Esperamos que a vontade do povo venezuelano seja ouvida, diz bispo
Johan Pacheco – Cidade do Vaticano
Depois de oito dias, persiste a incerteza sobre os resultados das eleições presidenciais na Venezuela. No meio dos protestos pacíficos e contraprotestos, está a voz da Igreja por meio dos bispos e das manifestações religiosas do seu povo.
Neste contexto, em Andes venezuelanos, é celebrada neste 6 de agosto a festa litúrgica da Transfiguração do Senhor, com uma devoção muito especial ao Santo Cristo de La Grita.
A este respeito, e sobre a situação no país, a Rádio Vaticano / Pope conversou com dom Mario Moronta, vice-presidente da Conferência Episcopal Venezuelana e bispo da Diocese de San Cristóbal.
Na Venezuela é celebrada uma festa muito especial, a do Santo Cristo de La Grita, este ano em meio uma situação muito particular devido à situação política...
Pois bem, uma grande saudação daqui desta terra andina venezuelana e já estou em La Grita (Estado de Táchira, ndr). Estamos celebrando a peregrinação e a festa do Santo Cristo de La Grita, o dia principal é neste 6 de agosto, mas já em todos esses dias anteriores tivemos peregrinações. E ainda uma ordenação e muitas atividades em favor da fé das pessoas. E também no dia 1º de agosto houve uma peregrinação do presbitério, mais de cem sacerdotes vieram à peregrinação onde refletimos e rezamos junto ao Santo Cristo. Tivemos a oportunidade de nos confessar, aqueles que assim o desejassem, e de celebrar a Eucaristia. Todos os anos fazemos esta peregrinação e este ano também a fizemos para pedir a Deus que nos dê luzes e que permaneçamos firmes no nosso trabalho como pastores no meio de uma situação sem precedentes e muito difícil que atinge a Venezuela.
Qual é a situação do país, mais de oito dias depois das eleições? Que leitura faz a Igreja venezuelana do que está acontecendo?
Fizemos várias leituras, porque uma das coisas que diríamos mais difícil nesta situação inédita é que o panorama muda a cada pouco. Nós, bispos, nos mantemos em contato, tivemos várias reuniões e hoje precisamente há uma reunião com os bispos para avaliar a situação em cada uma das regiões. Ainda vemos muita incerteza. O governo nacional reconhece apenas o resultado que apresentou e há muita preocupação ou muita incerteza entre as pessoas. Tem havido manifestações, algumas de caráter lamentavelmente um pouco violento, com uma série de mortos e feridos tanto do lado civil como do lado policial, mas as pessoas também se manifestam por meio de vários meios pacíficos para mostrar a sua desaprovação e pedir que a vontade do povo seja ouvida. Na verdade, estamos vivendo um acontecimento incomum e sem precedentes, como dizem alguns historiadores na época contemporânea na Venezuela. Mas quero garantir que a Igreja, não somente por meio dos bispos, mas também dos sacerdotes, dos diáconos e de muitos agentes pastorais leigos, intensificou a sua presença e proximidade com o povo, indicando não somente essa proximidade, mas que somos membros do Povo de Deus, também sofremos com o nossa gente e compartilhamos suas esperanças; sofremos suas dores junto com nossa gente.
O Papa, nas suas palavras de domingo no Angelus, pediu que os políticos se preocupem com o verdadeiro bem do povo e não com os interesses partidários. Na sua opinião, os atores políticos envolvidos assumirão esta tarefa?
Pois bem, algo que todos desejam, também nós bispos o pedimos. E quero indicar que a mensagem do Papa, muito sensível mas muito direto, foi uma voz de encorajamento para todo o nosso povo, para as nossas comunidades, para os sacerdotes, claro para o bispo, mas o povo recebeu essa mensagem do Angelus, domingo passado, não somente com gratidão, mas como voz de encorajamento e esperança. Oxalá os líderes políticos por primeiro se sintam membros do povo. Em segundo lugar, que não se sintam donos da democracia e, em terceiro lugar, no diálogo construtivo busquem o bem da democracia, o bem do povo.
O que poderá acontecer na Venezuela se esta situação dos resultados eleitorais não for esclarecida? Qual é o cenário menos desejado?
O cenário menos desejado e é também por isso que estamos trabalhando, é o da violência que pode estender-se a uma explosão social, esperamos que não seja o caso. É por isso que, apesar de estarmos a uma longa semana de sermos informados de resultados que não eram esperados, continuamos confiantes de que, com a ajuda dos especialistas, mas sobretudo com a boa vontade dos líderes políticos, seja ouvida e seja colocada em prática a vontade das pessoas. Nós, os bispos, não somente apostamos, mas estamos trabalhando junto com os sacerdotes, com os nossos paroquianos pela paz na Venezuela. E vimos como outras instituições religiosas não católicas também estão envolvidas na mesma tarefa, para que o crente em Deus procure a paz, e pedimos precisamente que não só isso fosse levado em conta, mas que seja escolhida a solução que evite qualquer tipo de cenário. Um dos piores cenários, na minha opinião, seria que, se a situação não for resolvida, se caia na indiferença e possa haver um novo grupo de migrantes que deixaria a Venezuela em busca de uma nova situação. Esperamos, por isso volto a insistir que prevaleça a consciência, a inteligência e o sentido de serviço ao povo.
Mas além do apelo de muitas instituições internacionais, do apelo do Papa, também vimos muitas Igrejas e conferências episcopais de outros países que rezam pela Venezuela...
Sim, isso tudo nos deu muito ânimo. Por exemplo no domingo tivemos a oração da Igreja da Colômbia pela Venezuela e pela Colômbia, também recebemos mensagens do Chile, do México, do Panamá, da República Dominicana e também de muitos organismos eclesiásticos, como o CELAM. E isso tem uma dimensão muito bonita, porque fala do fato de que a Igreja, embora encarnada em certas realidades, nunca perde a dimensão do “católico”. O que São Paulo nos ensina, quando um membro da Igreja – do corpo – sofre, todo o corpo sente, quando um membro da Igreja sofre, nós também o experimentamos e estamos experimentando. Nós manifestamos a nossa solidariedade, por exemplo, muito diretamente de maneira pública e de maneira privada, a nossos irmãos da Nicarágua, que continuam a sofrer a situação de perseguição, e agora eles também nos fizeram saber que nas suas orações têm muito em mente a Venezuela, isso para o povo, para as pessoas, para as nossas comunidades cristãs, mas também para a sociedade civil, é um sinal que fortalece a esperança que nunca desilude.
Na festa da Transfiguração do Senhor, qual a sua mensagem ao povo e também qual será a sua súplica ao Santo Cristo de La Grita?
A súplica é que sejamos ouvidos, que Deus seja ouvido no clamor do seu povo e que aprendamos com o Evangelho vivo desse povo cujo centro é Cristo Senhor, e pediremos também que as autoridades, os responsáveis pelas várias instituições civis e militares, religiosas, etc., que possam dar o exemplo de um consenso na busca de uma solução que favoreça o país, não que favoreça um pequeno grupo, não que favoreça uma tendência política, não. Além disso, pedimos ao Santo Cristo de La Grita no dia da Transfiguração do Senhor que nos ajude a ser Igreja, a viver a Igreja, a manifestar a Igreja que caminha sempre com o seu povo de forma sinodal. Este ano marca sessenta anos da primeira encíclica do grande Papa Paulo VI e que bela coincidência, porque naquela encíclica, além de nos convidar à renovação, o Papa propõe o diálogo, o diálogo com Deus, o diálogo entre nós como caminho e o diálogo com o mundo.
Acredito que este aniversário nos servirá muito para nos convidar a renovar também no diálogo o nosso país, tão necessitado de uma mudança profunda devido à situação que se vive. Então a nossa oração ao Santo Cristo de La Grita, que não é só esse dia, claro, vimos como em nossas dioceses da Venezuela se intensificaram três coisas importantes: uma é a oração, especialmente a Adoração Eucarística, o chamado para rezar e assumir a Palavra como inspiração da nossa ação. Em segundo lugar, a proximidade do povo com os seus pastores e dos seus pastores com o povo. Em terceiro lugar, graças à Cáritas, graças à pastoral social, está sendo oferecido e reiterado o serviço a quem mais sofre com estas circunstâncias, que são os pobres, os excluídos, a nossa preocupação com os migrantes e especialmente se agora, ao não se resolver o situação, haverá uma imensa onda de pessoas que poderão sair do país, esse é o nosso pedido e o nosso desejo neste lindo dia que também é de grande importância para nós aqui em Táchira. Táchira é o Estado e onde está localizada a Diocese de San Cristóbal, a mais ocidental do país, na fronteira com a Colômbia e estamos muito unidos, muito unidos ao episcopado colombiano, mas não só pela proximidade da fronteira, mas também pelos planos pastorais, mas também na porta de entrada e saída de muitos para outras partes do mundo. Tivemos que fazer um trabalho muito árduo, mas cheio de grande satisfação, em nome dos migrantes, especialmente daqueles que são mais pobres e mais necessitados.
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