O G20 ¨¤ luz dos ensinamentos do Papa Francisco
Padre Dr. Marcus V. Brito de Macedo - Doutor em Relações Internacionais e Comunicação Social/Professor da PUC-RJ
Anualmente, as vinte maiores economias mundiais reúnem-se em um país-sede com um propósito em vista: ser um fórum de cooperação internacional, buscando promover a estabilidade econômica. Assim pode ser definido o encontro do G20, que acontece no Rio de Janeiro, a meados de novembro.
Desde o seu primeiro encontro, em 1999, a cúpula do G20 entendeu que os desafios globais exigem uma abordagem integrada entre ética e ação política, pilares que garantirão às gerações futuras um sistema financeiro mais estável e inclusivo, e ajudarão no enfrentamento a crises globais, como mudanças climáticas e desigualdades sociais ¨C o que demonstra uma constante atualização a respeito da missão da entidade, que hoje alarga seu horizonte de atuação para além do campo econômico.
No epicentro desse movimento internacional entre nações, o Brasil assumiu a presidência rotativa da cúpula e sedia o encontro, que tem como principais temas o combate à fome e à pobreza, o desenvolvimento sustentável e a reforma da governança global. Mas não somente coordena as negociações e acordos entre líderes ao longo de seu mandato. Nosso país propôs iniciativas como o G20 Social, que buscou engajar a sociedade civil globalmente, promovendo debates e ações concretas. As reuniões incluíram jovens, mulheres, cientistas e outros setores da sociedade, reforçando a ideia de inclusão e participação popular como legado do evento.
Foi justamente em um evento do G20 Social que o Brasil propôs a Aliança Global contra a fome, tema caro aos governantes nacionais, frequentemente preocupados com o país ocupando sua cadeira cativa no mapa da fome ao longo de décadas.
É importante notar que em 2013, seu primeiro ano de pontificado, Papa Francisco, em mensagem a Vladimir Putin, presidente da Rússia, que naquele ano sediava o evento, dirigia uma firme mensagem: ¡°o contexto atual, altamente interdependente, exige uma moldura financeira mundial, com regras justas, para conseguir um mundo mais equitativo e solidário, no qual seja possível eliminar a fome¡¡±.
Há uma espécie de simbiose entre o pensamento do Papa e os temas centrais debatidos no solo da terra de Santa Cruz. O Arcebispo Paul Richard Gallagher, Secretário para as Relações com os Estados e as Organizações Internacionais, afirmou que ¡°são as palavras de Francisco que inspiram e animam a atividade diplomática da Santa S顱. Dom Gallagher ressaltou ainda que é ¡°por meio de exortações e orações, encontros e encíclicas e, acima de tudo, por meio de suas viagens a todos os cantos do globo que o Papa exerce incansavelmente sua autoridade moral, confronta situações de injustiça, estende a mão a pessoas abandonadas, adverte contra práticas nocivas que põem em risco nosso mundo e nosso futuro¡±.
A partir da Encíclica Laudato Si, de 2015, o Santo Padre lançou ¡°um convite urgente a renovar o diálogo sobre a maneira como estamos a construir o futuro do planeta¡±, evitando a perigosa cultura do descarte - expressão original criada pelo sucessor de São Pedro para tratar de longevos problemas. Segundo o Pontífice, ¡°custa-nos a reconhecer que o funcionamento dos ecossistemas naturais é exemplar: as plantas sintetizam substâncias nutritivas que alimentam os herbívoros; estes, por sua vez, alimentam os carnívoros que fornecem significativas quantidades de resíduos orgânicos, que dão origem a uma nova geração de vegetais. Ao contrário, o sistema industrial, no final do ciclo de produção e consumo, não desenvolveu a capacidade de absorver e reutilizar resíduos e escórias. Ainda não se conseguiu adoptar um modelo circular de produção que assegure recursos para todos e para as gerações futuras e que exige limitar, o mais possível, o uso dos recursos não-renováveis, moderando o seu consumo, maximizando a eficiência no seu aproveitamento, reutilizando e reciclando-os¡±.
Ao longo do documento, Papa Francisco mostrou-se preocupado em evidenciar o pensamento de seus predecessores, fazendo especial menção ao pensamento de São Paulo VI, quando este sublinha ¡°a necessidade urgente duma mudança radical no comportamento da humanidade¡±, uma vez que ¡°os progressos científicos mais extraordinários, as invenções técnicas mais assombrosas, o desenvolvimento económico mais prodigioso, se não estiverem unidos a um progresso social e moral, voltam-se necessariamente contra o homem¡±.
Em consonância com os temas propostos pelo G20, a Encíclica adverte que a destruição ambiental afeta particularmente os mais pobres e marginalizados, que possuem menos recursos para enfrentar catástrofes ambientais. O Papa exorta as nações a assumirem a responsabilidade coletiva pelo cuidado com a ¡°casa comum¡±, enfatizando a urgência de uma transição para fontes de energia renováveis e políticas de desenvolvimento sustentável. Na atual cúpula do G20, a transição energética e a adaptação climática estão no centro das discussões, com os líderes debatendo maneiras de apoiar uma transição que seja justa e acessível para todos, inclusive para os países em desenvolvimento.
No ano de 2020, o Sumo Pontífice, através da Encíclica Fratelli Tutti, apontou outra grave questão potencial a respeito do esgotamento dos recursos naturais: ¡°Frequentemente as vozes que se levantam em defesa do ambiente são silenciadas ou ridicularizadas, disfarçando de racionalidade o que não passa de interesses particulares. Nesta cultura que estamos a desenvolver, vazia, fixada no imediato e sem um projeto comum, ¡®é previsível que, perante o esgotamento de alguns recursos, se vá criando um cenário favorável para novas guerras, disfarçadas sob nobres reivindicações¡¯ ¡±.
Assim, a mensagem de paz e unidade do Papa, tão difundida em seus discursos e através de suas ações concretas, ganha relevância especial no contexto atual, onde as tensões políticas e econômicas globais, assim como conflitos armados, têm trazido impactos negativos para milhões de pessoas. O Santo Padre tem insistido na necessidade de resolver conflitos por meio do diálogo e de uma diplomacia paciente, lembrando que a paz é uma construção coletiva que exige o esforço e a colaboração de todas as nações. Esse apelo encontra respaldo no G20, que se esforça para ser um fórum de cooperação internacional, buscando promover a paz, a estabilidade econômica e uma recuperação pós-pandemia que seja justa e inclusiva.
Sob a liderança brasileira, o fórum abre mais uma janela de oportunidade: a de implementar políticas que combatam a pobreza extrema e incentivem parcerias entre nações em desenvolvimento, alinhando-se à perspectiva papal de justiça global. Afinal, para Francisco, ¡°enquanto não se resolver radicalmente os problemas dos pobres, não se resolverão os problemas do mundo¡±. A presidência brasileira no G20 pode canalizar essa mensagem para promover a inclusão de países marginalizados no processo de tomada de decisões globais.
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