Justi?a para o mart¨ªrio do Irm?o Vicente Ca?as
Cristiane Murray - Cuiabá
Ronaldo Osmar, ex-delegado da Polícia Civil de Juína, acusado de agenciar a morte de Vicente Canãs em abril de 1987 foi condenado pelo Tribunal do Júri a 14 anos e 3 meses de reclusão em regime inicial fechado.
Não é coincidência que um homem magro, barbudo, tenha sido martirizado pela demarcação das terras indígenas. A história se repete há mais de dois mil anos¡±. Vicente Canãs, missionário espanhol que se fez Enawenê Nawê, estava nu quando foi covardemente assassinado. Nu vai além da condição de unicamente despido. No sentido figurativo da afirmação, encontrava-se sem nenhuma proteção. Vitimado por uma emboscada arquitetada pela ganância. A morte de Jesus foi confirmada com uma perfuração no abdômen pela lança de um soldado romano.
¡°É uma causa da sociedade, de justiça e memória¡±, sustentou Ricardo Pael, procurador do Ministério Público Federal. ¡°A importância desse julgamento vai além do Brasil e do Mato Grosso. Esse júri faz memória da história de colonização do Brasil, que foi violenta.
A polícia do local do assassinato, responsável pela investigação, omitiu sua função. Desconsiderou a história de violência e a realidade. Nenhum fazendeiro foi inquerido na época¡±.
Terras indígenas eram cobiçadas
As terras dos Enawenê Nawê eram desejadas por fazendeiros e madeireiros e viam em Vicente uma ameaça, uma força aos indígenas que pediam para demarcação. Contudo, mesmo sabendo disso, nenhum fazendeiro foi investigado¡±, afirmou Pael, procurador federal.
¡°O réu intermediou os interesses dos fazendeiros. Agiu para eliminar o empecilho dos interesses fazendeiros. Além de arregimentar o grupo que assassinou, orientou como proceder¡±, continuou o procurador. ¡°Se utilizavam da força da polícia para cometer crimes¡±. Eram recorrentes as conversas que rondavam na região de Juína sobre o pedido de extradição do Vicente por parte de fazendeiros e madeireiros.
Cañas cumpriu o chamado profético de denunciar as injustiças, a morosidade nas demarcações, a invasão de terras indígenas. Pôs em evidência os gemidos da periferia e por isso é mártir da demarcação dos Enawenê Nawê. As galileias modernas são outras, contudo, consistem as vítimas que ousam as denunciar.
Pe. Paulo Suess
Para o teólogo Pe. Paulo Suess, "a morte de Vicente não pode ser revertida, mas 'matar é um crime'. Ouça:
¡°A justiça tarda, mas é preciso que seja feita. O julgamento demonstra que não tudo é possível. Que os índios, mesmo tarde, tem ao menos proteção no Ministério Público federal ou regional. O CIMI também foi atrás, com a sua advogada, não para reverter esta morte, mas para dizer que nós somos a favor da vida, também dos missionários, dos índios, das lideranças que foram assassinados... tantos, nestes anos, e que o assassinato é crime ¨C que seja dito isso ¨C e que o assassinato do Vicente Canãs foi um crime¡±, isto é importante.
O Conselho Indigenista Missionário, CIMI, emitiu uma nota de esperança:
"Num contexto caracterizado pelo crescimento exponencial das ameaças aos direitos e à vida de lideranças indígenas e agentes indigenistas, a condenação em questão serve como uma luz a mostrar que o caminho da impunidade pode ter um limite. Consideramos que a decisão do júri popular realizado na Justiça Federal de Cuiabá (MT) servirá como forte instrumento político inibidor de novos casos de assassinatos de defensores de direitos humanos naquele estado e nas demais regiões do Brasil".
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