Morre o grande compositor Ennio Morricone aos 91 anos. Ravasi: expressava o inef¨¢vel
Michele Raviart/Mariangela Jaguraba ¨C Pope
Faleceu em Roma aos 91 anos, nesta segunda-feira (06/07), o músico e compositor Ennio Morricone, um dos mais famosos autores de trilhas sonoras da história do cinema. Ele estava internado numa clínica romana por causa de uma queda. Morreu ao amanhecer ¡°com o conforto da f顱, anunciou numa nota o seu amigo e advogado Giorgio Assumma. O maestro ¡°conservou até o fim plena lucidez e grande dignidade. Saudou sua amada esposa Maria que o acompanhou com dedicação em cada momento de sua vida humana e profissional e esteve com ele até o último suspiro¡±. O funeral se realizará de forma particular ¡°com respeito ao sentimento de humildade que sempre inspirou os atos de sua existência¡±.
Mais de 500 trilhas sonoras
Nascido em Roma em 10 de novembro de 1928 e formado como trompetista e maestro no Conservatório de Santa Cecilia, Ennio Morricone está indissoluvelmente ligado ao nome de Sergio Leone, com quem alcançou fama internacional pelas trilhas sonoras de seus filmes, desde ¡°Por um punhado de dólares¡± até ¡°Era uma vez na América¡±. Em sua carreira ele compôs mais de 500 trilhas sonoras incluindo as de ¡°Novo Cinema Paraíso¡± e ¡°Missão¡±, trabalhando também com Pasolini e Gillo Pontecorvo na ¡°Batalha de Argel¡±. Vencedor do Óscar por sua carreira em 2007 e por ¡°The Hateful Eight¡± de Quentin Tarantino em 2016, Morricone também fez o arranjo musical de grandes clássicos da música pop italiana dos anos 60 como ¡°Se telefonando¡± e ¡°Sapore di sale¡±.
As condolências de Mattarella
¡°A morte de Ennio Morricone nos priva de um artista ilustre e brilhante¡±, escreveu o presidente da República Italiana, Sergio Mattarella. ¡°Um músico ao mesmo tempo refinado e popular¡±, lê-se na declaração do Quirinale, ¡°ele deixou uma marca profunda na história musical da metade do século XX¡±. Através de suas trilhas sonoras, ele contribuiu muito para difundir e fortalecer o prestígio da Itália no mundo¡±.
Entre música e fé
Em 2019, ele recebeu a Medalha de Ouro do Pontificado do Papa Francisco ¡°por seu extraordinário compromisso artístico, que também tinha aspectos de natureza religiosa¡±. O presidente do Pontifício Conselho da Cultura, cardeal Gianfranco Ravasi, foi quem materialmente lhe concedeu o prêmio. ¡°Estou próximo com afeto de sua esposa Maria e de sua família ao lembrar o Maestro Ennio Morricone¡±, escreveu o purpurado num tuíte. ¡°Eu o confio a Deus para que o acolha na harmonia celestial, talvez atribuindo-lhe a tarefa de alguma partitura a ser executada pelos coros angélicos¡±. No ano passado, ele se despediu das cenas e, surpreendentemente, aceitou dirigir um concerto na Sala Paulo VI, no Vaticano. ¡°Eu não podia dizer não¡±, disse Ennio Morricone naquela ocasião. Para o cardeal Ravasi, apesar da diversidade de gêneros, a música de Morricone expressava espiritualidade e religiosidade.
O que Ennio Morricone representou não apenas na cultura musical de nosso tempo?
Ravasi: Pelo conhecimento que tive dele, graças a vários encontros, as lembranças de Ennio Morricone são muitas. Reconheço que não é apenas a grande vertente cinematográfica que será lembrada. Sabemos como ele foi original e significativo neste campo, especialmente no mundo católico, com o filme ¡°Missão¡± como exemplo fundamental, mas devo recordar Morricone por pelo menos dois eventos particulares que foram extraordinariamente espirituais: o encontro e a estada com ele por alguns dias na Polônia, quando preparou um Oratório para João Paulo II. O segundo evento é o encontro mais recente em 15 de abril de 2019, quando entreguei a ele, em nome do Papa Francisco, a Medalha de Ouro do Pontificado por sua obra musical. Estes dois momentos testemunham o que ele sempre atestou: sua fé.
Havia algo religioso na música de Morricone, quer ele musicasse um filme western ou um filme policial ou mesmo um filme religioso, como ¡°Missão¡± citado pelo senhor?
Ravasi: Certamente ele tinha um interesse particular de fazer música digamos sacra ou em termos gerais religiosa. Morricone me disse isso mais de uma vez, também porque havia essa dimensão espiritual e religiosa em sua música. Este aspecto estava dentro dele: criar música como tal, assim como ele a expressou, passando através da diversidade de gêneros mais impensáveis em certos aspectos. Se parte de ¡°Por um punhado de dólares¡± ou ¡°Era uma vez na América¡± de Sergio Leone e se passa através da ¡°Batalha de Argel¡± de Gillo Pontecorvo, mas também ¡°Uccellacci, uccellini¡± de Pier Paolo Pasolini e muitos outros, ou seja, um panorama muito articulado. Devo dizer que sempre a grande música que ele propôs tem dentro de si o que foi afirmado na grande tradição, ou seja, que a música é de certa forma a linguagem da transcendência, a linguagem que conta o mistério. Mesmo quando fala secularmente, a sua beleza é algo que nos conduz passo a passo em direção ao eterno. É o infinito.
Com Morricone a música não é apenas comentário, mas também protagonista junto com a imagem. Este é o valor a mais que Morricone deu à música?
Ravasi: Isto é verdade. De fato, devo evidenciar, até onde pude ouvir dele, a atenção que ele tinha pela função do comentário sonoro. Uma vez o convidei explicitamente ao meu dicastério, o Pontifício Conselho da Cultura, durante uma plenária e o convidei para falar sobre o tema da beleza, a partir da sua experiência como músico, e ele disse algumas coisas muito originais. Há duas grandes experiências, que são a experiência auditiva, que é precisamente a da música, onde a escuta é fundamental, e o aspecto visual que é a descoberta de como a música evoca, faz intuir, consegue representar os fatos de forma eficaz. Se revirmos os filmes aos quais Ennio Morricone compôs a trilha sonora, é quase espontâneo recordar não só a dimensão visual, mas também sonora. Há um fio musical que anda de mãos dadas com o da imagem, intimamente ligados. Isto vale para a mencionada ¡°Missão¡±: neste caso de forma significativa o comentário musical é de natureza religiosa e ilustra o tema do filme, que é o tema da missão. É por isso que acredito que todos nós devemos ser gratos a Ennio Morricone, fiéis e não fiéis, mas sobretudo os fiéis a quem ele pertencia, por ter sido capaz de expressar o inefável e o invisível ao mesmo tempo que são a alma da religião.
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