Bispos do Chile: há um profundo mal-estar que deve ser compreendido
Pope - Cidade do Vaticano
Foram dias de violência não habitual, mas é somente o resultado de décadas de um sistema socioeconómico que ruiu no Chile sexta-feira passada, 18 de outubro. As manifestações coletivas dos últimos anos que pediam melhorias nos setores da saúde, do trabalho, da previdência social, da educação, habitacional e dos transportes tiveram sequência, na última semana, com uma maciça manifestação de protesto devido ao aumento da passagem do metrô.
Foi a centelha que acendeu a atmosfera desdobrando-se em atos de violência em vários setores de Santiago, a moderna capital chilena, mas também uma das cidades socialmente mais segregadas e com maiores desigualdades da América Latina.
O primeiro dia de protestos deixou 14 estações do metrô destruídas, além de 10 edifícios, locais comerciais e estruturas públicas dadas às chamas e este domingo (20/10), várias pessoas mortas nos incêndios deflagrados em diferentes setores, fruto de grupos que com atos vandálicos, reivindicando a luta pela justiça, destruíram sobretudo infraestruturas úteis para os menos favorecidos.
Estado de emergência
A reação do governo foi tardia e ao tempo em que as desordens aumentavam nas ruas principais, nas redes sociais as críticas à liderança política se agravaram contra o poder executivo e contra o Congresso Nacional. Desse modo, em poucas horas os atos de violência se multiplicaram em várias cidades do Chile, junto a centenas de mobilizações sociais espontâneas em vários bairros.
Através de manifestações pacíficas chamadas “cacerolazos” (panelaços), tornou-se evidente que, sem justificar a violência, a sociedade chilena está cansada com a iniquidade que impediu que o renomado desenvolvimento econômico do país melhore as condições de vida para os cidadãos. Sobretudo para aqueles que vivem nas periferias territoriais e existenciais.
Para restabelecer a segurança e a ordem social, o presidente da nação, Sebastián Piñera, decretou sexta-feira passada estado de emergência em algumas cidades. E embora a medida tenha sido aplaudida por aqueles que pedem mão dura contra a delinquência das últimas horas, contra os incontroláveis saqueios de supermercados, bancos e depredações públicas, para outros esta decisão foi como tentar apagar o fogo com gasolina. Sobretudo porque a sociedade chilena ainda não se recuperou dos duros anos de repressão durante a ditadura que durou de 1973 a 1990.
A voz dos bispos
Nas horas precedentes ao primeiro toque de recolher decretado pelo governo, que limitou a circulação pública no sábado à noite, os bispos chilenos publicaram uma declaração. Nela, descreveram os eventos recentes como dolorosos e traumáticos e reconheceram que estes “fazem parte de um processo que estamos atravessando há décadas e que tem consequências profundamente humanas que não podemos ignorar”.
Por esse motivo, além de condenar veementemente a violência, lançaram um apelo a unir a vontade das autoridades e dos líderes sociais para compreender o cenário complexo e buscar soluções.
Todavia, ressaltaram que isso deve se verificar com a participação da maioria dos cidadãos. Os pastores da Igreja católica no Chile, falando também em primeira pessoa, afirmaram que aqueles que exercem a liderança no país devem “compreender o profundo mal-estar das pessoas e das famílias, atingidas por medidas iníquas e decisões arbitrárias que dizem respeito à vida delas de cada dia e por práticas diárias que consideram abusivas, porque atingem sobretudo os grupos mais vulneráveis”.
A violência mata a paz”
Horas antes, o administrador apostólico de Santiago, Dom Celestino Aós, ofmCap, transmitira um vídeo nas redes sociais no qual afirmava que “a paz do Chile é tarefa e responsabilidade de cada um de nós. Uma paz baseada na verdade, respeito e justiça. A violência enfraquece e mata a paz. Por esse motivo sentimo-nos entristecidos, feridos, quando vemos os efeitos da violência destes dias”.
A última ação tomada pelo governo foi voltar atrás na readequação do preço da passagem do metrô. Enquanto isso, as aulas nas escolas e nas universidades estão suspensas, os serviços de transporte funcionam precariamente e o toque de recolher está se difundindo em outras cidades, segundo um modelo de presença militar e de polícia que com dificuldade desencoraja os propugnadores da violência de seus atos e os cidadãos de suas manifestações pública de dissenso.
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