Abuso infantil: livro confronta segredo e transparência na Igreja
Felipe Herrera-Espaliat - Pope
Em uma Igreja que se propôs a ser mais transparente, especialmente para prevenir o abuso sexual, de consciência e de poder, como se pode entender que o sigilo também tenha seu lugar? Essa é a pergunta que é amplamente respondida por "Transparência e Sigilo na Igreja Católica", o mais recente livro lançado pelo Conselho Latino-Americano do Ceprome (Centro de Pesquisa e Formação Interdisciplinar para a Proteção do Menor), apresentado pelo cardeal Sean O'Malley no último sábado (23), em Roma.
O texto de 205 páginas, originalmente escrito em italiano, é fruto do trabalho dos padres Jordi Pujol e Rolando Montes de Oca, especialistas em Comunicação e Direito Canônico, bem como defensores ativos das vítimas de abuso na esfera eclesial. "Como pessoas de nosso tempo e membros da Igreja, gostaríamos de ver uma maior transparência na Igreja e o fim da era dos segredos absurdos e inúteis", dizem eles na introdução do livro.
Os autores apreciam profundamente a vontade da Igreja de crescer em transparência, mas também alertam sobre os danos que podem ser causados às vítimas por uma superexposição que invade suas vidas íntimas e privadas. Eles até afirmam que, do ponto de vista do acusado, uma aplicação irrestrita da transparência poderia acabar prejudicando o princípio da presunção de inocência.
Um exercício de prudência
Pujol e Montes de Oca também criticam o secretismo eclesiástico que muitas vezes impede a verdade e a justiça para aqueles que foram violados por abuso. De fato, eles afirmam que, em um nível comunicativo, o segredo não pode ser uma prática comum, mas lembram como o uso correto do sigilo protege o direito à boa reputação e à privacidade. Assim, eles reconhecem como um equilíbrio delicado deve ser alcançado para que não haja excesso de transparência e sigilo ao lidar com casos de abuso na Igreja.
"É um exercício de prudência. Há abusos de ambos os lados. Há um abuso do secretismo e um abuso de transparência por parte daqueles que querem mostrar tudo de uma forma quase obscena. É preciso haver um julgamento de prudência na administração dessas informações que estabeleça prioridades de forma que a pessoa esteja no centro e não um cálculo político, por exemplo", disse Pujol durante a cerimônia de lançamento do livro.
O cardeal Sean O'Malley, Presidente da Pontifícia Comissão para a Proteção de Menores, elogiou o trabalho minucioso de compilação e reflexão dos autores e destacou como o texto deixa clara a necessidade de comunicação e de uma mentalidade jurídica que ande de mãos dadas ao lidar com o abuso.
"Temos que estar cientes de que a verdade nos libertará, como diz Jesus. Temos de ser uma comunidade em que não tenhamos medo de admitir nossas falhas para que possamos nos corrigir. Portanto, a transparência é essencial se quisermos ganhar e merecer a confiança das pessoas", disse o prelado.
Uma ferramenta prática
O livro tem aspectos práticos que podem ajudar no discernimento e na ação de comunicação em casos de abuso, tornando-se assim uma ferramenta útil não apenas para os bispos, mas também para aqueles que conduzem as comunicações em uma diocese, comunidade religiosa, escolas ou qualquer outra entidade eclesial.
Essa obra de Pujol e Montes de Oca, publicada pela PPC, soma-se a uma que abordam o fenômeno do abuso na Igreja de forma interdisciplinar, fornecendo aspectos psicológicos, canônicos, jurídicos, pastorais, formativos e outros.
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