Cardeal Scherer: A coragem de crer
Cardeal Odilo Pedro Scherer ¨C arcebispo de São Paulo
A fé é um dom de Deus, recebido no Batismo. Jesus elogia com frequência a fé sincera e confiante das pessoas: ¡°ó mulher, grande é a tua fé!¡± (Mt 15,28). Mas também lamenta a falta de fé em outros casos: ¡°onde está a vossa fé?¡± (Lc 8,25). A fé também é a resposta humana a Deus, que se nos manifesta e interpela de muitos modos. Sem essa resposta a Deus mediante a atitude da fé, esse dom não se desenvolve e pode até desaparecer em nós. A fé cresce, desenvolve-se e amadurece, tornando-se capaz de produzir os seus frutos, na medida da nossa correspondência a esse dom precioso.
Talvez pretendamos ¡°provas¡± da parte de Deus para, somente então, acreditar nele. Foi o caso do apóstolo São Tomé que, não acreditando no testemunho dos outros apóstolos, quis primeiro ver Jesus ressuscitado e tocar em suas chagas para, somente assim, acreditar em sua Ressurreição. Ele acabou conseguindo essa graça tão especial e, em compensação, fez a profissão de fé mais completa em Jesus: ¡°meu Senhor e meu Deus!¡±. Mas Jesus repreendeu-o por sua incredulidade e disse que não seria esse o modo ordinário para se chegar à profissão da fé: ¡°creste porque me viste, Tomé! Felizes aqueles que creem sem terem visto¡± (cf. Jo 20,26-29).
Pode acontecer que também nós, como São Tomé, pretendamos primeiro ¡°ver, para crer¡± em Deus. Mas não cabe a nós, exigir sinais extraordinários de Deus, para ¡°provar¡± sua existência e credibilidade. Cabe-nos abrir os olhos, a inteligência e o coração para reconhecer e acolher os sinais de Deus presentes em toda parte, na natureza, na vida das pessoas, na história humana, na nossa própria história. O ato de fé nunca é uma afirmação abstrata e meramente intelectual: ele vem sempre acompanhado de uma narração das obras de Deus ou de um testemunho pessoal. ¡°Creio, porque¡ Creio por isso, por aquilo¡¡± E tem muito a ver com uma experiência pessoal: de fato, Deus não é uma ideia abstrata ou uma doutrina, mas um tu, que vem ao nosso encontro, cuja presença e ação percebemos, a quem nos dirigimos e com quem nos relacionamos. Jesus revelou que esse grande Tu é um Pai que nos conhece e nos ama com a filhos muito queridos. Jesus desmistifica o ato de fé por medo ou mera sujeição.
O ato de fé, como adesão a Deus, também tem muito a ver com uma decisão livre e responsável, a partir da tomada de consciência das maravilhas de Deus. São Paulo diz que são insensatos e inexcusáveis aqueles que não chegam a reconhecer Deus mediante os sinais deixados por Ele no mundo (cf. Rm 1,18-23). No Evangelho de São João, Jesus identifica-se como ¡°o verdadeiro pão descido do céu para a vida do mundo¡± e diz a todos que é preciso alimentar-se do seu corpo e sangue para ter parte na vida eterna. Muitos discípulos, então, murmuram contra ele, dizendo: ¡°essa palavra é muito dura. Quem a pode ouvir?¡± E abandonaram Jesus, que se voltou aos doze apóstolos e lhes perguntou: ¡°vocês também querem ir embora?¡± Foi um momento séria crise e de decisão para eles: continuar com Jesus, ou ir-se embora também? (cf Jo 6,60-67). Crises semelhantes podemos enfrentar também nós ao longo da vida, quando nos parece não haver mais sentido no que cremos.
Simão Pedro respondeu à interpelação de Jesus com uma renovada profissão de fé: ¡°a quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus¡± (Jo 6, 68-69). A resposta de Pedro contém elementos importantes do ato de fé. ¡°Nós sabemos¡±: isso revela a experiência dos encontros e do convívio com Jesus. O ato de fé está ligado a uma experiência vivida, quer pessoalmente, quer pela comunidade que crê. Nós não cremos sozinhos: cremos com a Igreja, comunidade de fé. E cremos como a Igreja crê. Crer com a comunidade de fé nos dá uma imensa serenidade e segurança no ato de fé e nos pode ajudar a superar nossas crises de fé.
Outro aspecto importante do ato de fé na resposta de Pedro mostra que o ato de fé é também fruto de uma decisão pessoal e envolvente, com a qual se abraça o ¡°risco de crer¡±. O ato de fé supõe entrega confiante e não podemos pretender clareza absoluta quando o fazemos. Temos motivos para crer, como Pedro, que dá os motivos da sua proclamação e decisão: ¡°A quem iremos nós? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos e reconhecemos¡±. Crer é também um ato de confiança, coragem e até de ousadia. É fruto de humildade sincera e de reconhecimento de Deus, merecedor de nossa confiança. Mas não é uma loucura ou insensatez irresponsável.
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