Em plena comunh?o com o Papa Francisco
Cardeal Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist. arcebispo metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ
Em plena comunhão com o Papa Francisco Desde criança aprendi a rezar pelo Papa. Recordo as orações durante a bênção com o Santíssimo Sacramento, quando dizemos: Oremus pro Pontifice nostro... Dominus conservet eum, et vivificet eum. Mas é o claro, o que marca nossa vida é como anunciamos nossa unidade nas celebrações das missas, quando o mencionamos na oração eucarística e que o faço com muito carinho.
Quando da visita do Papa ao Brasil em 2013, a primeira viagem internacional de seu pontificado (foi uma bênção!), encarreguei o Santuário Arquidiocesano de N. Sra. da Penha de rezar o terço, hora santa e bênção com o Santíssimo Sacramento todos os sábados na intenção do Papa. Esta iniciativa permanece até hoje, procurando incluir e convidar sempre uma ou mais paróquias para essa ocasião.
O meu carinho com o Sumo Pontífice cresceu a partir das visitas aos Papas que marcaram o meu tempo de padre e bispo. Tenho sempre um grande interesse ao acompanhar as notícias, celebrações e as viagens, realizadas por eles, através das mídias sociais. É importante e necessário esta unidade com o santo Padre, sobretudo nos tempos de maiores desafios em nossa história. Ele foi chamado pelo Espírito Santo, através dos Cardeais, a entregar a vida nessa bela e desprendida missão. Ele é Pedro hoje para nós. E em tempos de tantas comparações e divisões, somos chamados a estar unidos a ele, nesta comunhão com este sinal visível da unidade da igreja.
Professamos, no Credo niceno-constantinopolitano, crer ¡°na Igreja una, santa, católica e apostólica¡±. Ainda que, por questão de delimitação de tema, queiramos colocar maior ênfase no aspecto apostólico, importa ¨C com o afamado Pe. Leo Trese, em sua obra A Fé explicada (São Paulo: Quadrante, 2021, 15ª edição, p. 156) ¨C lembrar, de modo breve, as notas antecedentes. A Igreja é, segundo o desejo de Cristo, seu divino fundador, una: ¡°Tenho ainda outras ovelhas que não são deste aprisco. Preciso conduzi-las também, e ouvirão a minha voz e haverá um só rebanho e um só pastor¡± (Jo 10,16). Ou: ¡°Já não estou no mundo, mas eles estão ainda no mundo; eu, porém, vou para junto de ti. Pai santo, guarda-os em teu nome, que me encarregaste de fazer conhecer, a fim de que sejam um como nós¡± (Jo 17,11). E foi inspirado também nestas palavras que, com muita responsabilidade, assumi o lema de minha missão: ¡°Que todos sejam um¡±.
É santa: ¡°Santifica-os pela verdade. A tua palavra é a verdade. [...] Santifico-me por eles para que também eles sejam santificados pela verdade¡± (Jo 17,17-19). Mais: São Paulo nos recorda, nesta mesma linha da oração de Cristo, ¡°que se entregou por nós, a fim de nos resgatar de toda a iniquidade, nos purificar e nos constituir seu povo de predileção, zeloso na prática do bem¡± (Tt 2,14). A Igreja é santa em sua origem e ensinamentos, mesmo com membros que fazem parte de seu corpo, pecadores chamados a conversão.
A Igreja de Cristo também é católica, ou seja, universal, aberta a todos os seres humanos de todos os tempos e lugares: ¡°Este Evangelho do Reino será pregado pelo mundo inteiro para servir de testemunho a todas as nações¡± (Mt 24,14), ou ¡°Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura¡± (Mc 16,15) e ainda: ¡°Sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria e até os confins do mundo¡± (At 1,8). Vamos viver isso de modo especial neste ano vocacional missionário.
Também, por fim, nossa Igreja é apostólica, isto é, vem de Cristo por meio dos Apóstolos de modo ininterrupto: ¡°E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela¡± (Mt 16,18). ¡°Mas Jesus, aproximando-se, lhes disse: ¡®Toda autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo¡± (Mt 28,18-20) ou ainda: ¡°Já não sois hóspedes nem peregrinos, mas sois concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, tendo por pedra angular o próprio Cristo Jesus¡± (Ef 2,19-20).
A partir dessas quatro notas características, Pe. Leo Trese nos diz que ¡°ao constituir a Igreja como pré-requisito para a nossa felicidade eterna, o Senhor não deixou de estampar nela, claramente, a sua marca, o sinal da sua origem divina, e tão à vista que não pudéssemos deixar de reconhecê-la no meio da miscelânea de mil seitas, confissões e religiões do mundo atual. Podemos dizer que a ¡®marca¡¯ da Igreja é um quadrado e que o próprio Jesus Cristo nos disse que deveríamos olhar para cada lado desse quadrado¡± (A Fé explicada, p. 155-156).
Pois bem, por vontade divina, o magistério vivo da Igreja é a garantia da fé cristalina para nós, como escreve Antonio Royo Marín, O.P., destacado teólogo espanhol: ¡°Cremos que a confusão moderna a respeito da fé e da moral cristãs ¨C cuja magnitude e gravidade seria inútil dissimular ¨C não se resolverá com base na doutrina dos teólogos modernos, por muito 3 eminentes e famosos que sejam, nem tampouco com o recurso direto às fontes da divina revelação interpretadas pelo engenho ou ¡®carisma pessoal¡¯ de cada um, mas com a aceitação plena, leal e sincera do Magistério Oficial da Igreja, no qual, em virtude da assistência divina prometida pelo próprio Cristo até o fim dos séculos (cf. Mc 16,19-20), não cabe o menor erro ou desvio na interpretação autêntica das verdades reveladas por Deus. A doutrina oficial da Igreja, através dos Concílios e dos Papas, foi, é e será sempre perfeitamente válida e segura, não importa quais sejam as vicissitudes e vaivéns do mundo que nos rodeia¡± (A fé da Igreja & Sentir com a Igreja. 2ª ed. Campinas: Ecclesiae, 2018, p. 14).
Com efeito, sem o Magistério vivo e autêntico da Igreja, corre-se em vão. Desta premissa surgem duas questões, como: 1) que se entende por magistério vivo? 2) como entender o magistério autêntico? Respondamos a cada uma, dado que tais respostas constituem o cerne deste artigo. Pois bem, entende-se o magistério vivo como uma forma dinâmica ¨C nunca estática ¨C de ensinar. Forma que, sem trair a mensagem essencial de Cristo, dá àquele que ensina a liberdade de retamente interpretar, adaptar e aplicar, hoje, a Palavra de Deus.
O teólogo Bernardo Bartmann recorda que ¡°isso é tão verdade que se notaram os perigos ordinariamente inerentes a uma missão de tal natureza e de tal envergadura; então, para garantir ¨C não obstante tudo ¨C esta inalterabilidade, prometeu assistência do Espírito Santo. Ele estava de tal modo tão longe do conceito de um ensinamento como ¡®repetição mecânica¡¯ e pensava, ao invés, de tal modo num magistério imutável na substância, mas vivacíssimo na personalidade da forma e na adaptação das circunstâncias, que deu este aviso aos Doze: ¡®Quando vos levarem (diante dos perseguidores) não vos preocupeis sobre como e o que dizer; ser-vos-à dado naquela hora o que dizer¡¯ [...]. Trata-se, portanto, de um magistério vivo enquanto não exclui, mas assume e assimila todos os elementos vitais, livres, pessoais do docente¡± (Teologia Dogmática. vol. 2. São Paulo: Paulinas, 1964, p. 451-452). Em poucas palavras: o Magistério autêntico da Igreja goza da assistência divina, mas isso não anula a natureza ou o modo de ser de quem ensina, ou seja, do Santo Padre, o Papa, e dos Bispos em comunhão com ele.
Tal Magistério da Igreja, autenticamente exercido por seus legítimos Pastores, é o único intérprete oficial da Palavra de Deus que é uma só, mas chega até nós por dois canais, a Sagrada Escritura e a Sagrada Tradição (cf. Catecismo da Igreja Católica n. 74-100). São Tomás de Aquino é quem ensina: ¡°O que possui a mais alta autoridade é o costume da Igreja, que deve ser preferido a tudo o mais, pois a própria doutrina dos doutores católicos tira da Igreja a sua autoridade. Por onde, devemos nos apoiar, 4 antes, na autoridade da Igreja do que na de Agostinho, de Jerônimo ou de qualquer outro doutor¡± (Summa Theologica, II-II, q. 10, a.12).
Assim, ¡°divide-se habitualmente o magistério em escrito e vivo. O magistério puramente escrito é aquele que um autor qualquer exerce por seus livros, mesmo depois de sua morte. Tal é, por exemplo, o magistério que ainda agora Aristóteles exerce por suas obras. O magistério é chamado vivo, quando ele se exerce por atos vitais e conscientes de homens, usando ou não de escritos¡± (Sacrae Theologiae Summa, BAC, tomo I, 5ª ed., 1962, ¡®De Ecclesia Christi¡¯, por I. Salaverri S.J., p. 656). Portanto, ¡°um magistério vivo, quer dizer, que se exerce continuamente na Igreja pela comunicação da doutrina revelada. Este Magistério é vivo enquanto se opõe ao magistério ainda exercido atualmente na Igreja por homens que desapareceram, mas aos quais suas obras sobreviveram¡± (Dicionário apologético da Fé Católica, artigo ¡®Tradição e Magistério¡¯, de H. Pérénnès, col 1786-1787). É este magistério vivo que o Papa Francisco exerce na Igreja e requer, portanto, acatamento sob pena de se desligar do Corpo místico de Cristo prolongado na Igreja (cf. Cl 1,24), Corpo que Ele mesmo formou e entregou a Pedro e aos seus sucessores (cf. Mt 16,18) e formar, assim, um magistério paralelo ilegítimo para julgar o autêntico magistério da Igreja com sua divina assistência infalível (cf. Mt 28,20).
O magistério autêntico limita-se apenas às áreas de fé e moral (ou costumes), como se lê na Lumen Gentium, 25. Ele sempre merece acatamento de acordo com o grau do ensinamento proposto: ¡°Ensinando em comunhão com o Romano Pontífice, devem por todos ser venerados como testemunhas da verdade divina e católica. E os fiéis devem conformar-se ao parecer que o seu Bispo emite em nome de Cristo sobre matéria de fé ou costumes, aderindo a ele com religioso acatamento. Esta religiosa submissão da vontade e do entendimento é por especial razão devida ao magistério autêntico do Romano Pontífice, mesmo quando não fala ex cathedra; de maneira que o seu supremo magistério seja reverentemente reconhecido, se preste sincera adesão aos ensinamentos que dele emanam, segundo o seu sentir e vontade; estes manifestam-se sobretudo quer pela índole dos documentos, quer pelas frequentes repetições da mesma doutrina, quer pelo modo de falar¡±.
Como se vê, o magistério autêntico se faz exercer de dois grandes modos: o ordinário e o extraordinário. Sim, o ordinário é exercido pelos Bispos em união com o Papa, cabeça do Colégio apostólico, e em unanimidade moral entre si, ao ensinarem constantemente verdades relativas à fé e à moral; o extraordinário se realiza em dois modos: a) pelos Bispos, reunidos em Concílio Ecumênico sob a presidência do Papa ou com a sua aprovação ou b) pelo Papa sozinho, em definições ex cathedra que são, aliás, raras na história bimilenar da Igreja (cf. Felipe Aquino. O 5 sagrado magistério. Lorena: Cléofas, 2000, 117-119). Nisso nós cremos, conforme o Credo do Povo de Deus, de São Paulo VI, a professar: ¡°Herdeira das promessas divinas e filha de Abraão segundo o Espírito, por meio daquele povo de Israel, cujos livros sagrados guarda com amor e cujos Patriarcas e Profetas venera com piedade; edificada sobre o fundamento dos Apóstolos, cuja palavra sempre viva e cujos poderes, próprios de Pastores, vem transmitindo fielmente de geração em geração, no sucessor de Pedro e nos Bispos em comunhão com ele; gozando enfim da perpétua assistência do Espírito Santo, a Igreja tem o encargo de conservar, ensinar, explicar e difundir a Verdade que Deus revelou aos homens, veladamente de certo modo pelos Profetas, e plenamente pelo Senhor Jesus. Nós cremos todas essas coisas que estão contidas na Palavra de Deus por escrito ou por tradição, e que são propostas pela Igreja, quer em declaração solene, quer no Magistério ordinário e universal, para serem cridas como divinamente reveladas. Nós cremos na infalibilidade de que goza o Sucessor de Pedro, quando fala ex cathedra, como Pastor e Doutor de todos os cristãos e que reside também no Colégio dos Bispos, quando com o Papa exerce o Magistério supremo¡± (n. 20).
Que estas reflexões nos levem a amar, mais e mais, a mãe Igreja e ao Santo Padre, o Papa Francisco, como o legítimo sucessor de Pedro a quem cabe, no exercício do seu magistério autêntico, obediência e respeito filiais.
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