Portugal, abusos: Comiss?o recomenda novo organismo para ¡°continuidade do estudo¡±
Ecclesia ¨C Lisboa
A Comissão Independente (CI) para o estudo dos abusos sexuais de crianças na Igreja, que apresentou nesta segunda-feira (13/02) o relatório final dos seus trabalhos, recomendou a criação de um novo organismo, visando dar ¡°continuidade¡± do estudo do tema.
¡°Proposta de uma nova Comissão para continuidade do estudo e acompanhamento do tema (multidisciplinar, membros internos e externos à Igreja)¡±, indica o organismo, designado pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), no documento divulgado esta manhã, em conferência de imprensa, na Fundação Calouste Gulbenkian.
A CI, coordenada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, deixa no seu relatório uma série de recomendações, à Igreja e à sociedade, convidando os responsáveis católicos a reconhecer a ¡°existência e extensão do problema e compromisso na sua adequada prevenção futura¡±.
A síntese enviada aos jornalistas sublinha a importância do conceito de ¡°tolerância zero¡±, proposto pelo Papa Francisco, e o ¡°dever moral de denúncia¡±, por parte da Igreja, e de colaboração com o Ministério Público em casos de alegados crimes de abuso sexual.
Os responsáveis sugerem um ¡°pedido efetivo de perdão sobre as situações que aconteceram no passado e sua materialização¡±.
Outra das preocupações, relativas à Igreja Católica, tem a ver com a ¡°formação e supervisão continuada e externa de membros da Igreja¡±.
A CI propõe também a ¡°cessação de espaços físicos fechados, individuais, enquanto locais de encontro e prática religiosa¡±.
Outra das recomendações passa pela oferta de ¡°apoio psicológico continuado às vítimas do passado, atuais e futuras¡±, como responsabilidade da Igreja e em articulação com o Serviço Nacional de Saúde).
Quanto à sociedade portuguesa, é proposta a ¡°realização de um estudo nacional sobre abusos sexuais de crianças nos seus vários espaços de socialização¡±, bem como o ¡°aumento da idade da vítima para efeitos de prescrição de crimes¡±.
Pedro Strecht disse aos jornalistas que a decisão sobre eventuais punições está ¡°do lado da justiça¡±, considerando que o trabalho da CI ¡°pode ser um exemplo¡± para outros contextos.
¡°O que importa é não parar este processo de evolução¡±, a nível global, da Igreja Católica, sustentou.
O responsável adiantou que nenhuma das vítimas pediu indemnizações, mas algumas assumiram a necessidade de acompanhamento ¡°psicológico ou psicoterapêutico¡±.
Álvaro Laborinho Lúcio respondeu a uma questão sobre a ¡°ocultação¡±, por parte de responsáveis da Igreja Católica, assumindo que a mesma existiu em relação a casos de abusos sexuais.
O jurista falou da importância de iniciar ¡°um caminho de desocultação¡±, vendo na criação da CI, nomeada pela própria Igreja, deu um sinal, nesse sentido.
Para Laborinho Lúcio, ¡°o discurso crítico¡± deve ser dirigido para a ¡°atitude cultural¡± da Igreja.
¡°Estamos a falar de um tempo em que a ocultação era generalizada¡± e que, até 2007, tinha ¡°respaldo na própria lei¡±, precisou.
O membro da comissão admitiu que, na Igreja Católica, exista nalguns setores o desejo do ¡°regresso a uma cultura da ocultação¡±, mas registou uma disponibilidade ¡°evidente¡± e uma ¡°abertura para a desocultação¡±.
O carácter sistémico dos abusos não pode, porém, generalizar-se a toda a Igreja, pois diz respeito a uma minoria percentual da totalidade dos seus membros. Sistémica foi a ocultação desde logo ditada pelos próprios, bem como dos superiormente colocados na hierarquia que deles tiveram conhecimento¡± ¨C Relatório final, sumário executivo.
Laborinho Lúcio falou num ¡°dever inequívoco¡± de denúncia destes crimes, após o relatório assinalar ¡°práticas de menorização da importância ou da ocultação de abusos sexuais¡±.
O psiquiatra Daniel Sampaio apontou à necessidade de ¡°desocultação¡± na Igreja e na sociedade.
¡°O importante é que a ocultação não persista¡±, insistiu.
A CI iniciou os seus trabalhos em janeiro de 2022, definindo o tempo de um ano como prazo de duração dos mesmos, com a apresentação final de um relatório.
¡°Os abusos sexuais de crianças na Igreja Católica portuguesa existiram no passado e existem ainda no presente. Portugal não é um caso à parte face a outros países¡±, pode ler-se no relatório.
O documento precisa que, a partir das 512 vítimas diretas, cujos testemunhos foram validados, foi possível chegar a, pelo menos, outras 4300; algumas das pessoas abusadoras referenciadas ainda permanecem em atividade eclesiástica.
¡°Nalguns contextos, os abusos tiveram carácter sistémico, isto é, ancoravam-se na estrutura de funcionamento de certas instituições da própria Igreja. Uma atitude clericalista, a ignorância ou a desvalorização dos direitos da criança, o fechamento aos olhares de fora, tudo ditou a perpetuação dos abusos e reforçou o silenciamento das vítimas¡±, indica a CI.
Questionado sobre a ausência de um número possível de abusadores, Pedro Strecht assumiu que há vários casos em que as vítimas não identificam o abusador, existindo apenas uma ¡°estimativa¡±.
Ana Nunes de Almeida falou numa questão ¡°central¡± para a Igreja, que pode ¡°orgulhar-se¡± por ter sido ¡°pioneira¡±, ao encomendar este estudo.
Esta tarde, a partir das 16h00, o presidente e os membros do Conselho Permanente da CEP ¨C que acompanharam a apresentação do relatório final ¨C encontram-se com os jornalistas, numa conferência de imprensa a realizar na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa.
Na Fundação Calouste Gulbenkian está, entre outros responsáveis católicos, o padre Hans Zollner, membro da Comissão Pontifícia para a Proteção dos Menores (Santa Sé).
A 3 de março, em Fátima, está prevista a realização de uma assembleia plenária extraordinária da CEP para analisar o relatório da CI.
Fonte: Ecclesia
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