Shomali: não haverá paz no Oriente Médio sem um Estado palestino independente
Adriana Masotti – Pope
No escuro por causa da falta de eletricidade e guiados apenas pelas luzes de seus telefones celulares, os habitantes do campo de refugiados de Jenin, 14 mil pessoas que vivem em menos de um quilômetro quadrado, estão voltando para suas casas. Quinhentas famílias foram evacuadas pelo Crescente Vermelho Palestino, depois que o bombardeio de drones israelenses, na segunda-feira, abriu caminho para mil soldados israelenses. Das treze vítimas palestinas, quatro pertenciam à Jihad Islâmica e uma ao grupo militante Hamas, que reivindicou a ação em Tel Aviv, onde um carro feriu oito passantes, na terça-feira (04/07), mas as autoridades israelenses garantem que as outras vítimas também eram combatentes e que nenhum civil foi morto. Cem pessoas ficaram feridas, vinte delas gravemente entre os palestinos, enquanto um soldado israelense foi morto a tiros durante a retirada.
Foguetes da Faixa de Gaza e a resposta de Israel
Jenin foi o local de onde partiram cerca de cinquenta ataques contra Israel no ano passado, que na operação confiscou 1.000 armas, prendeu 30 pessoas e destruiu os túneis que escondiam depósitos de munições, um deles sob uma mesquita. Enquanto isso, na noite passada, cinco foguetes foram lançados da Faixa de Gaza em direção a Israel, todos interceptados pelo Exército, que por sua vez atingiu um local militar do Hamas, mas sem causar feridos. O presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, definiu a operação militar lançada, na terça-feira, sobre Jenin "um crime" que "se somou aos crimes da ocupação", no final de uma reunião da liderança palestina em que foi decidido "interromper todos os contatos e encontros com Israel e continuar interrompendo a coordenação de segurança".
Shomali: uma cadeia de violência sem fim
Amargura e indignação pela violência foram expressas pelo Patriarcado Latino de Jerusalém. Num comunicado, o patriarca latino dom Pierbattista Pizzaballa, fala de uma "agressão israelense sem precedentes", durante a qual a igreja e a comunidade eclesial local foram atingidas. Dom William Shomali, vigário patriarcal da Jordânia, nos microfones da Rádio Vaticano-Pope, comenta o que aconteceu no contexto de um conflito que ensanguenta o Oriente Médio há 75 anos:
Dom Shomali, a operação israelense em Jenin com várias vítimas palestinas, após a morte de 4 israelenses na Cisjordânia, o ataque em Tel Aviv, onde um carro se lançou contra os pedestres, segundo o Hamas em resposta aos ataques israelenses, agora o foguetes de Gaza e a reação israelense: uma cadeia de violência que foi desencadeada mais uma vez e ninguém sabe aonde pode levar…
Exatamente. Estamos em um círculo vicioso, uma cadeia que tem começo, mas não tem fim e que não terminará a não ser com um tratado de paz, no qual dois Estados estarão previstos, um israelense e um palestino. É a resolução das Nações Unidas, a solução aceita pela maioria dos Estados, inclusive pelos Estados Unidos. Só Israel não aceita, porque considera a Cisjordânia como parte de Israel porque tempos atrás era a Judéia e a Samaria e um estado livre não pode nascer lá. O problema, portanto, não é só a violência de hoje, ontem, anteontem, o problema é ideológico. É uma questão de princípio: se os palestinos têm o direito de ter seu próprio Estado ou não. Sem uma solução política, temo que a situação vá de mal a pior.
No entanto, este parece ser um obstáculo realmente intransponível ou houve algum momento em que parecia possível um diálogo nesse sentido com Israel?
Dialogaram durante anos. Todos nos lembramos de todas as sessões de negociação que aconteceram no passado, começando com Oslo 1 e Oslo 2, e depois em Madri, River Plantation, Sharm el Sheik, as visitas de secretários de estado dos EUA aqui, os encontros entre Arafat e Peres, até mesmo com Rabin. Eles tiveram reunião após reunião. Mas o fato é que o problema é de natureza ideológica, não só política, não só militar, não só de antipatia entre dois povos, é um problema ideológico, porque Israel, repito, considera a Cisjordânia como parte de Israel e aceita no máximo dar autonomia aos palestinos, também uma melhora em sua situação econômica se quiserem, mas nunca o fato de terem um Estado com um Exército, com moeda, aeroporto, com todos os constituintes de um Estado livre como os outros Estados. Aqui está o problema, Israel chama a Cisjordânia não de território ocupado, territórios ocupados, mas territórios disputados e sabemos a diferença entre os dois termos.
Mas um acordo no sentido da autonomia de seu povo é totalmente inaceitável por parte da Autoridade Nacional Palestina?
Mas qual acordo? Primeiro os palestinos queriam toda a Palestina histórica porque até 1920 apenas 5% das terras tinham sido compradas pelos judeus, mas aos poucos eles tomaram aldeias, cidades, propriedades etc, e agora têm 78% do território. Os palestinos aceitam o que em inglês se chama swapping, ou seja, a troca de territórios: onde Israel precisa se expandir, os palestinos estão dispostos a dar os territórios e receber de Israel em troca uma parte do deserto de Negev ou outro lugar. Mas enquanto restarem 22% para os palestinos e 78% para os israelenses, os palestinos só aceitam o acordo de uma troca de territórios, também podem aceitar um acordo sobre outros problemas, por exemplo, sobre o retorno de refugiados, sobre as soluções diferentes para Jerusalém, mas não para o Estado Palestino livre. E aqui está o problema e um povo não pode ser silenciado. Estou triste com os judeus que morrem, sou palestino, mas não estou feliz que os judeus sejam mortos de qualquer forma. Mas se quisermos ser sérios e resolver o problema de forma definitiva, precisamos de uma solução abrangente, completa, e não de um acordo não viável que deixa a violência continuar.
O seu é um apelo à Comunidade internacional, às Nações Unidas...
A ONU já emitiu resoluções pedindo a Israel que se retire dos territórios ocupados. Israel se retirou de dois setores, A e B, mas permanece a zona C, que é a metade dos territórios ocupados, onde estão 200 assentamentos israelenses com 700 mil colonos. E isso também torna a solução de dois estados não 100% viável, porque tendo 200 assentamentos que ficam entre cidades e povoados - são chamados de assentamentos – eles impedem a concretização dessa solução internacional. A nação mais forte que pode ajudar a alcançar a paz são os Estados Unidos. O meu apelo é para que os Estados Unidos levem esse assunto mais a sério do que uma solução conclusiva.
O senhor, mons. Shomali, e os outros homens da Igreja diante de um povo tão sem esperança, pelo menos no momento, o que dizem? Que palavras encontram para dar confiança às pessoas, apesar de tudo?
Não queremos dar falsas esperanças às pessoas, mas o que podemos dizer é que a oração pode ajudar. Eu acredito nisso. Não pregações. Após duas guerras mundiais, a Europa se tornou a União Europeia depois que milhões de europeus foram mortos. Então, por que esse milagre europeu não pode acontecer aqui também? Também aqui a paz é sempre possível, mas só o Senhor pode nos ajudar realmente a desejá-la e a realizá-la. Mas no momento não vemos os sinais que anunciam esta paz, mas acreditamos nela. Esta é a primeira coisa, a segunda é que podemos pelo menos aliviar o sofrimento de quem está sofrendo agora, por exemplo, em Jenin, milhares de pessoas fugiram do campo de refugiados da cidade, agora estão fora, sem casa, sem comida. Nisso podemos ajudar o povo, humanamente, mas não podemos fazer mais do que isso, exceto um apelo às superpotências.
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