Cardeal Scherer: O pres¨¦pio e sua mensagem
Cardeal Odilo Pedro Scherer - Arcebispo Metropolitano de São Paulo
No Natal deste ano, comemoram-se 800 anos da primeira representação do presépio vivo, feito por São Francisco de Assis na localidade de Greccio, no centro da Itália. Ele era fascinado pela simplicidade, beleza e profundidade da cena do nascimento de Jesus, narrada nos Evangelhos. Assim, ele quis celebrar o Natal de 1223 num cenário que representasse ao vivo o que consta no texto sagrado sobre o nascimento de Jesus (conferir Lucas 2,1-20 e Mateus 2,1-12).
A tradição popular dos presépios já existia e se encontrava difundida, sobretudo nos países do centro e do norte da Europa, onde ainda hoje se cultivam variadas e belas tradições natalinas populares. Porém Francisco quis mais que um cenário estático de anjos, pessoas e animais para ser olhado; ele tinha o desejo de reproduzir uma cena viva, envolvente, que lembrasse da forma mais realista possível o nascimento de Jesus em Belém, na Judeia: um casal de verdade, uma criança a se mexer num berço improvisado, pessoas chegando, cantos, instrumentos musicais, pastores, ovelhas... E o que fez foi um grande sucesso, que inspirou a cultura popular do Natal nos séculos sucessivos.
O papa Francisco é um grande incentivador do presépio e, em 2019, escreveu a carta apostólica Mirabile Signum (Sinal Admirável), sobre o significado e a importância do presépio também em nossos dias. Recentemente, ele voltou ao tema num livro intitulado Meu Presépio, narrando sua relação pessoal com o presépio, recomendando que em todos os lares e outros ambientes se cultive essa prática como parte das celebrações do Natal. O presépio é um Evangelho vivo, escreveu ele, que transborda das páginas da Sagrada Escritura. Ao mesmo tempo que contemplamos a representação do nascimento de Jesus, somos convidados a pôr-nos espiritualmente a caminho para ir ao seu encontro, acolhendo-o em nossa vida (ver Sinal Admirável n.º 1).
O centro de atenção do presépio é o menino Jesus deitado na manjedoura. O Evangelho de São Lucas diz que, ao chegar o tempo de Maria dar à luz o seu filho primogênito, ela o envolveu em faixas e o colocou numa manjedoura, pois não havia lugar para eles na hospedaria (Lucas 2,7). Era inverno e as autoridades romanas haviam decidido fazer a contagem da população do império. Cada habitante devia registrar-se no lugar de sua origem, o que requeria deslocamentos nada cômodos, mesmo no inverno. José e Maria, grávida e prestes a dar à luz, foram de Nazaré a Belém, de onde eram originários.
É fácil imaginar que as poucas hospedarias estavam lotadas de gente em movimento para cumprir as ordens do imperador. Não havia hotéis em abundância e facilidades para viajar, como hoje. Assim, o menino Jesus ¨C para os cristãos, ninguém menos que o filho de Deus em nossa condição humana ¨C nasceu num abrigo compartilhado também por animais. Isso não era raro nem estranho naquela época, e nos arredores de Belém as grutas são frequentes e eram habitadas. Por isso, no presépio, também aparecem sempre as figuras de alguns animais, como ovelhas, o asno e a vaca.
Além da figura do menino, no presépio estão sempre Maria, sua mãe, José e os pastores, que cuidavam dos rebanhos durante a noite, e o anjo mensageiro, que anuncia aos pastores o fato maravilhoso acontecido naquela noite fria. À cena acorrem ainda os três reis magos, chegados de longe para ver o menino. Na montagem do presépio, podem ser colocadas representações da família e dos amigos de quem faz o presépio. Podem ser retratadas, também, as diversas situações do momento histórico que se vive, das alegrias, sofrimentos e angústias pelas quais passa a humanidade.
De fato, o nascimento de Jesus é celebrado pelos cristãos como um fato que envolve a humanidade inteira, em todos os tempos. Hoje somos nós mesmos como os pastores de Belém, ou os reis magos do Oriente. Os chamados ¡°presépios napolitanos¡± retratam uma aldeia inteira na vida cotidiana, envolvida com o nascimento de Jesus.
Presépios podem ser obras de arte popular, com os mais variados perfis e gostos. O que conta é a sua mensagem, que também é o núcleo central da celebração do Natal: o filho de Deus veio ao mundo, assumiu nossa humanidade, entrou em nossa história e uniu a terra ao céu. Na sua pessoa, é Deus que vem ao nosso encontro, na condição despojada de uma criança pequenina e frágil que, de bracinhos abertos, busca acolhida e quer nos abraçar.
A liturgia católica do Natal é repleta de textos significativos, fruto da contemplação milenar deste mistério inefável: Deus infinito entra na finitude de nosso mundo e do tempo, da fragilidade humana, e estende a mão a todos, oferecendo seu amor e sua vida.
Um dos textos mais belos do Natal anuncia que, ¡°nesta noite santa, o céu e a terra trocam os seus dons¡±. O céu presenteia a terra com o que tem de mais precioso: o próprio filho de Deus. E a terra retribui com o seu melhor dom: nossa pobre humanidade. Nessa troca de dons, o céu não fica mais pobre, mas a terra fica imensamente mais rica de vida, esperança, beleza e paz. O presépio quer retratar isso.
Publicado originalmente no jornal O ESTADO DE S. PAULO em 9 de dezembro de 2023
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