Da cítara da Cruz brota um canto novo
Jackson Erpen - Cidade do Vaticano
Na o Papa Francisco recordava que São Bruno, "consciente de que a caminhada pelas longas estradas da santidade não se concebe sem a obediência à Igreja, mostra-nos também que o verdadeiro caminho no seguimento de Cristo exige o entregar-se nas suas mãos, manifestando no abandono de si um acréscimo de amor". E "no coração do deserto, lugar de prova e de purificação da fé, o Pai conduz os homens por um caminho de despojamento que se opõe a qualquer lógica do possuir, do sucesso e da felicidade ilusória."
Nos aproximamos da abertura do , "um tempo no qual se experimenta que a santidade de Deus nos transforma". Ao Povo de Deus foi pedido preparar o evento jubilar com a oração. Para ajudá-lo nesse sentido, foram elaborados alguns cadernos, dentre os quais "Apontamentos sobre a Oração", de autoria dos monges cartuxos - que levam uma "vida escondida com Cristo, como a Cruz silenciosa plantada no coração da humanidade redimida".
No texto, os cartuxos falam do "Canto Novo", tema que inspirou a reflexão desta semana do padre Gerson Schmidt*, intitulada "Da cítara da Cruz brota um canto novo":
"O Dicastério para a Evangelização oferece diversos Cadernos sobre a Oração, preparativa para a celebração do Jubileu 2025. Este ano de 2024 foi proclamado pelo Papa Francisco como o Ano da oração, vivendo a preparação do Jubileu da Esperança do ano que vem.
Depois do ano dedicado à reflexão sobre os documentos e ao estudo dos frutos do Concílio Vaticano II, o Santo Padre anunciou o Ano da Oração já em 21 de janeiro de 2024, por ocasião do Quinto Domingo da Palavra de Deus. Já na sua dirigida ao Pró-Prefeito, a D. Rino Fisichella, para encarregar o Dicastério para a Evangelização do Jubileu, o Papa tinha escrito: «Desde já, apraz-me pensar que o ano que precede o evento jubilar, 2024, possa ser dedicado a uma grande 'sinfonia' de oração. Antes de mais, para recuperar o desejo de estar na presença do Senhor, de o escutar e de o adorar». Portanto, no caminho de preparação para o Jubileu, as dioceses são convidadas a promover a centralidade da oração individual e comunitária.
O Dicastério disponibilizou algumas ferramentas úteis para entender melhor e redescobrir o valor da oração. Para além das 38 catequeses sobre a Oração que o próprio Papa Francisco proferiu de 6 de maio de 2020 a 16 de junho de 2021, foi publicada pela Libreria Editrice Vaticana uma coleção de "". Trata-se de 8 volumes destinados a recolocar no centro a relação profunda com o Senhor, através das múltiplas formas de oração contempladas na rica tradição católica.
O caderno de número 06 – A Igreja em Oração é de contribuição e autoria dos Monges Cartuxos que trazem para nós uma riqueza muito grande. Vamos aprofundar esse caderno em alguns programas. O Papa Francisco introduz esses cadernos sobre a oração, dizendo assim: “agora é o momento de preparar o ano de 2024, que será inteiramente dedicado à oração. De fato, em nosso tempo sentimos, cada vez mais forte, a necessidade de uma verdadeira espiritualidade, capaz de responder às grandes indagações que surgem diariamente em nossa vida, provocadas por um cenário mundial não exatamente tranquilo... ( ). Neste ano, somos convidados a nos tornar mais humildes e a abrir espaço à oração que brota do Espírito Santo. É ele quem sabe colocar em nossos corações e em nossos lábios as palavras certas para sermos ouvidos pelo Pai. A oração no Espírito Santo é a que nos une a Jesus e nos permite aderir à vontade do Pai. O Espírito Santo é o Mestre interior que indica o caminho a seguir; graças a Ele, a oração de uma só pessoa pode se tonar oração de toda a Igreja e vice-versa”.
Os monges cartuxos falam do “Canto Novo” que Jesus cantou durante toda a sua vida, mas o entoou de maneira perfeita e plena quando, fazendo-se acompanhar pela cítara da cruz, disse: “Pai, em tuas mãos eu entrego o meu Espírito”. O Catecismo qualifica esse grito e canto de Jesus, dizendo que “todas as misérias da humanidade de todos os tempos, escrava do pecado e da morte, todos os pedidos e intercessões da história da salvação estão recolhidos neste grito do Verbo encarnado” (CIgC,2606). Os cartuxos, em seu rico subsídio sobre a oração, referendam o autor Francois-Xavier Durrwell, que afirma: “Quando chega a hora de passar deste mundo para o Pai, Jesus, com todo o seu ser, torna-se Ele mesmo oração, Ele, o filho é todo voltado para Deus. Páscoa de morte e ressurreição é o mistério de Jesus transformado em oração”[1]. O Catecismo da Igreja Católica afirma que nas “últimas palavras da cruz que orar e entregar-se são um só e mesmo ato” (CIgC,2605). Sugere que não existe verdadeira oração sem entrega oblativa e que na entrega de nosso ser, realizamos um ato verdadeiro de oração.
O mesmo autor mencionado, em outro de seu livro “El Espíritu Santo em la Iglesia”, aprofunda ainda mais essa entrega de Cristo transformada em oração oblativa: “o Mistério da Cruz gloriosa é o mistério trinitário tornado interior ao mundo. Só na morte gloriosa de Jesus e, em nenhum outro lugar, o Espírito esteve tão presente no mundo; nunca antes o Espírito fora dado da maneira como se derramou na morte gloriosa: ‘Ainda não havia o Espírito, porque Jesus ainda não tinha sido glorificado’(Jo 7,39)”.
Os monges escrevem: “O lado transpassado do Corpo Pascal de Jesus, de seu corpo crucificado e ressuscitado, do qual ‘imediatamente’ brotam ‘sangue e água’, é a única Fonte do Espírito. E o espírito é aquele que nos ensina a orar, porque ‘Deus enviou aos nossos corações seu filho que clama Abbá Pai’ e Ele intercede em nosso favor com gemidos inexprimíveis, suprindo nossa incapacidade de orar como convém (Rm 8,26)”[2]. A experiência diária que fazemos de nossa fraqueza que nunca termina nos dispõe a viver em total dependência da misericórdia do Pai, a receber tudo, literalmente tudo, dele. “Como o Filho, o cordeiro imolado e ressuscitado, também nós carregamos eternamente as nossas feridas, sinais da nossa fraqueza e da nossa morte. Mas, sobretudo, sinais da nossa ressurreição. Porque, como foi para Ele, assim também para nós, por meio das nossas feridas que a Glória do Pai pode ser derramada em nossa carne e em nossa vida”. É como dizia Paulo VI: O amor até a doação da vida, até o fim (Jo 13,1) é o “cântico novo” que o noivo ensina à sua noiva. É o cântico que Cristo doou à sua Igreja.
Cada um de nós está destinado não apenas a ser uma “pessoa de oração”, mas a “tornarmo-nos oração”, como se disse de São Francisco, que “não era tanto um homem que ora, mas sim todo ele transformado em oração viva”[3]."
*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
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[1] Monges Cartuxos – A Igreja em Oração – Cadernos sobre a Oração 6, p. 34.
[2] Idem, 35.
[3] CELANO, Tomás de. Vita seconda, LXI, 95. In: Monges Cartuxos – A Igreja em Oração – Cadernos sobre a Oração 6, p. 23.
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