Crucificado, morto e sepultado
Cardeal Odilo Pedro Scherer - arcebispo metropolitano de São Paulo
A celebração da Semana Santa e da Páscoa nos confronta com uma parte essencial da profissão de fé cristã, que diz respeito a Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador da humanidade. Refiro-me, em particular, ao ¡°Credo¡± mais curto, conhecido como símbolo apostólico. Essa fórmula da nossa fé, mais resumida, foi definida bem cedo na Igreja e reflete a pregação apostólica.
A parte que diz respeito a Deus Pai é breve: ¡°Creio em Deus Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra¡±. Provavelmente, essa afirmação de fé era a mais tranquila e não oferecia muita dificuldade na pregação e na acolhida da fé. A parte referente a Jesus Cristo, em vez disso, representa mais da metade da fórmula da fé da comunidade cristã. Provavelmente, por causa das contradições e heresias que já surgiam por toda parte, era necessário explicitar bem mais o conteúdo da fé referente a Jesus Cristo.
¡°Creio em seu único Filho, nosso Senhor, que foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria¡±. A pregação apostólica a respeito de Jesus, como Filho único, ou ¡°unigênito de Deus¡±, representava um problema para muitos. Como entender que Deus tem um ¡°Filho unigênito¡±? Não havia como explicar, senão pela palavra do próprio Jesus e dos apóstolos. São João, no prólogo do seu Evangelho, identifica Jesus como o ¡°Verbo¡±, ou Palavra eterna de Deus, que ¡°se fez carne¡±, em quem contemplamos ¡°a glória do Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade¡± (Jo 1,14). E afirmando que ¡°ninguém jamais viu a Deus¡±, destaca: ¡°O Unigênito de Deus, que está no seio do Pai, foi quem o revelou¡± (Jo 1,18).
A expressão identifica Jesus como Filho de Deus e também como verdadeiro homem. Na conversa com Nicodemos, Jesus afirma: ¡°Deus amou tanto o mundo, que lhe deu o seu Filho Unigênito¡± (Jo 3,16). Mais difíceis pareciam as partes seguintes da profissão da fé apostólica, quando se afirma que o Filho Unigênito, eterno Deus com o Pai, ¡°nasceu da Virgem Maria e se fez homem¡±. Essa afirmação do nosso Credo refere-se ao mistério mais admirável da nossa fé cristã, que também ofereceu sempre dificuldades. A maior parte dos desvios da fé e das heresias diz respeito, justamente, a essa afirmação: Ele é verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem (humano). Sempre houve quem afirmasse apenas uma parte: Jesus, somente como Filho de Deus, considerando a sua humanidade apenas como aparente; ou, então, Jesus apenas como homem, sendo a sua divindade apenas uma afirmação simbólica ou um mito. No entanto, a Igreja dos primeiros séculos do Cristianismo enfrentou essas dificuldades na sua pregação e em Concílios ecumênicos importantes. E manteve-se fiel à pregação de Jesus e dos apóstolos, mesmo quando a afirmação sobre Jesus, ¡°verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem¡±, possa parecer uma contradição humanamente impossível.
A parte mais difícil do Credo apostólico refere-se à sua Paixão, Morte e Ressurreição: ¡°Padeceu sob Pôncio Pilatos, morreu e foi sepultado¡±. Como foi que Pilatos entrou no Credo cristão? Ele foi um governante fraco que, mesmo sabendo ser Jesus inocente, o condenou à morte para ficar ¡°de bem¡± com a multidão, que pedia a morte de Jesus. Nossa fé não é em Pilatos, mas em Jesus, historicamente, socialmente e humanamente situado, ¡°verdadeiro homem¡±, e não um mito criado pela fantasia dos discípulos. As afirmações seguintes, breves e lapidares, são igualmente densas de sentido e retratam respostas a vários problemas postos à pregação da fé cristã. ¡°Foi crucificado, morto e sepultado¡±. O Filho de Deus morreu e, ainda mais, numa cruz? Foi até mesmo sepultado? Parecia demais para os religiosos do tempo e também para os pagãos e os filósofos. Mas era isso mesmo que os apóstolos pregavam. São Paulo, aos gregos de Corinto, escreve sem meias palavras: ¡°Nós pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos¡± (1Cor 1,21).
Havia quem espalhasse que Jesus não chegou a morrer na cruz, mas apenas perdeu os sentidos, que recuperou depois de ser posto no túmulo. Tratava-se de uma maneira de diminuir o ¡°escândalo¡± de um Filho de Deus crucificado e morto; e também para explicar a sua Ressurreição, como o ¡°acordar de um desmaio¡±. Mas os apóstolos não cederam nem um pouco no seu testemunho sobre a morte de cruz daquele que reconheceram como verdadeiramente homem/ humano e Deus/divino. E, contra toda negação ou tentativa de racionalizar esse ¡°mistério da f顱, a Igreja manteve-se fiel à pregação apostólica. Jesus Cristo, verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem.
Há quem pergunte: para onde foi o Filho de Deus, na sua divindade, após a sua morte, segundo a sua humanidade? ¡°Desceu à mansão dos mortos¡±. A Igreja parte do pressuposto segundo o qual Ele veio ao mundo para oferecer a misericórdia e a salvação de Deus a todos; mesmo aos que já haviam morrido antes de sua vinda ao mundo e que estavam ¡°na mansão dos mortos¡±. O Salvador, morto na cruz e sepultado como os demais humanos, foi levar a Boa Nova da misericórdia, do perdão e da vida de Deus aos que esperavam por Ele, desde Adão até o último dos falecidos.
Quanta coisa sublime e profunda faz parte do patrimônio da fé da Igreja, do qual fazemos parte! Para ler e aprofundar a catequese sobre o Credo, é só tomar em mãos o Catecismo da Igreja Católica, no capítulo III, que trata de nossa fé em Jesus Cristo. No Sábado Santo, durante a Vigília Pascal, nós faremos a renovação da nossa profissão de fé, junto com os que serão batizados e com toda a Igreja.
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