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A eucaristia, alimento material e espiritual em vista da vida eterna A eucaristia, alimento material e espiritual em vista da vida eterna 

A eucaristia, alimento material e espiritual em vista da vida eterna

A eucaristia não expressa comunhão só na vida da Igreja, mas ela é também projeto de solidariedade em beneficio de toda a humanidade.

Dom Vital Corbellini, Bispo de Marabá – PA.

Nós celebramos a solenidade do Corpus Christi, festa do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo. É a grande festa eclesial e é o grande alimento neste mundo e um dia ele dar-nos-á a graça para participar da vida eterna. Esta festa é também a manifestação pública do Senhor sacramentado porque neste dia as comunidades vão para as ruas das cidades ou nos campos com o Senhor presente na eucaristia para que ele seja adorado pelas pessoas e para que ele abençoe a todo o povo de Deus, as famílias, o mundo, pedindo as graças da paz e do amor.

Em 2004, São João Paulo II na sua carta apostólica[1], convocava o episcopado, clero e fiéis, para a reflexão sobre o sacramento da eucaristia e a sua centralidade na comunidade eclesial; Ele também realçava a centralidade de Cristo não só na Igreja, mas na história da humanidade. Tudo é recapitulado nele[2]. A eucaristia não expressa comunhão só na vida da Igreja, mas ela é também projeto de solidariedade em beneficio de toda a humanidade[3]. Por isto mesmo a eucaristia celebrada na comunidade é projeto de missão em direção aos outros. Da mesma forma estes pontos podem ser percebidos em alguns padres da Igreja a centralidade em Cristo e a sua realização na comunidade cristã.

A eucaristia, ação de graças

 A eucaristia(Eucharístia), termo grego referente à ação de graças, designou ceia cristã, a ação eucarística[4]. Na comunidade primitiva a celebração eucarística e a partilha dos alimentos formavam um só conjunto de coisas de modo a chamar-se ágape, ceia fraternal. Ela também foi chamada de fractio panis, a fração do pão[5].

A eucaristia era celebrada na unidade

A Didaqué, um dos documentos mais importantes no período apostólico e após-apostólico, foi chamado de “Legislação das Comunidadesâ€. Esta obra enfatizava a celebração, feita no dia do Senhor, o domingo pois os fiéis se reuniam para partir o pão e para agradecer os benefícios recebidos. Tal celebração era vivida num contexto de reconciliação com o próximo porque aquele que estiver em desavenças com o seu companheiro ou companheira, não poderia juntar-se à comunidade para que o seu sacrifício não fosse profanado[6].

A benção sobre o pão e o vinho

A obra apresentou também uma oração sobre o pão partido e sobre o cálice[7]. Ela previa uma oração de agradecimento depois da eucaristia: “Nós te agradecemos, Pai santo, por teu santo nome, que fizeste habitar em nossos corações, e pelo conhecimento, pela fé e imortalidade que nos revelastes por meio do teu servo Jesus. A ti a glória para sempre. Tu, Senhor Todo-Poderoso, criaste todas as coisas por causa do teu nome, e deste aos homens o prazer do alimento e da bebida, para que te agradeçam. A nós, porém, deste uma comida e uma bebida espirituais, e uma vida eterna por meio do teu servoâ€[8]. Assim este escrito exaltou a eucaristia como alimento sustentador à vida comunitária e espiritual.

A eucaristia e a concórdia

São Clemente foi bispo de Roma de 92 até 100/101. Na Carta aos Coríntios, solicitou a concórdia e a paz entre os seus membros, porque aquela comunidade se revoltou contra os seus dirigentes, bispos, presbíteros e diáconos numa espécie de pedido de demissão dos mesmos. Para isto ele suplicava a todos a unidade: “Como há um só Deus, há um só Cristo, também um só Espírito de graça, que foi derramado sobre nós, e uma só vocação em Cristoâ€[9]. Ele falou também que Deus ordenou concretizar coisas em sua memória; aos sacerdotes foram conferidos os ofícios litúrgicos, entendidos na ligação da eucaristia, aos levitas os serviços do culto e os leigos os seus próprios serviços[10].

A eucaristia e a caridade

No inicio do segundo século surgiu a figura de Santo Inácio de Antioquia, bispo. A eucaristia é louvor e súplica a Deus; ela exigia fé e caridade, permitindo encontrar o Cristo e a vivência da ágape, do amor.[11] Ela estava ligada ao martírio, forma de seguimento a Cristo até às últimas conseqüências. Desta forma, Santo Inácio suplicou à comunidade de Roma que não impedisse o seu maior desejo que era o martírio para assim ser trigo de Deus, ser moído pelos dentes das feras para assim apresentar-se trigo puro diante de Cristo[12].

Para ele a eucaristia era presidida pelo bispo sem o qual não existiriam batismo, nem ágape, nem eucaristia. Deve-se considerar legitima a eucaristia realizada pelo bispo ou o seu delegado[13].O bispo de Antioquia também realçou os efeitos da eucaristia; na afirmação de que ela tinha um poder de destruição contra Satanás porque as suas forças eram vencidas e o seu poder demolido[14]. Ela levava à unidade porque houve uma carne em Cristo Jesus e um só cálice que nos uniu no seu sangue, como também um só era o altar e um só era o bispo unido ao presbitério, diáconos e o povo[15].

O oitavo dia

A Carta de Barnabé, escrito do século II falou do oitavo dia como o dia no qual Jesus ressuscitou dos mortos e subiu aos céus. Neste dia, ela tinha presente a celebração eucarística, pois era chamado também o primeiro dia da semana. Para o autor deste escrito tratava-se de um dia da nova criação e por isto havia a necessidade de celebrá-lo com fé e amor.[16]

A celebração dominical

São Justino de Roma, martirizado em 165, deu uma importante descrição da celebração dominical e da eucaristia. Ele afirmou que no dia chamado “do solâ€, os fiéis que moravam em cidades ou nos campos, se reuniam, liam as Memórias dos Apóstolos, isto é, os evangelhos ou os escritos dos profetas. Um leitor fazia tais coisas, e logo em seguida havia a exortação do presidente. Em seguida, elevavam-se a Deus preces e depois se oferecia pão, vinho e água e o presidente elevava até Deus tais oferendas e todos diziam “Amémâ€. Depois havia a distribuição e participação para cada um dos presentes dos alimentos consagrados e o seu envio aos ausentes através dos diáconos[17].

Teologia da eucaristia

São Justino deu à tradição uma teologia da eucaristia. Ele afirmava que a eucaristia que os cristãos tomavam através da celebração não era um pão comum ou bebida ordinária, mas ela estava em ligação com Jesus Cristo, feito carne e sangue para a nossa salvação. Tal alimento sobre o qual era dita ação de graças e na qual houve uma transformação, o nosso corpo e sangue se nutriam, é a carne e o sangue daquele mesmo Jesus encarnado. Este ensinamento, segundo São Justino, foi transmitido pelos apóstolos quando Jesus disse para eles de realizar tais coisas em sua memória[18].

A eucaristia, lugar central do mundo e da história

No final do segundo século houve a figura de Santo Ireneu de Lião, bispo. Ele insistiu na sua doutrina que a eucaristia devia ocupar o centro da visão de mundo e da historia. Ele criticou os gnósticos porque estes negavam a presença de Cristo na eucaristia e da ressurreição da carne. Ele ressaltou desta forma, a presença real do corpo e do sangue de Cristo na eucaristia; assim as espécies do pão e do vinho não eram apenas salvos mas salvadores, veículos da graça, porque neles estavam o corpo e o sangue de Cristo. A eucaristia não possuía um sentido mágico como desejava o mago Marcos quando ele colocava no vinho algo de vermelho[19]; ela era a celebração do amor misericordioso de Deus; era o sacrifício da Nova Aliança dado de uma forma integral.  

A eucaristia, fonte de vida

Santo Ireneu dizia também que a eucaristia fortificava a carne humana. Assim seria impossível negar que a carne fosse incapaz de receber o dom de Deus que consistia na vida eterna pelo fato de ser alimentado pelo corpo e sangue de Cristo. Ele fez uma analogia a respeito da eucaristia; da mesma forma como a cepa de videira frutificava no tempo próprio e o grão de trigo ao cair na terra floresciam em espigas para colher o fruto, tais espécies quando esmagadas ao receberem a palavra de Deus tornavam-se a eucaristia, sendo o corpo e o sangue de Cristo, da mesma forma os nossos corpos alimentados pela eucaristia ainda que serão depostos na terra e decompostos, eles ressuscitarão para a glória de Deus Pai que irá conceder-lhes os dons da imortalidade e da incorruptibilidade ao que estava na fraqueza[20].

A eucaristia como sacramento

Tertuliano foi um dos primeiros escritores de língua latina, o qual  ele falou da eucaristia como sacramentum[21], o convívio, a Ceia do Senhor. Ele era convicto da presença real de Cristo na eucaristia porque confrontou os marcionitas que a negavam pois eles não acreditavam que Cristo tivesse morrido sobre a cruz. Desta forma, se fosse assim, para Tertuliano, Cristo não estaria presente sobre os altares na comunhão.

Tertuliano disse também que Cristo era o pão da vida; aquele que desceu do céu. Assim Ele criticou todos aqueles que o ignoravam, sobretudo os judeus, o pão que veio lá de cima, prometido aos seus fiéis, porque ele ligava-os à vida divina[22]. Ele tinha presente a assembléia eucarística onde se realizava a eucaristia, a qual proporcionava a reconciliação entre as pessoas. Quem comungava era chamado a viver o amor do Senhor no meio das pessoas e da comunidade.

Cristo é o alimento das pessoas

Ainda no terceiro século, Orígenes valorizou o sacramento da eucaristia porque Cristo era o alimento das pessoas, nutrimento de suas almas. Ele reconheceu a presença dele nas espécies do pão e do vinho, em uma forma misteriosa. No entanto esta presença alegrava os discípulos e todos aqueles que o tomavam como um vinho novo, não temperado porque através dele recebia-se a remissão dos pecados[23]. Ele tinha presente o memorial no qual Cristo mandou que os seus discípulos o celebrassem em seu nome, perpetuando desta forma a eucaristia na comunidade cristã.

É possível ver alguns pontos importantes a respeito da eucaristia que ela era o memorial da paixão, morte e ressurreição de Cristo, recordando as coisas que o Senhor fez na última ceia; ela devia ser feita em união com a Igreja e comunidades dos fiéis; ela era alimento para vida divina, a qual preparava à incorruptibilidade. Os escritores colocaram uma manifestação de fé pela presença real de Cristo na eucaristia; quem a recebesse seria impulsionado à uma prática de vida feita em comunhão consigo mesmo, com os outros e com Deus; a pessoa era chamada a fazer caridade sobretudo com os mais necessitados; ela era alimento que possibilitava o ser humano à superação das tentações e por fim a eucaristia devia ser realizada com a presença de um ministro designado pela Igreja: bispo e/ou presbítero. Os ensinamentos que os padres elaboraram a respeito da eucaristia sirvam para iluminar a nossa realidade para que esta fonte da vida no seguimento a Cristo possibilite a comunhão de todos com o Senhor Jesus, pão descido do céu para a nossa vida presente e futura.

 

[1] Cfr. Carta Apostólica do Santo Padre João Paulo II ao episcopado, clero e fiéis. Mane vobiscum, Domine, para o ano da eucaristia. Paulus e Edições Loyola, São Paulo, 2004.

[2] Cfr. Ef 1,10; Cl 1,15; Idem, p. 20.

[3] Cfr. Idem, p. 24.

[4] Cfr. A Hamman. “E³Ü³¦²¹°ù¾±²õ³Ù¾±²¹â€, In Dicionário patrístico e de Antigüidades Cristãs, Vozes, Paulus, Petrópolis, RJ, 2002, p. 527.

[5] Cfr. At 2,42-47.

[6] Cfr. Mt 5,23-24; Didaqué, XV, O Catecismo dos primeiros cristãos para as comunidades de hoje. Paulinas, Caxias do Sul, 1989.

[7] Cfr. Idem, IX, 1-3.

[8] Cfr. Ibidem, X, 1-3.

[9] Cfr. Clemente aos Coríntios , 46,6.  In Os Padres Apostólicos, Paulus, São Paulo, 1995.

[10] Ibidem, 40,5.

[11] Cfr. Inácio aos Esmirniotas, 8,2, In: Padres Apostólicos, Idem.

[12] Cfr. Inácio aos Romanos, 4,1, Idem.

[13] Cfr. Inácio aos Esmirniotas, 7,1; 8,1, Idem.

[14] Cfr. Inácio aos Efésios, 20, 2, Ibidem.

[15] Cfr. Inácio aos Filadelfienses, 4, Ibidem.

[16] Cfr. Carta de Barnabé, 15,9, Ibidem.

[17] Cfr. Justino de Roma, I Apol. 67. Paulus, São Paulo, 1995.

[18] Cfr. Lc 22,19-20.

[19] Cfr. Ireneu de Lião. I, 13,2. Paulus, São Paulo, 1995.

[20] Cfr. Idem,  V, 2,3.

[21] Cfr. Tertulliano. De Corona, III, 3. Introduzione, testo, traduzione e note a cura de F. Ruggiero. Arnoldo Mondadori Editore,Milano, 1992.

[22] Cfr. Tertulliano. La resurrezione dei morti, XXVI, 10, Traduzione, introduzione e note a cura di C. Micaelli. Città nuova editrice, Roma, , 1990.

[23] Cfr. Mt 26,28: Origene. Omelie su Geremia, XII, 2, Introduzione, Traduzione e note a cura di L. Mortari. Città Nuova editrice Roma, , 1995.

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30 maio 2024, 10:42