em reunião realizada na cidade de Cobija, na Bolívia, em março de 2018, a partir de iniciativa surgida no VIII Fórum Social Panamazônico (Fospa), em Tarapoto, Peru, representantes de organizações e movimentos sociais de países pan-amazônicos conceberam a proposta de mapear conflitos socioterritoriais específicos da região amazônica.
Sob organização da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que há 34 anos divulga o relatório “Conflitos no Campo Brasil”, o Atlas de Conflitos Socioterritoriais Pan-Amazônico une diversas entidades para mapear os conflitos da Amazônia, que abrange, ao todo, nove países. O Atlas cobre, assim, 85% da área da Pan-Amazônia.
A sistematização dos dados envolveu as seguintes organizações: CPT, Grupo de Pesquisa e Extensão sobre Terra e Território na Amazônia (Gruter) da Universidade Federal do Amapá, Observatório da Democracia, Direitos Humanos e Políticas Públicas - Brasil; Centro de Investigación y Promoción del Campesinado (CIPCA) - Bolívia; Federación Nacional de Mujeres Campesinas Bartolina Sisa - Bolívia; Instituto del Bien Común - de Peru; Asociación Minga - Colômbia; e Universidad de La Amazonia - Colômbia.
Conflitos e famílias envolvidas
O levantamento registra 1.308 conflitos ativos - ou seja, com desdobramentos - no cenário dos anos 2017 e 2018, muitos dos quais seguem constantes. A pesquisa considera números qualificados estado por estado, departamento por departamento, nos quatro países. Ao todo as lutas socioterritoriais envolveram 167.559 famílias amazônicas.
O Brasil compreende 60% da área territorial da Pan-Amazônia e encabeça a lista do maior número de conflitos, 995 do total, seguido por 227 conflitos em Colômbia, 69 no Peru e 17 na Bolívia.
No recorte 2017-2018, apenas no Brasil foram 131.309 famílias atingidas por estes conflitos, seguidas de Peru, com numerosos conflitos coletivos, envolvendo 27.279 famílias, enquanto Colômbia documentou 7.040 família e Bolívia, 1.931 - ainda sob o governo de Evo Morales.
Sujeitos sociais
Diversos sujeitos sociais resistiram, junto aos seus territórios, ao avanço de frentes colonizadoras, extrativistas e de grilagem de terras. Estes sujeitos foram agrupados em quatro grandes grupo: Indígenas; diversidade de Comunidades Tradicionais - como ribeirinhos e seringueiros -; Quilombolas; e os Colonos e Pequenos Agricultores (chamados interculturales em Bolívia e Peru), compostos por colonos. No Brasil, mais de 42% dos conflitos na PanAmazônia envolveram pequenos agricultores - frentes de migração e de colonização -, enganados pelas promessas de terra fácil; em seguida estão os indígenas (17%); Comunidades Tradicionais (29%); Quilombolas (11%). Assim, no Brasil os grupos de Indígenas, Comunidades Tradicionais e Quilombolas representam mais da metade dos conflitos (528).
Na Bolívia, os indígenas e campesinos (como são denominadas as comunidades tradicionais), representam a totalidade dos grupos envolvidos. No Peru, a maioria dos conflitos registrados (78%) envolvem povos indígenas, enquanto na Colômbia, os conflitos que abarcam os indígenas correspondem a um terço do total no país. Os conflitos que englobam quilombolas na Amazônia foram registrados quase todos no Brasil.
Situações territoriais distintas
Os sujeitos sociais que compreendem sem-terra e posseiros, por exemplo, trazem uma diversidade de situações de conflitos por terra e territórios, quais sejam: Territórios não legalizados (de posseiros, indígenas ou comunidades tradicionais); territórios com problemas de superposição de áreas ou de concessões; territórios com diversos tipos de invasões (grileiros, madeireiros, garimpeiros, por exemplo); territórios atingidos por problemas ambientais; e ainda grupos sem terras ou fora dos seus territórios (como acampados e despejados).
Em números gerais, na Panamazônia, pesa mais a situação do Brasil, onde a maioria de territórios em conflito (59%) abrange terras sem legalização e/ou com falta de titulação legal: Comunidades tradicionais e indígenas sem território reconhecido e demarcado, ou áreas de posseiros sem reconhecimento legal. Na Amazônia brasileira, 12% dos grupos são de semterras, fora dos seus territórios tradicionais, ou em situação de acampados e/ou despejados de suas terras.
Na Bolívia 25% dos territórios têm problemas de legalização e outros 25% sofrem com invasões. A situação territorial de conflito que predomina na Colômbia (84%), no Peru (50%), e também na Bolívia (34%) é de territórios atingidos por problemas ambientais.
Causas dos conflitos
O agronegócio - categoria que agrupa a pecuária e outras monoculturas (como soja, algodão, dendê, eucalipto) - representa, no Brasil, 60% das causas registradas dos conflitos, ao passo que nos quatro países juntos, a categoria é responsável por 43% dos conflitos.
Assim, no Peru predomina a mineração (citada como causa de 22 conflitos) e a extração de petróleo e/ou gás (em 18 conflitos), sendo as principais causadoras de conflitos na Amazônia peruana: 56% do total. A mineração representa no geral 4,9% das causas de conflitos registrados no total dos quatro países.
Atrás apenas do agronegócio está a extração de madeira: 13,10% do total, com 139 conflitos, o que na Bolívia representa 43,2% do total, sendo assim, a principal causa de conflitos nas comunidades bolivianas amazônicas.
O Plantio de Produtos Ilícitos continua sendo uma questão emblemática na Amazônia colombiana, onde foram registrados 27 conflitos, porém a principal causa de conflitos no país é a construção de Infraestrutura de transporte (como estradas, pontes, hidrovias) sob o número de 90 conflitos, a maioria do total geral de 102 conflitos.
Outros tipos de conflitos costumam atingir milhares de famílias, como os conflitos provocados pela construção de Hidroelétricas e por outros projetos energéticos, que representam 5% do total geral, ou 53 conflitos nos quatro países; 41 deles - a maior parte - no Brasil.
Do número total de conflitos, 50 deles têm como causa a chamada “economia verde” ou por problemas por usos ambientais, como a criação de reservas de conservação ambiental em atrito com as comunidades que as habitam, ou aqueles provocados pela implantação de projetos de crédito de carbono, problema recorrentemente citado no Peru e na Colômbia.
Em três países, Brasil, Colômbia e Bolívia, a destinação ou utilização dos territórios comunitários e/ou camponeses para uso público ou militar também é citada como outra causa de conflitos.
Violência contra as pessoas e destruição de suas posses
O processo de luta e resistência das comunidades em defesa dos seus territórios, muitas vezes as obriga a pagar um preço alto em vidas e perdas, provocado pela violência, que tem como motivação a disputa por territórios e seus recursos naturais.
Nestes dois anos foram registradas 118 mortes, sete delas de mulheres vítimas da violência, que lutaram por suas famílias e por seus territórios nos quatro países da Pan-Amazônia. No Brasil foi registrada a maior parte dos números, 80 assassinatos (seis deles de mulheres) bem como as Tentativas de Assassinato (100), Ameaças de Morte (225) e Agressões de diversos tipos (115), em contexto de criminalização de lideranças e de sujeitos das comunidades em conflito: 351 pessoas foram detidas, presas ou submetidas a processos judiciais pela defesa dos seus territórios.
No território da Amazônia colombiana, que corresponde a 10% da superfície pan-amazônica, foram registrados o assassinato de uma mulher e de 35 homens, apenas em 2017 e 2018. Peru registrou nove mortes na região amazônica, enquanto que na Bolívia nenhuma morte foi registrada.
A Violência contra a Posse, que catalogam, paulatinamente, o avanço dos inimigos sobre os territórios do povo amazônico do campo, somaram um total de 401 despejos de terras e 380 casos de destruição de casas, lavouras ou outros bens. No Brasil a maior parte foi de destruições e de despejos (375), fossem estes por reintegrações de posse judiciais ou por expulsão pela força. Na Bolívia foram 19 despejos territoriais forçados, 14 de destruições das posses no campo; Colômbia foram 22 casos do tipo.
Mapeamento
Com este detalhamento país por país, estado por estado, o Atlas qualifica o perfil dos conflitos amazônicos, nos quais os seus sujeitos sociais são envolvidos, identificando causas específicas e a situação territorial em que ocorrem, assim como as violências que as acompanham.
Josep Iborra, da Comissão Pastoral da Terra, que participou do processo de sistematização dos dados relembra “Que as árvores não nos impeçam de ver o bosque, qualificar e unificar nossa visão do que acontece na Amazônia toda, permitindo assim fortalecer o enfrentamento e a resistência daqueles que lutam por suas terras e territórios, dos povos da floresta e dos povos das águas, incluindo nos territórios os rios e lagos, as águas que tanta importância tem na região amazônica”.
O Atlas de Conflitos Socioterritoriais da Panamazônia espera continuar e ampliar a iniciativa surgida dentro do Fórum Social Panamazônico (Fospa), que é um espaço de encontro, continuidade e de trabalho em rede que evidencia a diversidade de realidades sociais.
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