Lex orandi - Lex credendi
Jackson Erpen - Cidade do Vaticano
Na Exortação pós-sinodal Bento XVI destaca no n.34 que o Sínodo dos Bispos havia refletido demoradamente "sobre a relação intrínseca entre fé eucarística e celebração, pondo em evidência a ligação entre a norma da oração (lex orandi) e a norma de fé (lex credendi) e sublinhando o primado da ação litúrgica. É necessário viver a Eucaristia como mistério da fé autenticamente celebrado, bem cientes de que «a inteligência da fé (intellectus fidei) sempre está originariamente em relação com a ação litúrgica da Igreja»: neste âmbito, a reflexão teológica não pode prescindir jamais da ordem sacramental instituída pelo próprio Cristo; por outro lado, a acção litúrgica nunca pode ser considerada genericamente, prescindindo do mistério da fé. Com efeito, a fonte da nossa fé e da liturgia eucarística é o mesmo acontecimento: a doação que Cristo fez de Si próprio no mistério pascal."
Inspirado no Congresso Internacional Teológico-Litúrgico recentemente realizado em Porto Alegre, Pe. Gerson Schmidt* nos propõe a reflexão "lex orandi, lex credendi":
"A Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e a Comissão de Liturgia Arquidiocese de Porto Alegre promoveram agosto passado o Congresso Internacional Teológico-Litúrgico. O evento foi organizado pela Arquidiocese de Porto Alegre, pelo Curso de Graduação em Teologia e pelo Programa de Pós-Graduação em Teologia da PUCRS. O congresso teve por objetivo refletir sobre a intrínseca relação entre a celebração litúrgica (lex orandi) e a fé da Igreja (lex credendi) no contexto da celebração dos 60 anos da , da rica do Papa Francisco e a publicação da 3ª edição típica do Missal Romano para o Brasil, que entrará em vigor no Advento desse ano, quando na Igreja se abre um novo ano litúrgico. Não é um novo missal, mas uma edição renovada, com pequenas atualizações importantes, tendo em vista sempre a renovação desejada pela Constituição conciliar Sacrossanctum Concilium.
Nossa fé deve estar de acordo com o modo que se celebra e vice-versa. O axioma ¡°Lex Orandi, lex Credendi¡± significa que o que a Igreja reza é o que a Igreja crê e quanto mais celebra e reza, mais se fortifica na sua fé recebida da Tradição e da Sagrada Escritura. Quanto mais crê, mais celebra, louva e reza. O provérbio latino é mais completo e reza assim: Lex orandi statuat legem credendi. Traduzindo: ¡°A norma da oração estabeleça a norma da f顱. A Igreja crê o que ela reza. Por outro lado, a Igreja celebra ou reza o que ela crê.
A Liturgia é lugar privilegiado para o exercício da virtude teologal da fé. Na fé é acolhida a Palavra de Deus. A fé é iluminada e expressa em cada celebração. Na fé é evocada a presença e a ação do Deus Trino e Uno na história da salvação e na vida de cada fiel. Fé em Deus, fé em Jesus Cristo, na obra da salvação, na presença de Deus na vida da Igreja. Fé nas promessas de Deus, na ressurreição da carne e na vida eterna. Pelas celebrações dos mistérios de Cristo, manifesta-se sempre de novo a verdade sobre Deus, sobre Jesus Cristo, a Igreja, o ser humano e o universo criado. A Liturgia contém e revela a plenitude da fé cristã, tanto assim que ela é considerada a norma da fé.
É importante ter sempre presente que a liturgia é obra de Deus, pois de contrário não é autêntica liturgia, mas uma invenção nossa. Nem o sacerdote nem a comunidade podem dispor da liturgia como se fosse propriedade sua. «Este primado de Deus e da sua ação, que nos busca através dos sinais terrenos, traz consigo a universalidade e o caráter público da liturgia»[1].
¡°A liturgia é a Escola da fé da Igreja¡±, afirmou Dr. Dom Jerônimo Pereira, OSB, monge beneditino que discursou no recente Congresso de Liturgia sobre ¡°PERCURSOS E PERCALÇOS DA TEOLOGIA LITÚRGICA¡± e ¡°A FORMAÇÃO LITÚRGICA NO BRASIL ¨C PROPOSTAS, CAMINHOS REALIZADOS E DESAFIOS ATUAIS¡±. O liturgista e doutor em Sagrada Liturgia afirmou que ¡°a melhor formação litúrgica é uma celebração bem preparada e celebrada¡±.
Segundo o conferencista houve um divórcio grande entre teologia e liturgia. Nascia, entre outros, um escopo de uma ¡°teologia litúrgica¡±. Tal ruptura que privou o povo de uma compreensão do que vem a ser a liturgia, que a enxergava como ¡°cerimônias bonitas e misteriosas, nas quais, mesmo que se frequentando, não se participava realmente, ativamente¡±. E declarou o monge beneditino: ¡°Tal movimento privou a Teologia de sua fonte de vida e a transformou em exercício intelectual para os intelectuais. Esse rompimento privou a piedade ou a espiritualidade de seu conteúdo vital e termo de referência¡±. Tal situação ao longo da história ¡°condenou ao exílio tudo o que de humano se fizesse no culto dos homens a Deus, gerando uma espécie de espiritualidade desencarnada, uma ciência teológica intelectualizada e uma liturgia rubricista, sempre ligada mais ao direito e sempre menos vista como CUME E FONTE¡±, disse. Houve então um movimento da ordem do fazer para a ordem do cumprir. ¡°Tudo precisa ser esclarecido, uma espécie de iluminismo. Tudo precisa ser esclarecido aos mínimos detalhes, buscando segundo a filosofia grega e não segundo as escrituras¡±, declarou Dom Jerônimo, assessor liturgista."
*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
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[1] J. RATZINGER, Un canto nuevo para el Señor, 157.
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