Eutanásia: “Estamos a começar a casa pelo telhado”
Rui Saraiva - Porto
Em Portugal foi apresentada recentemente uma proposta de Lei a favor da legalização da eutanásia. Assinada pelo Bloco de Esquerda esta proposta está a suscitar múltiplas reações na sociedade portuguesa.
A Associação dos Médicos Católicos Portugueses já se pronunciou contestando esta proposta de legalização da eutanásia referindo que “vai contra a própria medicina”. Segundo informa a Agência Ecclesia, os médicos católicos portugueses afirmam que a aprovação desta proposta de Lei “afetará gravemente a relação médico-doente”.
Para a Associação dos Médicos Católicos Portugueses, “admitir que os médicos possam validar ou participar numa decisão que provoca a morte, com o objetivo de eliminar o sofrimento, é absolutamente inaceitável”.
Ana Sofia Carvalho é diretora do Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa e prestou declarações à Rádio Renascença considerando que “o grande debate deveria ser como conseguimos dar condições dignas para as pessoas passarem os seus últimos dias de vida e como podemos melhorar a dignidade das pessoas na morte”.
“Nós sabemos que não temos uma rede de cuidados paliativos que chegue a toda a população. Não obstante isso as pessoas têm de ser tratadas com dignidade nas últimas fases. Eu acho que o debate deveria ser nesse sentido e só após termos feitos todos os esforços para garantir que as pessoas morrem de forma digna, que têm cuidados domiciliários e o apoio que necessitam nesta fase da sua vida, então aí é que poderemos percecionar se verdadeiramente as pessoas perante essas circunstâncias ainda querem morrer. Estamos a começar a casa pelo telhado”.
Nas suas declarações à Emissora Católica Portuguesa, Ana Sofia Carvalho recorda que hoje “é possível controlar a dor” minimizando o sofrimento dos doentes:
“A dor hoje é tratada. Existem especialistas da dor, é possível controlar a dor, é possível minimizar o sofrimento. São exatamente essas questões que eu não vejo hoje respondidas na sociedade portuguesa.”
“Há duas áreas dos cuidados paliativos que devem estar presentes em todos os profissionais de saúde, que é exatamente tratar a dor e o sofrimento e comunicar com a pessoa e conseguir manter apoio psicológico num doente que está em fase terminal da sua vida. E, portanto, esse tem que ser o trabalho."
"Obviamente, que haverá sempre situações que não são contornáveis, mas nós não podemos perante a inexistência de um sistema capaz de tratar as pessoas de forma digna em fim de vida, estarmos a dar… e não é esse o país em que eu quero morrer e viver… estarmos a dar à pessoa como solução matar-se.”
Para esta especialista em Bioética existe na sociedade portuguesa alguma confusão de conceitos, pois, uma coisa é a eutanásia outra coisa é deixar morrer. Porque “deixar morrer é uma obrigação de qualquer profissional de saúde” – afirmou Ana Sofia Carvalho à Rádio Renascença:
“Deixar morrer é uma obrigação de qualquer profissional de saúde. Portanto, o profissional de saúde tem que ser preparado para saber que, muitas vezes, não há soluções técnicas nem clínicas para que aquela pessoa continue a sua vida com dignidade. E tem que ter a coragem moral de saber parar. Muitas vezes, isso não acontece por diversas circunstâncias".
"E, portanto, isso é, realmente uma questão ética de extrema importância, que é: deixar as pessoas morrer quando elas, verdadeiramente, não têm um prognóstico que lhes permita manter a vida com dignidade. Saber parar. Ter a coragem moral de saber parar.”
“A eutanásia tal como está a ser discutida na sociedade é uma pessoa que pede para ser morta e alguém, um médico ou não, executa um pedido dessa pessoa. Portanto, é uma situação que não tem relação com a obstinação terapêutica. A obstinação terapêutica é algo que é eticamente desajustado completamente e que não pode acontecer".
"As pessoas têm que saber, os profissionais de saúde, as famílias e, muitas vezes, os próprios doentes, têm que perceber que a ciência não responde a tudo. Muitas vezes, é necessário saber e ter a coragem moral de dizer chega. Porque esta intervenção está a causar um dano maior do que um benefício. Essa é que é a situação e a circunstância que tem que ser debatida.”
“Nós temos um estudo sobre como saber parar. Porque, preocupantemente, na Europa estima-se que dez por cento dos doentes morra com quimioterapia nos últimos quinze dias de vida. Isto não pode acontecer. Porque (o doente) vai ter quimioterapia, vai morrer numa unidade de cuidados intensivos, em vez de morrer numa situação mais digna.”
Ana Sofia Carvalho é diretora do Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa e membro do Grupo Europeu de Ética em Ciência e Novas Tecnologias. É também coordenadora do Programa de Doutoramento em Bioética da Universidade Católica, membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, coordenadora do Programa para a Responsabilidade na Investigação da Fundação para a Ciência e Tecnologia e perita na área da avaliação ética da Comissão Europeia.
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